segunda-feira, 7 de novembro de 2011

No Blog Computação, Matemática e Filosofia, para ler e pensar.

Computação, Matemática e Filosofia




O declínio da tese de doutorado

by fernando

Leio através do blog do professor Roberto Romano um artigo do professor Tibor Rabóczkay sobre o sigilo nas revisões acadêmicas, e mais outros sobre o critério de produtividade (medidas como número de publicações) empregado na universidade. Muito se fala sobre o produtivismo, sobre a avaliação de pesquisadores através de indicadores de publicações, etc. O foco da discussão é geralmente nos professores e na carreira docente e geralmente os alunos são esquecidos. Neste post, quero abordar algo que vejo como efeito do produtivismo e das medidas de produtividade: o declínio da tese de doutorado. Este post, portanto, aborda a questão principalmente do ponto de vista dos alunos de doutorado.

A exigência de apresentar provas de produção não afeta apenas os professores, mas também (e principalmente, diria eu) os alunos de doutorado. Estes (pelo menos na área de Exatas, da qual falo por experiência própria) sofrem constante pressão para publicar. A pressão é muitas vezes implícita, mas em muitos casos (no Brasil e no exterior) já está sendo formalizada: alguns programas de doutorado exigem, digamos, um certo número de artigos para que o aluno possa defender sua tese; já vi casos de alunos que devem publicar um artigo por ano (algo em si absurdo! quem se importa se o aluno publica um artigo por ano, ou dez num só ano e nenhum nos demais?).

Para escrever sua tese de doutorado, o aluno precisa, é claro, de resultados advindos da pesquisa que desenvolveu. Uma vez tendo resultados, basta ao aluno escrever uma tese, que é julgada por uma banca que decide então por aprová-lo ou não. Fica a pergunta: qual o papel das publicações em periódicos? Por que elas são exigidas? Todos os resultados da pesquisa estão descritos na tese e a banca, composta por especialistas, tem plena capacidade de julgar se o trabalho é suficiente ou não.

Minha resposta é a seguinte: as publicações externas apenas colocam um “carimbo de qualidade” na tese. Esse carimbo é aplicado por entidades, geralmente privadas (e muitas vezes com fins lucrativos), externas à universidade: os periódicos. Se as publicações do aluno aparecem em periódicos considerados bons, então a tese é boa; se aparecem em periódicos ruins, a tese é ruim.

Parece-me absurda portanto a exigência de que alunos de doutorado tenham publicações em periódicos para que possam defender. De fato, transfere-se assim a responsabilidade da banca examinadora para agentes externos e, algo ainda mais grave, para agentes externos que funcionam com base no sigilo (pois os revisores dos artigos submetidos a periódicos são anônimos, afinal de contas). Uma banca examinadora que exige publicações para avaliar uma tese declara sua própria inutilidade. É como se dissesse: “não queremos ler o seu trabalho, não queremos nos responsabilizar pela avaliação da sua tese, apenas confirmamos ou não o julgamento feito por terceiros”.

E, de fato, muitas são as bancas em que a maioria dos membros não lê muito do trabalho do candidato. Às vezes, nem o orientador lê o trabalho! E isso acontece nas melhores universidades, no Brasil e no exterior.

Qual é o principal efeito desse estado de coisas? O lento declínio da tese de doutorado. Em muitos lugares, alunos simplesmente grampeiam seus artigos para formar uma tese. Às vezes escrevem uma introdução e uma conclusão para o conjunto. Outras vezes ainda tentam unificar a linguagem e terminologia. De qualquer forma, a tese passa a ser uma mera formalidade, o que importa é ter publicado. À banca resta decidir se os periódicos onde os artigos apareceram são bons o bastante ou não.

Acho triste que a tese de doutorado esteja perdendo seu papel de meio para a divulgação de idéias. Já ouvi de mais de uma pessoa que, na verdade, “ninguém lê teses de doutorado” (nem a banca, nem o orientador, nem outros cientistas). Isso é triste pois na escrita da tese o aluno tem uma rara oportunidade (que, infelizmente, pode não aparecer de novo em sua carreira) de escrever um trabalho longo e ponderado a respeito de um tópico, com começo, meio e fim. Não só isso, ele tem a oportunidade de escrever algo sozinho, sem co-autores e sem ter de fazer inúmeras revisões só para agradar a revisores anônimos (como ocorre muitas vezes quando submetemos artigos a periódicos). É uma oportunidade de exercer um grande grau de liberdade intelectual.