Absolvição de Roberto Romano, em instância superior, no processo contra ele movido por Moniz Bandeira.
Escrevi, para a revista Primeira Leitura, uma resenha do livro intitulado Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra ao Iraque.
O autor me processou e fui condenado na primeira instância. E absolvido
plenamente por magistrados superiores. Segue o texto do Acórdão, que
mostra prudência e saber jurídico dos desembargadores. Os sites ,
portais e blogues que me injuriaram e caluniaram devido à condenação em
primeira instância, estão gentilmente convidados a pedir desculpas,
segundo os preceitos da civilizade, que serão aceitas conforme também
ordena a civilidade. Segue a íntegra do Acórdão.
Boa leitura.
Prof. Roberto Romano da Silva (Unicamp).
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2011.0000196087
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 921655429.2007.8.26.0000,
da Comarca de São Paulo, em que são apelantes PRIMEIRA LEITURA LTDA,
JOSE REINALDO AZEVEDO E SILVA, ROBERTO ROMANO DA SILVA e LUIZ ALBERTO
DIAS LIMA DE VIANNA MONIZ BANDEIRA sendo apelados LUIZ ALBERTO DIAS LIMA
DE VIANNA MONIZ BANDEIRA e PRIMEIRA LEITURA LTDA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso
principal para julgar improcedente a ação, invertido o ônus da
sucumbência, prejudicado o adesivo.", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. DesembargadoresFÁBIO QUADROS
(Presidente), NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA E ENIO ZULIANI.
São Paulo, 15 de setembro de 2011
FÁBIO QUADROS
RELATOR
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Voto nº 13.439/TJ - 4ª Câmara de Direito Privado
Apelação Cível nº 9216554-29.2007.8.26.0000
Comarca de São Paulo
Apelantes: Primeira Leitura Ltda. e outros
Apelada: Luiz Alberto Dias Lima de Vianna Moniz Bandeira
Danos morais Lei de imprensa Resenha crítica -Embate de filósofos em que um dos requeridos, se
utilizando da revista ré, voltada à economia e ao pensamento político,
editou artigo criticando o autor do livro intitulado “Formação do
Império Americano: Da Guerra Contra a Espanha à Guerra ao Iraque”
Procedência parcial Apelação dos réus pretendendo reformar o julgado ou
reduzir o quantum fixado
Decadência afastada, uma vez que a norma pertinente não foi recepcionada
pela CF/88 Recurso principal conhecido e provido para julgar
improcedente ação, invertido o ônus da sucumbência, prejudicado o
adesivo.
Trata-se de recurso de apelação (fls. 783/784, 785/805), interposto
pelos requeridos PRIMEIRA LEITURA LTDA., ROBERTO ROMANO DA SILVA e JOSÉ
REINALDO AZEVEDO E SILVA, contra r. sentença (fls. 771/780), que nos
autos da ação indenizatória por danos morais proposta por LUIZ ANTONIO
ALBERTO DIAS LIMA DE VIANNA MONIZ BANDEIRA, em face dos ora apelantes,
julgou parcialmente procedente para condená-los solidariamente ao
pagamento de valor equivalente a 50 salários
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mínimos, à época da liquidação, assim como nas custas e despesas processuais, além da verba honorária.
Inconformados, apelam, alegando equívoco na manifestação judicial,
dizendo que para concretização do dano, mister que a crítica seja de
forma incisiva, esta, contudo é voltada para o texto literário,
referindo expressões empregadas na resenha, sendo utilizadas apenas em
relação ao autor empírico e não ao apelado requerente. Em extensos
relatos sobre os fatos, acenam os apelantes com a exceção da verdade,
indicando posicionamentos do autor da obra que foi objeto da crítica,
referindo manifestações da resenha e tecendo comentários elucidativos,
buscando com isto explicar a motivação da manifestação crítica,
outrossim, descaracterizar supostas ofensas ao
postulante, mencionando que os comentários acerca de Hegel e a expressão
a ele dirigida como “charlatão”, tem o fito de explicar o
posicionamento do autor na composição da obra, objeto da crítica. Aduzem
que tinham o dever moral de expressar opinião sobre aquela, de acordo
com a liberdade de expressão garantida na Carta Política, aliás, como
fizeram outros críticos e que, entretanto, não foram indicados à
responsabilização pelo apelado. Finalizam referindo que o
valor fixado à indenização é excessivo. Querem a inversão do julgado,
alternativamente, reduzir o montante fixado. Buscando ampliação do
quantum fixado, apresentou recurso adesivo o autor (fls. 879/880,
881/901), ressaltando a responsabilidade dos requeridos pelo dano moral,
dizendo que eles agiram intencionalmente e com propósito deliberado em
atingi-lo, baseado nas várias manifestações injuriosas, difamatórias e
caluniosas da resenha. Sugere a majoração do valor fixado.
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Contrarrazões (fls. 815/874 e 913/925).
Este é o relatório.
Preliminarmente, afasta-se a alegada deserção, uma vez que a tese
relacionada à admissibilidade do recurso levantada nas contrarrazões,
com base no parágrafo 6º, do art. 57, da Lei de Imprensa, não encontrou
eco ante a nova ordem constitucional (cf. JTJ 258/341, Rel. Des. Cezar
Peluso; 255/321, Rel. Des. Cezar Peluso; JTJ 241/168, Rel. Des. Ivan
Sartori; JTJ 220/226, Rel. Des. Fonseca Tavares).
Tem-se que referida norma teve por fim inibir interposição de recursos
protelatórios, com o fito de acelerar a execução após o julgamento do
recurso, de modo a compensar rapidamente o dano moral que se procurou
reparar, todavia, o Colendo Superior Tribunal de Justiça acabou
pacificando entendimento no sentido da desnecessidade do referido
depósito como condição de recorribilidade.
Nesse sentido os julgados da citada Corte:
“Afastadas as condicionantes para indenização tarifada prevista na Lei
de Imprensa, não é de ser exigido o depósito do valor integral da
condenação para o efeito da admissibilidade da apelação. Recurso
especial conhecido e provido (STJ - REsp 241774 Min. CESAR ASFOR ROCHA -
26/11/2002)”.
“STJ - Dano moral. Lei de Imprensa.
Apelação. Depósito prévio. Precedentes da Corte.
1. Já decidiu a Corte, em diversas oportunidades, que o depósito prévio,
previsto na Lei de Imprensa para o recebimento da apelação, era
compatível com o regime da
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indenização tarifada. Admitindo-se indenização que ultrapasse esse valor impõe-se considerar inaplicável a exigência.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ - REsp 168667 Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO -
T3 - 06/04/1999)” “in” Jurid PREMIUM, 51ª ed.
Também neste Egrégio Sodalício o mesmo posicionamento, consoante
julgado: "LEI DE IMPRENSA - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - RECURSO -
APELAÇÃO - PREPARO -DEPÓSITO DO VALOR DA CONDENAÇÃO - DESNECESSIDADE -
Pagamento efetuado com base no valor original da causa. Deserção
não-ocorrente. Provimento ao agravo. Não incidência do artigo 57,
parágrafo sexto, da Lei nº 5.250/67. Na ordem constitucional vigente,
não é exigível, como requisito de admissibilidade da apelação, o
depósito previsto no artigo 57, parágrafo sexto, da Lei de Imprensa,
bastando, nesse ponto, o preparo comum." (TJSP - 2ª Câmara de Direito
Privado - AI 208.918-4/0-00 - Rel. Des. Cezar Peluso - j. 19.02.2002).
Assim, afasta-se a preliminar levantada nas contrarrazões, tomando-se conhecimento do recurso principal.
Quanto ao mais, consta dos autos que o recorrente, Roberto Romano,
Professor de Ética e Filosofia da Unicamp, convidado pela revista
“Primeira Leitura” a ler e comentar obra do autor, que integra lista de
leitura obrigatória dos candidatos do curso do Instituto Rio Branco,
após o que elaborou artigo, comentando posições do autor, ostentadas no
intitulado livro: “Formação do Império Americano: Da Guerra Contra a
Espanha à Guerra no Iraque”, que segundo o recorrido foram além dos
limites da crítica.
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Examinada a questão em primeiro grau, restaram os requeridos
solidariamente condenados a pagar ao autor indenização por dano moral no
equivalente a 50 (cinqüenta) salários mínimos, além de ônus da
sucumbência.
Tem-se, entretanto, que a manifestação judicial laborada, “data vênia”, não se houve com acerto.
É que não constitui difamação ou injúria e conseqüente dano moral o
exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação, a
opinião desfavorável da crítica literária,
artística, científica ou desportiva, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar.
O exercício natural da crítica é mero ato de manifestação, consistente
num direito constitucional do cidadão, nada dizendo com o abuso no
direito da liberdade de manifestação, no caso de opinião.
Também não há dizer que a “suposta complacência do autor para com a
ideologia pregada por Hitler na Alemanha Nazista” tenha constituído
ofensa capaz de gerar o pretenso dano moral, por se cuidar de mera
referência crítica ao conteúdo da obra sob análise.
Outrossim, nem mesmo a incisiva utilização de pujantes expressões
referidas no contexto da crítica, pode dar ensejo aos delitos de injúria
ou difamação e conseqüente dano moral indenizável, ainda que as
palavras se afigurem com idoneidade ofensiva, quando não vislumbrado o
inequívoco propósito, vale dizer, doloso, de atingir a pessoa.
As críticas elaboradas pelo recorrente,
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apenas expõe posições do livro do autor e as circunstanciais
qualificações atribuídas, às vezes preconceituosas em relação ao
recorrido, ou alinhando-as a personagens de condutas hostilizadas e de
pouca simpatia, diz apenas com a obra analisada e respectivo
posicionamento de seu autor. Os adjetivos mais severos, tal como
“ignorância pura”, “charlatão” e “tosco”, e a atribuição de ser o autor
“indulgente com Hitler” e outros termos assemelhados, ainda que pareçam
gravosos, são utilizados apenas com intuito de situar o autor à sua obra
e a ela tecer críticas, elucidando o posicionamento dele ao expressar
suas idéias, contudo, repita-se, sem o condão de atacá-lo.
É certo que o recorrente acena com adjetivações em relação ao recorrido,
referindo severas críticas à sua obra, fazendo comentários à visão
político-social do autor, a seu ver equivocada, o qual tece duras
críticas ao posicionamento político americano e diz sê-lo indulgente em
relação a Hitler, fazendo ainda alusão depreciativa em razão do tipo de
formação acadêmica por conta do direcionamento da obra em foco aos
aspirantes a embaixadores, do Instituto Rio Branco, contudo e ainda
assim, a análise crítica do recorrente é apenas no sentido de expor,
como já consignado alhures, posicionamento do autor, circunstância que
não induz dano moral.
As expressões utilizadas e indicadas como ofensivas, não o são; é que foram utilizadas no contexto da
análise crítica ou no mérito desta, nem mesmo quando empresta o autor da
resenha adjetivos, vinculando, não o autor, mas seu posicionamento a
outros personagens históricos, que ante o comportamento deixaram
negativas marcas.
Assim, conquanto tenha sido incisiva a
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crítica tecida à obra do autor, com adjetivações, não há evidências de
haver configuração dos delitos de injúria e difamação, notadamente por
não haver inequívoca intenção dirigida nesse sentido.
Aliás, firme é a jurisprudência a respeito, conforme v. acórdão: “São
inconfundíveis o direito de crítica e a intenção de injuriar ou difamar
através da crítica. Não se discute, e nem se poderia fazê-lo, que muitas
vezes a opinião de um crítico pode ser boa, má, errada e mesmo
estúpida, favorável ou desfavorável. Tais circunstâncias não
caracterizam, porém, os delitos de injúria e difamação previstos na Lei
de Imprensa. Ali se pune, como dispõe o art. 27, I, a inequívoca
intenção de injuriar ou difamar. Somente quando a intenção for no
sentido inegável, indiscutível, ou induvidosamente
denegridor, é que se configuram os delito em referência” (LEI DE
IMPRENSA INTERPRETADA PELOS TRIBUNAIS Acórdãos inseridos - 2ª ed. Ed.
Juarez de Oliveira S. Paulo 2005, p. 19).
Ora, se nesse universo de direito de manifestação é permitido noticiar,
comentar e criticar, resumida ou amplamente atos ou projetos dos Poderes
estatais, desde que não se cuide de matéria de natureza reservada ou
sigilosa, não se poderia excluir a crítica a obras literárias, como é o
caso, ainda que se mostre um tanto exasperada, como sugere o autor,
sendo importante lembrar que o debate de idéias a respeito, apenas
enriquece a opinião pública.
Promover a exposição das idéias é fundamental à sociedade no estado de direito e democrático,
entendendo-se que o Estado tem o preponderante dever social de estimular
o debate de idéias, não inibir, a não ser que se verifique o abuso,
valendo lembrar que há farta jurisprudência relacionada a casos
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assemelhados, em que não restou configurado o dano:
“Não comete ato ilícito a empresa jornalística que se limita a publicar matéria narrando as acusações
feitas pelo Promotor de Justiça, visto que com isso cumpre apenas a ré o
seu dever de informar a verdade do fato jornalístico” (STJ 3ª T. REsp
299.846 Rel. Carlos Menezes Direito j. 25.09.2001 DJU
04.02.2002 e RT 802/178).
“Não caracteriza abuso da liberdade de imprensa, mas exercício legítimo
do direito de crítica, inofensiva a outros membros do destacamento, a
exibição de programa humorístico
de televisão, em que, sob a forma e os exageros artísticos da sátira, se
faz reprimenda severa a crimes graves praticados por policiais
militares no exercício de sua função duvidosos” (TJSP 2ª Câmara de
Direito Privado Ap. 117.411-4/9-00).
Assim é que a atuação do autor da resenha não se desviou do seu mister,
estando, pois, de acordo com a livre manifestação de opinião, nos
limites da legalidade, sem que seja constatado algum abuso, eis que não
se verifica tenha sido a crítica direcionada ao recorrido, antes ao
texto literário, sem intenção de ataque, portanto.
Impende referir que as expressões dirigidas ao recorrido no contexto crítico, têm apenas intenção de
melhor situar ou ressaltar a crítica e ainda que mais incisiva seja, ou
que no exercício desta tenha sido ele adjetivado, não há como inferir
houvesse intenção do recorrente injuriar ou difamar o recorrido.
A manifestação da crítica literária, repita-se, tem sustentação no consagrado direito constitucional de
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manifestação de pensamento, sendo que a opinião manifestada à obra do
autor e o fato de a este serem atribuídas algumas comparações ou
alusões, tal como “... a suposta complacência do autor para com a
ideologia pregada por Hitler na Alemanha Nazista, deixando assentado que
ele havia citado Hitler com indulgência na obra...”, não representa
transpasse aos limites da razoabilidade, nem ainda com tais
adjetivações, porquanto o faz no afã de elaborar a crítica.
A alegação de que fora ofendido pelo autor da resenha, na medida em que
emite conclusões a seu respeito, a seu ver equivocadas, inclusive quando
faz alusões e outros personagens da história, deixa evidente que o
recorrido não se dá bem com a crítica e inadmite conclusões outras que
não estejam situadas ao seu ponto de vista, notadamente quando se
mostrem incisivas, valendo dizer que a
análise literária por outros profissionais da mesma área que tenham
visão político-social diversa da sua, podem ser vista quase como
proibitiva, ou inadmissíveis, consoante se pode verificar.
Ora, o fato da manifestação crítica, na elaboração analítica da obra
fazer alusões a outros personagens da história, ainda que se tratem de
figuras humanas hostilizadas ou indesejáveis ante o comportamento
manifestado perante a sociedade da época, não significa tenha maculado a
honra do recorrido, uma vez que se cuida de mera manifestação tocante à
liberdade de expressão, notadamente com vínculo no mister do crítico, o
que evidencia ação desvinculada do intuito de ataque.
Não é possível ignorar que os cronistas dos mais diversos periódicos,
com certa freqüência emitem suas opiniões em suas colunas jornalísticas,
muitas vezes com críticas
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ferrenhas e severas em relação a determinadas obras literárias, ou
ideais que entendem controvertidas, até com adjetivações a seus autores,
e nem por isso constitui tal circunstância agravo à pessoa, valendo
ressaltar que tal comportamento deve ser visto como salutar e apropriado
ao aperfeiçoamento do debate das idéias.
Nota-se do embate processual, evidente conflito de idéias entre os
litigantes, notadamente de posições sóciopolítico internacional,
evidenciado pelo fato de que o recorrente critica postura do autor, que
desenvolve na obra um paralelo entre a política adotada pelo Estados
Unidos e a outra adotada pela Alemanha Nazista.
Portanto, o que está em pauta no debate telado é apenas o conflito de
idéias, antes de ataques pessoais com fins difamatórios ou injuriantes.
Resta, pois, demonstrado, a toda evidência, que o intuito do recorrente está voltado tão só à crítica da
obra literária do autor e, ainda que nesse mister tenha ele elevado o
tom da crítica, pelo calor e paixão de seu ofício, mesmo que adjetivando
o autor com as expressões referidas, consideradas as circunstâncias
informadas no processo e levando em conta a consagrada liberdade de
manifestação de pensamento esculpida na Carta Política, tem-se que não é
caso de ser reconhecida pretensão indenizatória ao caso.
Importa nesse sentido assentar que eventual abuso, desde que não
ultrapassados limites constitucionais e infraconstitucionais inerentes à
manifestação de expressão no mister de
criticar, deve ser aquele mitigado, valendo aqui transcrever a lição
doutrinária de Freitas Nobre, referindo que: “desde que seja o interesse
público a predominar na crítica, no seu objetivo, desaparece o abuso
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da informação, para prevalecer os altos interesses da sociedade que deve
e que necessita ser bem informada” (COMENTÁRIOS À LEI DE IMPRENSA 3ª
ed., Saraiva P. 126).
Irrelevante, ademais, o fato de haver sido a resenha veiculada perante
grande público, e nem poderia ser diferente, já que se trata de
interessante obra direcionada a um importante universo acadêmico e
específicos leitores, de sorte que, inimaginável seria que obra desse
quilate e com tal importância não fosse submetida à exposição pública e
nem sofresse crítica de cronistas e importantes analistas.
Destarte e nas circunstâncias verificadas, toma-se conhecimento do
recurso principal, dando-se-lhe provimento para julgar improcedente a
ação, invertendo-se as disposições sucumbenciais, prejudicado o adesivo.
Ante o exposto, toma-se conhecimento do
recurso principal, prejudicado o adesivo.
FÁBIO QUADROS
Relator
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Segue o texto da resenha (RR)
A FORMIGA QUE MARCHAVA CONTRA O IMPÉRIO.
UMA FÁBULA HEGELIANA.
UMA FÁBULA HEGELIANA.
Francis
Bacon distinguia entre formas lucíferas e frutíferas de pesquisa. As
primeiras, por atingir paragens elevadas do intelecto, levam à ciência.
As segundas perdem importância na hora do consumo. Paolo Rossi (1)
recorda as imagens usadas pelo suposto empirista para descrever os
vários tipos de intelecto. Em primeiro, acadêmicos formiga: recortam
dados indefinidamente sem processá-los no pensamento. Depois chegam os
aranha que tecem silogismos sem base efetiva no mundo. Como descartaram
os dados, eles vivem suspensos em sistemas filosóficos. Finalmente, com
base em Platão e poetas como Horácio, vem o pesquisador abelha que
recolhe o néctar das flores (os dados), o elabora e entrega um belo e
alimentício produto, o mel.
Os “sábios” europeus e seus herdeiros
desprezam a filosofia anglo-saxã. Esquecem a lição de I. Kant, cuja
honestidade proclama que sem Hume o sono dogmático dominaria a sua
mente. Não por acaso Bacon é citado na Critica da Razão Pura:
“calamos sobre nós mesmos, falamos sobre as coisas”. Hegel é um
charlatão a mais a espalhar preconceito contra a cultura inglesa. O
mesmo Hegel, no seu doutoramento, errou uma citação essencial de Newton
(2) mas disse sem pudor algum : “Newton é pensador tão bárbaro no plano
conceitual que, à semelhança de outro inglês, se espantou ao descobrir
que falava em prosa. Quando imaginava manipular coisas físicas, Newton
não tinha consciência de usar conceitos”(3).
Luiz Alberto Moniz
Bandeira se proclama hegeliano. Dados os elementos acima, acredito. Ele
afirma ser preciso “penetrar no âmago dos acontecimentos, conhecer a
causa e a essência dos fenômenos, o que é real e racional por trás da
aparência”. O jargão escolástico foi dado. Vejamos as conseqüências.
Bandeira segue a lógica do mestre, aplicando-a sem cautelas ao mundo
histórico. Aliás, trata-se de um estranho hegelianismo que amontoa fatos
empíricos e teses a priori, sem que os dois elementos se unam. Em
muitas páginas o autor mimetiza a formiga baconiana e acumula dados, mas
não os pensa. Ao mesmo tempo, insiste em esquemas paranóides que
anunciam uma indemonstrada “ditadura mundial do capital financeiro”. E a
salada empírico-transcendental vem recheada de “denúncias” que, sem
exagero, atribuem ao governo norte-americano plena cumplicidade com o
ataque de 11/setembro. Essas histórias fantásticas recordam invenções
como o Protocolo dos Sábios de Sião. Mas vamos por partes. O
livro começa errando e termina do mesmo jeito. Nele se fala em
“fundamentalismo” dos founding fathers americanos. Ignorância pura. Se
tivesse lido uma linha dos ditos senhores, Bandeira saberia que eles
estudavam teologia em bases tão rigorosas quanto as obedecidas pelos
teóricos europeus. A filosofia, a teologia, a retórica, a lógica de
Petrus Ramus, a panóplia conceitual sofisticada movida por eles, tudo
somado a um saber científico e literário de fazer inveja à Sorbonne,
mostram que de “fundamentalistas” eles nada possuem (4). Caso oposto,
inexistiriam as universidades norte-americanas produtoras de amplos
saberes científicos, técnicos, humanísticos. Mas não se espera sutileza
teológica de alguém que escreve ser Jesus apologista do “não pagamento
de tributo ao César”. Erro feio demais para ser apenas erro(5). O autor,
para fundamentar sua “tese” sobre o terror (6), apela com singeleza a
certo Cristo inscrito na guerrilha e …no terror “libertário”. Assim fala
o hegeliano: se os dados históricos e textuais negam a lógica assumida,
danem-se eles.
ANTIAMERICANISMO
Bandeira
assume o mais vulgar antiamericanismo, e cita oráculos franceses que
descrevem os EUA como “esse povo do qual todas as forças vivas são
dirigidas pelo excesso no crescimento indefinido dos bens materiais”
(Joseph Patouillet, 1904). Se é para catar preconceitos, porque não
descer à base do etnocentrismo europeu defendido por De Pauw ? Este, nas
Pesquisas sobre os Americanos (7), afirma serem podres o povo e a terra
daquele continente. Mas a lógica hegeliana é conhecida por seus
truques. Bandeira, bom hegeliano, transforma “a parte” num todo. Ele
cita Aron, para quem os norte-americanos possuem “uma parte da
responsabilidade no desencadeamento da guerra dupla no Atlântico e no
Pacífico”. Daí, o autor passa ao “notável” Gore Vidal (retórica das
seitas: os “nossos” são notáveis, os “outros” recebem adjetivos
impublicáveis) : “hoje, ninguém nega com seriedade que Roosevelt queria a
guerra dos EUA contra Hitler”. Para mim, se Hitler declarasse guerra ao
inferno, eu também me aliaria ao diabo. Mas para Bandeira, não. A
beligerância contra Hitler é crime. Ele cita Hitler com indulgência, num
discurso contra “a ilimitada ditadura mundial norte-americana”(8).
Encontra-se aí uma perigosa coincidência entre a tese central do livro
em pauta e o discurso totalitário: os EUA querem impor uma ditadura sem
limites ao mundo.
Hitler é citado pelo autor como personagem
neutro. Semelhante técnica de citação chega a ser escandalosa. Veja-se a
seguinte seqüência: “Hitler considerou um ´trágico encadeamento´(eine tragische Verkettung), um ´infeliz acaso histórico´(ein unglücklicher geschichtlicher Zufal) o fato de que sua ascensão ao poder na Alemanha ocorreu quando ´o candidato do mundo judaico´(der Kandidat des Weltjudentums),
Roosevelt, assumiu o governo da Casa Branca”. No juízo do hegeliano só
está errado nesta série de frases o fato de que “Hitler se precipitou”,
nada mais. Ao expor a fabricação de armas, Hitler é novamente citado num
discurso como alguém que só denuncia os instrumentos letais nas mãos
norte-americanas. Em passagem rápida a “política” nazista é referida com
as suas “enormes atrocidades”. Mas logo o autor tira a lição
silogística: se Hitler dizimou o povo russo, este “logicamente” apoiou
Stalin e a sua tirania.
Num texto que defende a tese de uma
ditadura mundial maquinada pelos EUA e onde o leitor é forçado a topar
com certo Hitler estadista sóbrio, é no mínimo bizarro que o autor cale
quase tudo o que se relaciona com o tema jurídico da ditadura, os
debates sobre o artigo 48 da Constituição de Weimar (9). O dilema do
autor, com tal silêncio, é claro: se os EUA têm uma Constituição
democrática, neles não haveria a legalidade da qual se beneficiou
Hitler. Se os EUA seguem para uma ditadura nos moldes do artigo 48
(existem pessoas que pensam desse modo), então aprenderam com a
Alemanha. E seria preciso, para denunciar o imperialismo yankee, descer ao parentesco com a “civilizada” Alemanha.
Quando
se fala em “império” e “ditadura mundial”, tais asserções entram na
polissemia lingüistica, elas não brotam de “fatos” a exemplo de Minerva
da cabeça jupiteriana. É preciso interpretar documentos e dados com
óptica plural. Em pontos delicados assim, o preceito da justiça é
imperativo: quem julga tem o dever de ouvir a outra parte. Não se
encontra um norte-americano defensor de sua terra e gente, nas
oitocentas páginas do calhamaço. Fico no caso mais notório, pois
trata-se de um filósofo especialista em estratégica militar. Trata-se de
Victor Davis Hanson(10). Além dos que dizem cobras e lagartos dos EUA,
ralas são as referências aos seus defensores idôneos. Todo país possui
valores negativos e positivos. Mas o autor afirma trabalhar sine ira et studio
e que não faz reflexão ética, só expõe uma cadeia de fatos. É preciso
dizer que, entre os fatos a serem levados em conta pela razão
científica, em se tratando de política e não de matemática ou física (e
mesmo aí Hegel errou…), a boa lógica exige o exame dos arrazoados
trazidos pelos que defendem o campo “inimigo”.
Outros equívocos, agora de leitura filosófica, surgem ao longo do livro. Todo estudante de primeiro ano conhece a passagem da Fenomenologia do Espírito
sobre “o Reino animal do Espírito”. Baseando-se numa leitura não
provável de Marx, Bandeira reduz o significado daquele trecho, jogando-o
totalmente sobre a sociedade de mercado e para a concorrência. Hegel
era tosco, mas nem tanto. A seqüência inteira é dirigida aos
intelectuais, parte essencial das Luzes. Para quem analisa a ditadura
mundial estadunidense talvez o erro seja pequeno. Mas para um hegeliano…
Em
suma: em tedioso agenciamento de números, documentos e discursos, como
diligente intelectual formiga, o autor exibe sua riqueza, a qual
constrasta com a miséria de uma ideologia raivosa que não hesita em
repetir slogans anti-semitas ao discorrer sobre o Partido Democrático,
além de outras repetições de enunciados totalitários cujo lugar deveria
ser debaixo do rio chamado Esquecimento. Bandeira se proclama hegeliano e
nele acredito. Ele também diz só levar em conta “os fatos, como
cientista”, abandonando todo esforço axiológico. Assim, os “fatos”
terroristas são coletados como se fossem apenas… fatos. Mas eles
expressam juízos de valor e definem uma prática covarde de intimidação,
ao jogar sociedades inteiras na morte aninhada nos ventres fanáticos.
Sim, Bandeira é hegeliano e diz levar em conta os fatos. “Mas quem
aprendeu antes a curvar as costas e inclinar a cabeça diante da
´potência da história´, acaba acenando mecanicamente, à chinesa, seu
´sim´a toda potência, seja esta um governo ou uma opinião pública ou
maioria numérica, e movimenta seus membros no ritmo preciso com o qual
alguma ´potência´puxa os fios. Se todo sucedido contém em si uma
necessidade ´racional´, se todo acontecimento é o triunfo do lógico ou
da ´Idéia´ —então, depressa, todos de joelhos e percorrei ajoelhados
toda a escada dos ´sucedidos´! Como, não heveria mais mitologias
reinantes? Como, as religiões estariam à morte? Vede apenas o religião
da potência histórica, prestai atenção nos padres da mitologia das
Idéias e em seus joelhos esfolados” (Considerações Extemporâneas).
Nietzsche falava, nestas frases, dos hegelianos. Enquanto eles, agora,
apresentam a imagem mais horrenda dos EUA, “inclinam a cabeça à
chinesa”, literalmente. Na cena mundial, depois do nazismo e da URSS,
sobraram os EUA, a UE e a China. Não aposto um centavo para saber em
qual país Bandeira enxerga razões para solapar o Estado norte-americano.
Não gosto de inclinar a espinha diante da História, mesmo ainda contada
no padrão idealista.
NOTAS
1) "Ants, Spiders and Epistemologists", in Francis Bacon, Seminario Internazionale, ed. Marta Fattori, Roma, 1984.
2) “Quando Hegel cita a definição quinta dos Principia de
Newton como uma definição da força centrífuga, seu erro tem graves
consequências pois invalida quase toda a crítica de Newton feita por
ele; o mais incômodo é que ninguém notou o erro no ato e Hegel repetiu
publicamente o mesmo erro (por exemplo na Encliclopédia das Ciências Filosóficas, § 266) até o fim da vida”. De Gandt, F: “Introdução” à edição da tese De orbitis planetarum (Paris, Vrin, 1979), p. 47.
3) Leitor amigo: se deseja rir mais, abra as Lições sobre a História da Filosofia no item “Newton”. Cito na edição seguinte: Werke in zwanzig Bänden (FAM, Suhrkamp, 1975), III, p. 231. Hegel inicia o método Chaui de leitura científica.
4) Da imensa bibliografia, cito apenas Miller, Perry: The Americans Puritans, their prose and poetry. (NY, Doubleday, 1956) e The New England Mind. The Seventeenth Century (Boston, Beacon, 1968).
5) Pergunta: Licet censum dare Caesari, an non?. Resposta: Reddite ergo quae sunt Caesaris, Caesari: et quae sunt Dei, Deo. (Mateus, 22, 17-21).
6)
A benção ao terror repete-se, como cantilena, em muitas passagens :
“…quando as grandes potências desprezam a força do Direito e impõem o
direito da força, os povos mais fracos, oprimidos, são levados a
recorrer ao terrorismo, como ferramenta de luta, no processo de
insurgência”, “no curso da história, o terrorismo serviu como a arma dos
mais fracos, com o objetivo de quebrar o monopólio da violência
exercida pelo Estado e, no mais das vezes, identificou-se com a
insurgência, o método da guerrilha”, e outras jóias de mesmo quilate.
7) C. De Pauw, Recherches philosophiques sur les Américains, 1774. O texto pode ser lido na edição eletrônica Gallica da Biblioteca Nacional da França.
8) O termo germânico é preciso: “…unbegrenzte Weltherrschaftsdiktatur”. Discurso de Hitler em 11/12/1941.
9)"Caso a segurança e a ordem públicas forem seriamente (erheblich)
perturbadas ou feridas no Reich alemão, o presidente do Reich deve
tomar as medidas necessárias para restabelecer a segurança e a ordem
públicas, com ajuda se necessário das forças armadas. Para este fim ele
deve total ou parcialmente suspender os direitos fundamentais (Grundrechte) definidos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124, and 153."
10) Cf. Carnage and Culture (Anchor/Vintage, 2002), tradução com o título de Porque o Ocidente Venceu. Massacre e cultura- da Grécia antiga ao Vietnã
(RJ, Ediouro, 2001). O autor publicou muitos outros livros e artigos
sobre a Grécia antiga e a Guerra, incluindo a questão da democracia.
Dentre os mais importantes, listo os seguintes: Warfare and Agriculture in Classical Greece (Ed. University of California Press, 1998); The Western Way of War (University of California Press, 2000); Hoplites: The Ancient Greek Battle Experience (Routledge, 1992); The Other Greeks: The Family Farm and the Agrarian Roots of Western Civilization (Ed. University of California Press, 2000); Fields without Dreams: Defending the Agrarian Idea (Ed. Touchstone, 1997); The Land Was Everything: Letters from an American Farmer (Free Press, 2000); The Wars of the Ancient Greeks (Cassell, 2001); The Soul of Battle ( Anchor/ Vintage, 2000); An Autumn of War (Anchor/Vintage, 2002); e Mexifornia: A State of Becoming (Encounter, 2003).