domingo, 18 de dezembro de 2011

Unicamp.

Que preço o Brasil pretende pagar para sediar a Copa 2014?

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Everaldo Silva

Heloisa Reis:

[16/12/2011] Muito se tem falado nos últimos meses sobre os possíveis legados que a Copa de 2014 deixaria ao Brasil. Os organizadores-defensores do evento asseguram que o país experimentará um avanço significativo em varias áreas, como a de transporte e infraestrutura urbana. Os críticos, porém, colocam em dúvida essas eventuais melhorias e ainda chamam a atenção para uma possível farra com o dinheiro público. No meio desse tiroteio, Executivo e Legislativo federais debatem os artigos e incisos contidos no projeto de lei que institui a Lei Geral da Copa. A forma como as discussões estão sendo conduzidas e algumas medidas contempladas na proposta de legislação suscitam preocupação, como destaca Heloisa Reis, professora da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp e especialista no tema "esporte e sociedade". "Infelizmente, o processo não tem sido aberto e transparente. Nós, da academia, fomos alijados das reflexões. Além disso, o projeto de lei é falho em vários pontos, principalmente naqueles relacionados à segurança dos espectadores", afirma.

Elaborado pelo Executivo, o PL foi encaminhado à Câmara dos Deputados para análise. Na casa, foi criada uma Comissão Especial, encarregada de apresentar um parecer sobre a proposta. Desde o início dos trabalhos, alguns aspectos geraram muita polêmica. É o caso, por exemplo, do dispositivo que previa a liberação da venda de bebidas alcóolicas tanto durante o Mundial quanto depois dele, o que contrariaria leis estaduais e o protocolo de intenções firmado entre Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e Conselho Nacional dos Procuradores Gerais (CNPG), em abril de 2008. Por conta das manifestações contrárias à medida, inclusive do Ministério da Saúde, o relator da matéria, deputado Vicente Cândido (PT-SP), decidiu capitular. No parecer que encaminhará ao plenário, ele tirará o caráter permanente da autorização. Em outras palavras, o torcedor somente poderá tomar a sua cervejinha em um estádio de futebol durante a Copa. Depois disso, garganta seca novamente.

A professora Heloísa Reis lembra que a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas arenas esportivas representa, entre outras, uma importante medida para prevenir a deflagração e atos violentos por parte dos torcedores. "Se por um lado o álcool tem um efeito socializador, por outro também estimula a violência. A bebida diminui o poder de avaliação e leva a pessoa a assumir atitudes de risco", diz, acrescentando que a proibição do consumo de álcool nos estádios contribuiu para reduzir a incidência de atos de violência e vandalismo em espetáculos esportivos na Europa, notadamente na Espanha, onde a docente desenvolveu estudos sobre o tema.

Ainda em relação a esse assunto, outro artigo da Lei Geral da Copa tem provocado desassossego nos comerciantes instalados nas imediações dos estádios. Conforme a proposta, caberá à Fifa ou a seu preposto "divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso". "Caso aprovado dessa forma, esse artigo ferirá a autonomia dos estabelecimentos de vender produtos da marca que desejarem", alerta Heloisa Reis.

Os potenciais problemas, porém, não param por aí. A dada altura, o PL estabelece, em texto um tanto truncado, o seguinte. "Deverão ser concedidos, sem qualquer restrição quanto à nacionalidade, raça ou credo, vistos de entrada para: Espectadores que possuam ingressos ou confirmação de aquisição de ingressos válidos para qualquer Evento e todos os indivíduos que demonstrem seu envolvimento oficial com os Eventos, contanto que evidenciem de maneira razoável que sua entrada no país possui alguma relação com qualquer atividade relacionada aos Eventos". Para a docente da Unicamp, o texto, da forma como apresentado, abre a oportunidade para que hooligans (torcedores violentos) com ingresso em mãos entrem no país. "O procedimento habitual de ingresso no país seria mais indicado, pois possibilitaria uma averiguação mais minuciosa sobre as reais intenções do visitante. Além disso, também é temerária a concessão de vistos de modo eletrônico, como propõe a matéria", pontua a especialista.

O que mais tem causado aflição na professora Heloisa Reis, porém, é a maneira como o projeto de lei tem sido discutido. Ela afirma que pesquisadores e entidades representativas da sociedade civil não somente não foram consultados sobre questões pertinentes à Lei Geral da Copa, como não têm sido convidados a participar das audiências públicas que tratam da matéria. "Na proposta que deverá ser apresentada brevemente ao plenário da Câmara dos Deputados, parece caber de tudo - desde o apoio a cervejarias, passando por ações de caridade com dinheiro público em benefício de ex-jogadores e chegando à desfiguração do Estatuto do Torcedor, uma conquista importante da sociedade. Os brasileiros precisam ser adequadamente informados sobre essas questões, para que possam decidir se este é um preço justo pela 'oportunidade' de promover uma Copa do Mundo", ponder