segunda-feira, 5 de julho de 2010

Gazeta do Povo.

Eleições 2010

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Caçada ao voto

Ideologia: eu (não) quero uma para viver

Candidatos abrem mão de discursos mais fortes para tentar chegar a uma parcela cada vez mais ampla do eleitorado

04/07/2010 | 00:17 | Rogerio Waldrigues Galin

Houve um tempo em que os principais candidatos à Pre­­­sidência da República representavam claramente uma ideologia. Esses tempos se foram. Em 1989, por exemplo, Fer­nando Collor de Mello acusava seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, de “defender teses estranhas ao nosso meio, teses marxistas”. As acusações foram feitas em debate para a televisão, em rede nacional. E Lula não desmentiu. Claramente, Collor, naquele contexto, representava a direita. Lula era a esquerda. Hoje, não é bem assim.

É claro que os candidatos continuam tendo seu modo de pensar, muitas vezes se alinhando a uma ideologia tradicional. Cientistas políticos afirmam que os três candidatos mais fortes à Presidência deste ano, por exemplo, vêm da esquerda. Isso não significa, porém, que qualquer um deles fosse gostar de ser chamado de marxista diante do eleitorado. Pelo contrário: isso não pegaria bem. Assim como não pegaria bem alguém ficar com o rótulo de candidato “da direita”. Parece que todos querem, um pouco para lá ou para cá, ficar no centro.

Saiba mais - Esquerda e direita rivalizam desde o século 18

Os conceitos de esquerda e direita nasceram na Revolução Francesa, no século 18, mas se tornaram mais importantes no século seguinte.

A esquerda passou a designar a ideologia que pregava mudanças no regime econômico. O pensador que levou a ideia ao extremo foi Karl Marx: para combater os abusos da Revolução Industrial, que levava os trabalhadores a jornadas longas e cruéis, propôs uma grande transformação em que todos seriam iguais e os operários se tornariam os donos dos meios de produção.

No mundo moderno, esquerda não representa necessariamente um projeto radical como esse. Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio, porém, a base do pensamento de esquerda continua sendo a tentativa de diminuir a desigualdade entre as pessoas. Para isso, lança mão de impostos pesados para redistribuir renda, prega a reforma agrária e defende programas de assistência social. Isso exige um Estado forte.

A direita, ainda segundo Bobbio, é a ideologia da liberdade. A crença, nesse caso, é de que o governo não deve interferir demais na sociedade. Nem na economia nem em outros campos. A ­­ideologia pressupõe uma con­fiança no sistema capitalista: a ideia é que o próprio desenvolvimento ­­da sociedade, com impostos baixos e liberdade para desenvolvimento sem interferência estatal, levará ao crescimento e à pros­­peri­da­de.

A mesma situação se repete nos estados. Todos migram para uma “zona neutra”, o que acaba possibilitando aos políticos fazer coligações que ninguém imaginaria, por um lado. E, por outro lado, dificulta para o eleitor saber exatamente em quem está votando. Em última instância, é uma situação que acaba fazendo duvidar da própria existência de direita e esquerda ou outra ideologia. Mas, afinal de contas, porque os candidatos não querem ser ideológicos?

Eleitor médio

A migração para o centro é velha conhecida dos cientistas políticos. “Esse é um fenômeno antigo, que foi descrito por um norte-americano chamado Anthony Downs”, conta Adriano Codato, professor de Ciência Política da UFPR. “A tese dele é de que existe um eleitor médio, que é uma abstração, claro, e que fica mais ou menos no meio do espectro ideológico. Não é nem de direita, nem de esquerda”, diz.

O ponto, afirma ele, é que a maior parte do eleitorado acaba ficando muito perto desse centro. E acabam sendo raros os que se alinham a uma das extremidades. Como eleição se ganha com o apoio da maioria, ainda mais num processo em dois turnos, os candidatos tendem a ocultar qualquer posição mais radical. “É o que se chama de estratégia catch all (pega todo mundo)”, diz Codato.

Ou seja: a intenção é não assustar ninguém. Assim, se um candidato é a favor, digamos, de pôr limites à propriedade privada, não vai dizer isso com todas as letras. Vai, de preferência, evitar o assunto, e falar apenas dos pontos em que todos concordam. Por outro lado, um político à direita não vai defender o fim de programas de assistência social: no máximo, não vai falar em ampliá-los.

“Os candidatos não querem desagradar aos seus possíveis eleitores. Assim, o elemento ideológico, da maneira como o debate acontece nas campanhas eleitorais brasileiras, é rebaixado ao mínimo”, afirma o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp. E, para evitar qualquer discurso que possa desagradar a alguém, a discussão acaba centrada em propostas vagas e promessas genéricas. Fala-se em melhorar a educação, a saúde, dar mais segurança, garantir empregos. E só.

Carta

Para o cientista político Sérgio Braga,
da UFPR, historicamente o cenário político brasileiro mudou em 2002, quando Lula e o PT divulgaram a Carta ao Povo Brasileiro. O documento, lançado às vésperas da quarta tentativa de Lula de chegar à Presidência, sinalizava que o partido, até então símbolo da esquerda brasileira, poderia fazer concessões, estava se suavizando, e não pretendia tomar nenhuma medida mais radical.

Hoje, os especialistas dizem não ter dúvidas de que os três principais candidatos têm origem na esquerda. Dilma Rousseff é o exemplo mais claro. Para combater a ditadura militar, foi filiada a movimentos radicais, ligados à guerrilha. José Serra disse recentemente “estar à esquerda de Lula” e tem o pensamento ligado à Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Mari­­na Silva é ligada à esquerda ambi­entalista.

No entanto, até mesmo a necessidade de fazer coligações para conseguir mais apoios e tempo de televisão faz com que as candidaturas se pasteurizem. “No caso do Serra, por exemplo, ele é de esquerda. Mas como está ligado ao Democratas, acaba tendo uma candidatura de centro-direita”, diz Leonardo Barreto, professor de Ciência Política na Universidade de Brasília.