Encontrei num saldão de DVD's, a preço de banana, O Julgamento de Nuremberg (d. Stanley Kramer, 1961)
Revê-lo depois de muito tempo me deixou melancólico: como retrocedemos desde o tempo em que se lançavam libelos cinematográficos contra o realismo político, em nome da moral e da justiça!
Não se trata de um filme sobre o julgamento principal, aquele do Göering e outros chefões nazistas. Os réus são quatro juízes que sintonizaram suas sentenças com os interesses do Estado.
Em nome dos valores superiores da civilização, a corte resiste às pressões dos militares estadunidenses para ser magnânima com esses pilares da comunidade, já que o enfoque dado à Alemanha mudara: estava sendo vista não mais como a vilã da II Guerra Mundial, mas sim como uma aliada na contenção do comunismo, à qual convinha agradar.
O réu mais digno e pesaroso (Burt Lancaster), considera justa a sentença de prisão perpétua que acaba recebendo. Mas, ainda não consegue compreender como as coisas saíram de controle, foram tão longe e terminaram tão mal.
Num último encontro com o juiz que o julgou (Spencer Tracy) expressa sua estupefação: "Onde toda essa loucura começou, afinal?".
A resposta é antológica: "Começou quando o primeiro juiz condenou o primeiro réu que sabia ser inocente".
Isto veio-me à lembrança ao ver divulgado na internet o conteúdo de um dossiê sobre a filha de José Serra.
Exorto os companheiros de esquerda a não participarem dessa guerra de lama, pois nosso compromisso é com uma sociedade igualitária, livre e justa.
Vitórias eleitorais são, quanto muito, objetivos táticos. Para conquistá-las, não podemos conspurcar a meta maior, o verdadeiro motivo pelo qual lutamos.
Não esqueçamos a velha dialética hegeliana, que aprendemos no começo da trajetória; os fins justificam os meios para os utilitaristas, não para nós.
Acreditamos, pelo contrário, que fins e meios estão em permanente interação. Quem adota um meio sórdido para atingir seu fim, impregna de sordidez também o objetivo final.
Trocando em miúdos, se queremos criar as condições para que os homens se relacionem de forma solidária e ética, não podemos apelar para golpes sujos contra adversários políticos. Nós os combatemos por suas posições e pelo que representam, mas as esferas da individualidade e da vida familiar devem ser respeitadas.
Se recorrermos aos imundos arapongas, espionando candidatos e seus parentes, estaremos nos igualando a Fernando Collor, que transformou a filha não reconhecida de Lula em arma eleitoral. Essa trajetória negativa acaba invariavelmente no mesmo lugar: o esgoto.
A sociedade que estamos tentando construir não será, então, mais aquela com a qual sonhamos. Tomará seu lugar uma sociedade que admite a infâmia como arma política e cultua a vitória a qualquer preço.
Ou seja, mais do mesmo que já temos. _____________________________________________________________________ *Celso Lungaretti é jornalista e escritor e mantém os blogues Náufrago da Utopia e O Rebate. |