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Perseguição insana
Em vídeo, PMs do Rio de Janeiro culpam vítimas por ação policial que terminou com a morte de uma estudante a tiros de fuzil
Leslie Leitão
DESESPERO - Policiais discutem enquanto levam amigas da
jovem ferida para o hospital: imagens foram gravadas pela câmera do
carro de patrulha
(VEJA)
Na semana passada, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro
exonerou do comando do Batalhão de Choque o coronel Fábio de Souza, que
uma reportagem de VEJA mostrou ter enviado a um grupo de policiais
mensagens com incitação à violência e exaltações ao nazismo. Em seu
lugar, assumiu o coronel Wilman René Alonso, ligado ao mesmo grupo. A
troca de cabeças não deve ser suficiente para eliminar o culto à
violência gratuita que se disseminou pela corporação, juntamente com a
prática de atirar primeiro e só perguntar depois. Os resultados desse
método podem ser vistos no vídeo obtido por VEJA que ilustra esta
reportagem. As imagens, gravadas pelas câmeras de um carro de patrulha,
registram em detalhes a ação policial que culminou na morte da
universitária Haíssa Vargas Motta, de 22 anos, em Nilópolis, na Baixada
Fluminense, às 5 da manhã de 2 de agosto de 2014.
A sequência é espantosa. Haíssa, na companhia de três amigas, volta
de uma festa no banco de trás de um Hyundai, guiado por um colega. Uma
patrulha da Polícia Militar avista o carro e o considera suspeito —
simplesmente porque, como alegaram mais tarde os PMs, o modelo, o HB20, é
um dos mais roubados no Rio e seu motorista usava boné. Em apenas 24
segundos de perseguição, o PM Márcio José Watterlor Alves, com o corpo
para fora do carro, dispara nove tiros de fuzil contra o veículo. Um
deles atinge as costas de Haíssa. Ela é socorrida e levada a um hospital
no Hyundai. Suas amigas, desesperadas, seguem o trajeto no carro da
polícia. No caminho, Alves e o colega se dirigem a elas como se fossem
as responsáveis pela tragédia: “Por que não pararam?”. Depois, recuam:
“Não justifica ter dado o tiro”. Ao relatar a ocorrência pelo rádio,
Alves comenta atônito: “Não sei nem o que falo”. Em novembro, o PM foi
indiciado por homicídio doloso — seu terceiro auto de resistência (morte
a tiros) em quatro anos de PM. O jovem que dirigia o carro declarou em
depoimento não ter parado por pensar que os policiais perseguiam uma
moto que ia atrás dele.
Depois de um período em queda, o número de mortes atribuídas a
policiais no Rio voltou a subir. Segundo dados do Instituto de Segurança
Pública estadual, as “mortes por intervenção policial” aumentaram de
416 em 2013 para 546 até novembro de 2014. O caso dos PMs de Nilópolis
traduz a estatística para a vida real. E explica por que é tão difícil
eliminar do imaginário popular a noção de que polícia e cidadãos tantas
vezes estão em campos opostos.