Uma sociedade à beira do naufrágio
“Vivemos de espasmos de cidadania.
Não vivemos de atitudes civilizatórias frequentes. E mentimos pra nós
com falsos orgulhos nacionalistas porque o doce da mentira é sempre mais
sedutor ou analgésico do que o amargor e a dor da verdade”, diz
jornalista
Adalberto Piotto *
O Brasil é um país de vítimas e de credores. Todo mundo se acha
vítima de alguma coisa e tem certeza que o país lhe deve algo. A
maioria pensa assim. Não dá pra avançar. Porque a condição de credor do
rico, do médio e do pobre lhes dá o pretenso direito ao imobilismo.
Minha crítica acima não pretende atentar contra nenhum direito nem tampouco inocentar governos e autoridades. Longe disso!
Só atento-lhes para o fato de que, não raro, políticos e governantes,
brasileiros que são, são igualmente movidos pelo sentimento que
descrevi no primeiro parágrafo, só agravados pela mentira das promessas
de campanha para chegar ao poder e pela traição ao não cumpri-las.
No mais, comungam dessa idiossincrasia brasileira.
Evidentemente que não diminuo as dores de ninguém. Seria injusto. Também as tenho. Elas são reais e atormentam muitos.
No entanto, a gênese da infecção brasileira está na falta de
comprometimento histórico e sustentável, intenso e duradouro dos
brasileiros com o Brasil. Vivemos de espasmos de cidadania.
Não vivemos de atitudes civilizatórias frequentes.
E mentimos pra nós com falsos orgulhos nacionalistas porque o doce da
mentira é sempre mais sedutor ou analgésico do que o amargor e a dor da
verdade. Somos pretensiosos como povo ao nos darmos o adjetivo de
solidários quando somos, como outros povos também são sem se acharem
melhores que os outros, apenas humanitários. Quem se junta para combater
a fome, para ajudar desabrigados de tragédias naturais, como fazemos,
faça-se justiça, em profusão, não é solidário. É tão somente autor de
ato humanitário.
E isso é obrigação humana, não uma qualidade.
Solidariedade de verdade vem antes da desgraça. Vem da cortesia no
trânsito, na fila, na rua, na calçada, na preservação do direito alheio,
mesmo sem saber quem é o alheio. Vem de deixar o banco da praça limpo
porque alguém vai usá-lo como você o usou há pouco. Solidariedade vem da
defesa e no envolvimento com a melhoria dos serviços públicos como a
saúde, mesmo que você tenha “se salvado” com um seguro privado. Vem de
se preocupar de verdade com escola pública (reclamar sem agir não é
preocupação) e com a educação real dos próprios filhos.
A ausência de sua ação em uma ou em ambas as situações acima constituir-se-á numa tragédia. Maior ou menor, mas numa tragédia.
Ou você terá um filho muito educado num mar de ignorantes – o que
seria injusto com você – ou seu filho será um marginal numa sociedade de
bem educados – uma terrível injustiça para com os outros.
Na hipótese de a duas coisas serem malfeitas, creio que já imagina o
resultado. E o remédio para qualquer dos sintomas é o mesmo: faça mais
do que está fazendo. O trem do faça (só) a sua parte já passou.
No dia a dia, a média dos brasileiros, com sua minoria de exceções, é preguiçosa, individualista e pretensiosa.
Além de achar que sua dor é maior que a dos outros. Daí se vitima. E como paga impostos, espera pelos créditos.
Seria simples e justo pensar assim num país pronto.
Não estamos prontos.
A média dos brasileiros – e média inclui ricos, pobres e médios – não
se enxerga como parte da sociedade. Mas como dona inalienável de parte
dela. Por isso essa beligerância entre os pacíficos brasileiros.
Isso talvez explique o motivo de quase todo mundo se achar vítima ou credora do país e esperar desconfiada que não vai receber.
Não se constrói uma nação assim.