Roberto Romano
4/6/2007Prestação de contas do Estado, a atuação partidária e a autonomia da universidade pública são temas tratados nesta entrevista
Paulo Markun: Boa noite! No Brasil a corrupção custa
um bilhão e quinhentos milhões de reais por ano, só em perdas
indiretas. Em cada real desviado, um real a menos em obras públicas,
saneamento básico, educação e outras tantas ações que poderiam melhorar a
qualidade de vida da população. Escândalos sucessivos pioram a
avaliação do país no exterior e os negócios sofrem com a falta de
credibilidade. A ausência de transparência nos três poderes é apontada
como um dos principais entraves no combate à corrupção no Brasil. Para o
convidado desta noite do Roda Viva a solução para o final da corrupção está em uma mudança radical na estrutura do Estado brasileiro. Para debater este assunto o Roda Viva recebe Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas em São Paulo. O Roda Viva começa em instantes.
[intervalo]
Paulo Markun: A máxima de sempre levar vantagens
custa caro aos cofres públicos brasileiros. O chamado jeitinho
brasileiro atrapalha os negócios e é apresentado como um dos principais
culpados pela corrupção no país. A lista de personagens é imensa e
cresce a cada dia. Os mais recentes surgiram a partir da nova operação
da polícia federal apelidada de “Navalha”. Uma coisa é certa, esta não
será a última, outros casos de corrupção estão aparecendo e ainda irão
acontecer.
[Comentarista]: Um levantamento feito pela ONG
Transparência Internacional deixou claro que o Brasil não aplica
recursos devidamente e ainda desperdiça verbas. Pelo índice de percepção
de corrupção, divulgado no ano passado, Finlândia, Islândia e Nova
Zelândia lideram o ranking como os países mais honestos numa medida que
vai de zero a dez. O Brasil caiu oito posições e ocupa agora a posição
número setenta com uma pontuação de apenas 3,3 pontos. O Haiti está na
última colocação com 1,8 pontos. O brasileiro ficaria 23% mais rico se o
país conseguisse equiparar nosso índice de corrupção ao do Chile, a
nação menos corrupta da América Latina, constatou a FIESP. Parte da
opinião pública só enxerga corrupção nos poderes do Estado, mas há
desvios em muitas áreas. Ao pagar propina, contratar serviços sem notas e
com desconto, subornar o guarda da esquina, estamos todos auxiliando a
máquina da corrupção. O entrevistado do Roda Viva desta
noite é o professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto
Romano. Ele é autor de inúmeros artigos sobre ética, democracia e
direitos humanos e participou de conferências e palestras no país e no
exterior sobre o tema. Romano defende alteração na estrutura do Estado
para combater a corrupção. Para Romano, as mudanças deveriam começar
pelo foro privilegiado para políticos. Roberto Romano considera também
que a estrutura dos partidos políticos precisa mudar, já que, segundo
ele, eles são fracos e altamente oligartizados.
Paulo Markun: Para entrevistar o filósofo e
professor da Unicamp, Roberto Romano, nós convidamos Carlos Marchi,
repórter e analista de política do jornal O Estado de S. Paulo; Alon Feuerwerker, editor de política do jornal Correio Brasiliense; Alexandre Machado, diretor de jornalismo da TV Cultura; Tereza Cruvinel, colunista do jornal O Globo; Fernando Rodrigues, colunista e repórter do jornal Folha de S Paulo em Brasília; e Carlos Graieb, editor executivo da revista Veja.
Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando com
seus desenhos os principais momentos e os flagrantes do programa. O
programa Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV pela TV pública para todo o Brasil. Boa noite, Roberto Romano.
Roberto Romano: Boa noite!
Paulo Markun: Eu quero saber se a situação está melhorando ou está piorando em termos de corrupção no Brasil?
Roberto Romano: É difícil porque me parece que nós
temos dois tipos de abordagem possível nesse caso. O primeiro é o
seguido pelos senhores da imprensa, que é, eu diria, diacrônico. A cada
novo fato vem um outro fato e outro fato e outro fato, mas todos que
analisam em profundidade essa questão percebem que é sincrônica. No
mesmo momento que uma chamada quadrilha está operando, a outra também
está. Há uma sincronia muito grande, e aí é muito difícil você julgar se
a situação, em termos diacrônicos, se está melhorando ou se, em termos
sincrônicos, está piorando.
Paulo Markun: Mas à parte disso há uma corrente de
opinião que acha o seguinte: à medida que novos fatos ou muitos mais
fatos estão sendo investigados... a situação está melhor agora do que no
passado, quando era tudo isso mas não havia investigação nenhuma. Ao
passo que há outro grupo de pensamento que diz o seguinte: “não, hoje
tem mais escândalos porque tem mais corrupção”. Nem isso é possível
mensurar?
Roberto Romano: Olha é difícil. Eu volto a dizer que
é difícil porque esses dois argumentos que você levantou são argumentos
muitos partidários, nós sabemos bem isso. E me parece que é preciso,
nesse caso, tirar um pouco este peso do partidarismo e da ideologia. Eu
acho que nós, nos últimos anos, temos discutido sempre nessa
perspectiva, agora melhorou porque a polícia está investigando, naquela
época não investigava. É um pouco aventureiro dizer uma coisa dessas, no
meu entender.
Alon Feuerwerker: Professor, recentemente o ministro
do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes abriu uma polêmica colocando
que várias das ações da polícia federal, o próprio, se não me engano,
falou também do Ministério Público, configuraria a uma tendência a
criação de um Estado policial. Ou seja, com base na alta percepção de
corrupção, como a própria abertura do programa já colocou, haveria uma
demanda da sociedade por uma punição. E essa punição viria não da
Justiça, mas viria dos órgãos policiais que não são órgãos destinados a
punir, mas são órgãos destinados a iniciar o processo pelo qual a
Justiça vai decidir se pune ou se não determinado indivíduo, ou
determinado grupo de pessoas. Qual a sua avaliação? Existe o risco de se
implantar um Estado policial no Brasil ou o senhor acha que o ministro
Gilmar Mendes exagerou nesse diagnóstico.
Roberto Romano: Eu acho que ele exagerou. Eu não
concordo com este diagnóstico, sobretudo porque no processo todo da
investigação policial, você tem atuações corretas e você tem atuações
que no meu entender também são incorretas. Por exemplo, invadir um
escritório de advocacia e retirar documentos supostamente para resolver
problemas da corrupção. Eu, nesse ponto, eu não aceito de maneira
nenhuma, não posso aceitar porque preso político, no período militar,
nunca aconteceu isso no escritório do doutor Mario Simas ou de outros
que defendiam os presos políticos. Agora, por outro lado, o doutor
Gilmar Mendes, eu acho que exagera, e aí se torna um perigo muito
grande. Quer dizer, ele coloca a pesquisa, a busca de corrupção nesse
nível e ficou muito claro, aí me perdoe também o doutor Gilmar Mendes,
ficou muito claro que havia uma irritação dele porque havia um homônimo
que a imprensa colocou. Então, eu acho que este tipo de reação, no meu
entender, é extemporânea e bastante imprudente.
Tereza Cruvinel: Professor, mas o ministro Gilmar
Mendes, ele se referia não exatamente à natureza das ações ou uma
suposta violência, mas a uma manipulação de informações obtidas no
combate à corrupção, quer dizer, nas operações da Polícia Federal, um
vazamento controlado com objetivos políticos. Quer dizer, então, se nós
vamos usar o combate à corrupção para travar a luta política, nós
estamos caindo a um patamar ainda mais inferior, né? De conduta e de
moral e de comportamento na vida pública. Se o próprio combate à
corrupção vira instrumento, então, estamos piorando.
Roberto Romano: Só que aí há...[interrompido]
Tereza Cruvinel: E isso que ele chamou que é um risco do Estado de direito.
Roberto Romano: Certo, mas aí eu pediria data vênia
[Com a devida vênia. Expressão respeitosa para iniciar um argumento ou
opinião divergente], eu pediria desculpas ao ministro, mas o ônus
provante é dele. Ele precisaria provar que efetivamente o que a imprensa
traz ao público é alguma coisa que entra na luta política imediata.
Tereza Cruvinel: Mas, nós vimos, nós todos vimos que
a Navalha [Operação Navalha, da Polícia Federal] vazou. Quer dizer,
qualquer um que leu e acompanhou o episódio sabe que vazaram trechos
seletivos daquele inquérito.
Roberto Romano: Tereza, um elemento importante da reflexão da Hanna Arendt [(1906-1975) - teórica política alemã. Sua principal obra é Origens do totalitarismo, onde
assemelha, de forma polêmica, o nazismo e o comunismo como ideologias
totalitárias] que me parece uma pessoa muito ponderada, é que o segredo,
por excelência e por paradoxo, ele é conhecido. É ela diz isso
claramente, quer dizer, quando você tem essa idéia de segredo, você quer
manter o segredo a todo custo, isso efetivamente não existe. Tanto é
verdade...
Tereza Cruvinel: Então, não faz segredo de Justiça, vamos investigar as claras.
Roberto Romano: Ah, então, aí ótimo porque daí, aí sim, aí sim você está...
Tereza Cruvinel: Aí também eu acho que acabou, porque segredo de Justiça não é para uns, é para todos.
Roberto Romano: Exatamente, estamos em regime de democracia.
Alon Feuerwerker: O senhor é a favor de abolir o segredo de Justiça em todos os casos?
Roberto Romano: Em todos os casos não, como, aliás,
inclusive na questão da votação do parlamento, vamos abolir o voto
secreto absolutamente, acho uma imprudência, mas por outro lado, a
dosagem do segredo, tal como está sendo empregada pela Justiça
brasileira no meu entender é excessiva. É excessiva porque justamente
suscita, suscita uma série de interrogações, de dúvidas e, sobretudo,
permite insinuações que precisam ser provadas.
Carlos Marchi: Professor, eu queria ir um pouco
adiante nesta questão do uso da corrupção para fins políticos, como
levantou agora a Tereza. Freqüentemente a gente vê que os ataques, as
investigações da Policia Federal, elas pinçam determinadas situações,
claro, onde aquela denúncia alcançou, mas eu me recuso a acreditar que a
[construtora] Gautama seja a única empreiteira brasileira que comprou
políticos ou que, enfim, deu dinheiro, ou manipulou de certa maneira as
licitações. O senhor não acha que esse bem pseudo, bem nobre, o combate à
corrupção, possa estar sendo manipulado para uso político e para
eliminar o adversário ou para bombardear o inimigo?
Tereza Cruvinel: Ou até um concorrente comercial?
Roberto Romano: Não, Marchi, mas aí também temos que
verificar a história deste país. Pelo que eu me lembro, sempre, eu
tenho 62 anos de idade e lembro bem do senhor Jânio Quadros [1917-1992.
Foi presidente do Brasil de janeiro e agosto de 1961, sua principal
bandeira, durante as campanhas eleitorais era combater a corrupção,
utilizando uma vassoura para simbolizar que iria "varrer" a corrupção],
lembro perfeitamente que o golpe de 1964 foi feito contra a corrupção e
contra os subversivos. Então, nós temos aí uma longa tradição, alguns
chamam de udenistas, de utilizar esse fantasma, aí é fantasma da
corrupção para fins imediatamente partidários, políticos etc. Mas, por
outro lado, e eu volto à questão que o Paulo Markun colocou.
Efetivamente, os senhores da imprensa, estão sempre procurando o
escândalo e tentando verificar...
Paulo Markun: A mãe de todos os escândalos.
Roberto Romano: Exatamente.
Alexandre Machado: Mas professor, no início do
programa, além dessa pergunta do Markun, houve no intróito uma menção de
que a sociedade faz parte desse processo e a gente não pode nunca
esquecer disso, não é? Eu gostaria de ouvir sobre isso porque quando se
trata de combater a corrupção, não se deveria, além dos ajustes
necessários do parlamento, além de uma série de fiscalizações, fazer que
a sociedade, através da imprensa, eventualmente tenha alguma postura em
relação a esses fatos. Que se deva pensar como é que a gente pode fazer
para transformar nossa sociedade numa sociedade menos corrupta do que
ela é?
Roberto Romano: Veja, esse é o ponto mais difícil
quando se trata da questão ética. Os costumes, justamente porque se
transformaram em algo automático e quase natural, os costumes são
aqueles elementos mais difíceis de serem modificados. Se você pega Maquiavel, se você pega o Montaigne,
se você pega o Francis [Bacon (1561-1622), filósofo e ensaísta
inglês], que se dedicaram e eram estadistas, se dedicaram a entender
isso, eles disseram claramente que é o elemento mais difícil. Então,
você tem uma sociedade onde impera o favor, onde impera o compadrio,
onde impera a violência face a face, essa sociedade não é tão facilmente
modificada. Então, esta ética da política que é uma ética muitas vezes
hedionda, ela vem exatamente em cima dessa base.
Tereza Crivanel: A cultura é susceptível à corrupção, ou as instituições é que reforçam o traço da corrupção na cultura?
Roberto Romano: É um processo, é uma história desse nosso país, a maneira como a sociedade foi formada, o Estado foi formado...
Fernando Rodrigues: Professor, o senhor, voltando à
pergunta do início, essa falsa questão, que os tucanos e os petistas
ficam se atacando uns com os outros sobre se havia mais corrupção antes,
ou se agora há mais investigação. O senhor identifica objetivamente nos
últimos anos algumas mudanças que provem que, de fato, melhoraram a
qualidade do Estado para combater a corrupção ou isso também é difícil
de se detectar?
Roberto Romano: Veja, a Constituição de 88 deu um
instrumento muito bom para a sociedade que é justamente a autonomia do
Ministério Público. Essa foi, foi um grande elemento...
Fernando Rodrigues: Mas foi de 88.
Roberto Romano: Exato, desde então Ministério
Público tem cumprido com sua função de uma maneira admirável com algumas
exceções gravíssimas, como é o caso, aí me perdoe dizer, é o caso da
perseguição ao Eduardo Jorge [ex-secretário-geral
da presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira no governo de
Fernando Henrique Cardoso em 2000]. Certos elementos do Ministério
Público, eu diria quase que, com poder novo, abusaram desse poder, mas
eu não digo que sejam todos.
Fernando Rodrigues: Mas o Ministério Público é quase
como um quarto poder hoje. Dentro da estrutura clássica dos três
poderes, o senhor vê alguma melhora nos três poderes, judiciário,
executivo e legislativo para combater a corrupção digamos, nos últimos
dez anos?
Roberto Romano: Fernando, as melhoras são pontuais,
mas o problema é a estrutura inteira do Estado brasileiro que dá ao
executivo prerrogativas quase que ainda mantendo as prerrogativas do poder moderador.
Então, é como se você tivesse um imperador que a cada período é eleito,
quase sempre censitariamente, ele é consagrado por milhões de votos e
dificilmente consegue fazer a tal da base parlamentar de apoio. Mas,
você tem então essa assimetria, você tem aparentemente um poder público
todo poderoso, mas que a qualquer momento pode ser pressionado, ou
inclusive chantageado pelos parlamentares. Enquanto isso o poder
judiciário, na base, tenta executar o seu trabalho, mas tem um órgão
chamado STF [Supremo Tribunal Federal], e as pessoas dizem, quase que
com uma desculpa, é um órgão político. É um órgão político, mas de uma
maneira um pouco estranha.
Fernando Rodrigues: É o que erra por último.
Roberto Romano: Exatamente. E erra da maneira mais,
no meu entender, muitas vezes desastrosa, porque o tipo de julgamento é
feito de tal modo que dificilmente se restabelece, através da ação do
judiciário, o famoso equilíbrio dos três poderes. Eu gosto de lembrar
que o poder moderador foi guiado pelo Benjamim Constant [(1767-1830) pensador; teórico da política, escreveu Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos,
em 1819, em que contrapunha a liberdade dos indivíduos em relação ao
Estado] numa linha liberal, como um poder neutro, ele seria neutro, ele
teria a função de evitar os choques e as diferenças dos três poderes. E
seria exercido pelo chefe do Estado, mas de maneira neutra. Aqui, em
1824, ele foi colocado como um poder superior e continua até hoje. Quer
dizer, essa idéia de que o chefe do Estado tem essa supremacia na
estrutura inteira do Estado. Isso é fonte de todas as crises, que no meu
ver, se dão no Estado brasileiro.
Paulo Markun: Professor, o presidente do Instituto
Giovanni Falcone, Walter Maierovitch quer saber sua visão sobre as
partes que atuam no combate à corrupção. Vamos ver a pergunta.
[início vídeo]
Walter Malerovitch: Professor, eu gostaria, no campo
da corrupção, de enfrentar o problema da corelação para vantagens
indevidas entre políticos e empresários. Onde os políticos ganham cada
vez mais poder e ocupam degraus importantes dentro do poder. Ao passo
que os empresários recebem cada vez mais vantagens. Nesse cenário, eu
gostaria que o senhor analisasse alguns atores que atuam para reprimir e
para julgar. Vale dizer, eu gostaria de saber da atuação do judiciário,
do ministério público, da polícia federal, dos tribunais de contas, da
Receita federal?
[fim vídeo]
Paulo Markun: Uma parte o senhor já respondeu, mas sobraram atores aí, tribunais de contas, Receita Federal, por favor.
Roberto Romano: Olha, eu diria, inclusive o doutor
Malerovitch é uma pessoa que eu tenho o máximo respeito. Ele deixou de
lado um órgão importante, que é justamente a CGU [Controladoria Geral da
União], que faz um trabalho muito bom de ir até os municípios, de
maneira sorteada e não de maneira intencional, verificar o que ocorre e,
inclusive, se for necessário, quando é comprovada a competência do
prefeito e dos vereadores, age de maneira mais forte na comissão, e se
for um prefeito que não tem, há saberes etc, há uma atitude, inclusive,
pedagógica. Eu gosto muito dessa política da CGU. Agora voltando à
questão desses vários atores, é muito estranho, é muito estranho que
você tenha, então, em determinados momentos, uma espécie de julgamento
absolutamente inflexível de determinadas pessoas e em outros momentos
você tenha uma atitude um tanto quanto leniente. Isso me deixa muito
preocupado.
Paulo Markun: OK, professor, vamos fazer um intervalo e voltamos dentro de instantes com o Roda Viva
que hoje tem na platéia, Vera Petrilhi diretora da divisão de executivo
da Jeuri, Eduardo Menutti, presidente da comissão de análise de
projetos da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Maria Del
Carmem Peres Matias, diretora da Total Quality e a gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Você acompanha esta noite no Roda Viva
a entrevista ao vivo com Roberto Romano, professor de ética e filosofia
política da Universidade Estadual de Campinas. Pergunta de Marcelo
Pasqueti de São Paulo, professor. As novas gerações entre 25 e 40 anos
são mais honestas do que aquelas que estão na faixa de 40 anos para
cima? Isso é verdade ou apenas uma impressão minha?
Roberto Romano: Olha, seria interessante comparar
com Adão, com Adão e Eva, porque me parece que isso, mais ou menos, é
exatamente igual à questão da violência. Você tem pesquisadores, por
exemplo, que estudam a violência em Londres e mostram que a percepção
que vai aumentando a violência não se sustenta. É uma análise séria.
Assim também é a questão da corrupção. É inaceitável a corrupção, é
inaceitável a violência, mas esse trabalho comparativo em cima de idéias
metafísicas é um pouco complicado.
Carlos Graieb: Professor, ao lado da percepção que
há muita corrupção no Brasil, existe também uma percepção de que as
pessoas não são punidas, quando eventualmente são pegas no ato da
corrupção. O que acontece numa sociedade em que a punição é tão difícil?
Roberto Romano: É, em primeiro lugar eu gostaria de
voltar a um ponto que eu já levantei, mas que é preciso qualificar um
pouco melhor. Uma sociedade tão mal construída como a nossa, onde você
tem divisões de justiça, de trabalho etc, nós estamos falando antes do
programa do foro privilegiado e da prisão especial, isso é um absurdo. É
alguma coisa que atenta contra a idéia republicana, a idéia democrática
etc. Eu não posso aceitar uma coisa dessas. Mesmo porque, em momentos
tensos, como no caso da ditadura, a solução dos carcereiros era muita
simples, né? O sujeito estava numa prisão fétida, mas tinha na porta uma
placa de papelão dizendo “prisão especial”. Mas, essa questão da
punibilidade está ligada, no meu entender, ao outro lado que é da
responsabilidade. Se nós analisarmos o surgimento do Estado moderno,
Estado democrático moderno no século XVII, a idéia da revolução inglesa,
era idéia da accountability, que você tem que prestar contas.
Não é apenas o rei, é o juiz, os deputados tinham que prestar conta no
ato, porque senão perderiam o cargo. O melhor trabalho, no meu entender,
nessa linha é de John Milton [(1608-1664) político e dramaturgo. Apoiou
Oliver Cromwell durante a Revolução Gloriosa. Um dos seus principais
livros é O paraíso perdido]. Se o rei ou a pessoa que mantém o
cargo público não responde na hora ao povo soberano, perde, não tem
manutenção do cargo. Essa idéia presidiu o nascimento dos Estados Unidos
da América [refere-se à constituição americana] e presidiu a Revolução
Francesa. Então, essa idéia não vigorou no Brasil, pelo contrário, o
nosso Estado nasceu contra essa idéia, é bom lembrar isso.
Alexandre Machado: Professor, o jornalista Merval
Pereira, recentemente, ele citou um cientista político, Nelson Paes
Leme, que dizia que, no Brasil, maior do que o problema da impunidade, é
da impunibilidade. Ele dizia, então, que um dos nossos grandes
problemas é que nossos diplomas legais, os nossos instrumentos de
punição, são muito superados, são, geralmente datados da época do Estado Novo.
Então, você tem um código de processo penal atrasado, você tem um
código penal atrasado também. Esse não seria um dos pontos a serem
analisados?
Roberto Romano: Sim, também. É uma questão técnica
de direito. Isso aí pode ser encaminhado, mas me parece que esta técnica
de direito, todo esse trabalho está fundamentado numa espécie de
edificação, uma espécie de base histórica que justamente foi feita para
alegar todo este movimento da democracia moderna, enfim, dessa
igualdade, dessa idéia do povo soberano.
Alon Feuerwerker: Professor, exatamente sobre essa
questão, o senhor no bloco anterior afirmou que o grande problema, essa
base que o senhor identifica é a prevalência excessiva do executivo, do
poder executivo sobre os outros poderes. Não lhe parece que com a
sucessão de crises e a sucessão de escândalos, o que está havendo é um
fortalecimento cada vez maior do poder executivo, provocando diretamente
um enfraquecimento do poder legislativo? Quer dizer, todos os
escândalos, eles acabam sendo canalizados para o poder legislativo e o
poder executivo emerge soberano sobre os outros poderes, a cada
escândalo, num grau progressivo cada vez maior. Não lhe parece que essa
deformação histórica da sociedade brasileira está sendo agravada nesse
processo?
Roberto Romano: Eu acho que sim, eu acho que só
tende a se agravar. Porque você tem o poder legislativo no Brasil que
quase sempre tem a função de carrear recursos para as regiões. Nós temos
oligarquias, isso existe ainda, e você tem que levar os impostos até os
municípios. Bom, deputado federal, senador é aquele que traz recursos
para a região e se não trouxer não será reeleito. Agora, é justamente
esse grupo, essas pessoas que tentam arrancar dinheiro do cofre que se
desgastam. Agora, quem tem a chave do cofre, só se desgasta se um
ministro da Fazenda etc, entrar em qualquer problema nessa linha. Então,
no caso do desgaste do ministro Palocci, por exemplo, foi muito
evidente. Mas você tem razão...
Fernando Rodrigues: Professor, o senhor apresentou...
Roberto Romano: Me desculpe, Fernando. Você tem
razão [refere-se à Alon] que efetivamente você tem cada vez mais esse
reforço do poder executivo, está na lógica.
Fernando Rodrigues: O senhor apresentou algumas
razões históricas para o nosso déficit de combate a corrupção, falando
sobre a nação brasileira ter nascido em oposição à noção de accountability
que os anglos saxões tanto prezam. Gostaria até de agregar uma outra,
outro dia eu vi que no Brasil, um dos problemas é que o Estado nasceu
antes da sociedade. Quando veio Dom João VI para cá, há 200 anos, se
instalou antes de haver propriamente uma sociedade. Agora, eu queria
jogar para frente. Como é que o senhor acha que uma nação pode então
enfrentar este problema, olhando para frente? Que tipo de... quem seria a
força indutora para fazer como que a sociedade adotasse esses novos
valores que ela ainda não tem como costume e hábito, para atacar a
corrupção?
Paulo Markun: Só queria acrescentar a pergunta de
Fabio Giocondo, de Arapongas, no Paraná, que ele vai nessa direção e diz
o seguinte: “Quem vai dar jeito no Brasil, Ministério Público, OAB
[Ordem dos Advogados do Brasil], Procon, as urnas ou o quê”?
Roberto Romano: Em primeiro lugar acho que é as
urnas e junto com as urnas, partidos políticos e partidos políticos que
sejam valorizados e que se valorizem, primeiro ponto. Acho que nós
vivemos, é bom também recordar esse outro lado da história brasileira.
Nós temos esse "apoliticismo" que é muito triste, eu diria que é
hipócrita do brasileiro médio; “eu não me meto em política porque
política é coisa suja”. Isso não nasceu do nada, nasceu da pregação de
uma doutrina que é a doutrina positivista [positivismo]
que era contrária à idéia de eleição, que era contrária a idéia de
partido político, que era contrária a idéia de liberdade, tal como o
liberalismo trazia e que identificava justamente no período da Revolução
Francesa e Inglesa o período da metafísica e da anarquia. Então, você
tem, não é por acaso que nós temos lá “ordem e progresso” na bandeira.
Quer dizer, você tem uma pregação para que as pessoas não se aproximem
dos partidos e isso reforça muito, no meu entender, me desculpe Tereza,
só para terminar, reforça muito esse fenômeno que os cientistas
políticos identificam da oligarquização dos partidos, não é?
Tereza Cruvinel: Então, é sobre isso que eu quero
lhe fazer uma pergunta, professor. O Fernando lhe pergunta, como podemos
reforçar o apreço da sociedade brasileira pelo conceito, por exemplo,
da prestação de conta, se nós não temos essa, os instrumentos para isso.
Por exemplo, a sociedade, o voto é disperso, portanto, o eleito não tem
muito como prestar conta, ele não sabe nem que é o seu eleitor, porque
os nossos colégios eleitorais são dispersos. Os partidos são fracos,
então, os eleitos não prestam contas nem aos seus partidos e eles não
tem força para cobrar. Por sinal, os eleitores, eles também não prestam
contas aos seus eleitores. E aí entra de novo essa, isso que o senhor
está dizendo, uma certa des-politização, um desapreço pela política em
si, e neste momento um desapreço pelo conceito, por exemplo, de que a
reforma política, a idéia de que a reforma política possa melhorar isso
de fazer com que os partidos melhorem, ou que a relação entre os
partidos e os eleitores sejam mais orgânicas. O senhor acha que a
reforma política é só uma panacéia ou ela pode efetivamente trazer
alguma melhora?
Roberto Romano: Olha veja, a reforma política ela
pode ser apenas uma panacéia ou ela pode trazer elementos eficazes desde
que acompanhados de uma valorização dos partidos políticos, mas no
sentido exato da palavra. Me perdoe, mas partido político que eu conheço
aqui no Brasil e que merece esse nome tem dois: o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] e o PT [Partido dos Trabalhadores]. Me
perdoem, com todo respeito que eu não tenho, não tenho respeito por
partido que vende voto e que se vende etc, isso eu não tenho respeito,
mas efetivamente você tem uma idéia da sociedade, uma idéia do Estado,
um projeto para modificar e melhorar o Estado, isso é coisa de poucos.
Agora, o PT por sua vez quando chega ao poder, o programa onde está? Eu
acho que não é um elemento urgente dentro do PT, seria justamente
rediscutir os seus pré-supostos, porque até seis anos atrás eu imaginava
que o PT era um partido socialista etc etc, não é verdade? Então, isso
precisa ser discutido. Discutido com a sua militância de base...
Fernando Rodrigues: Eles acham que resolveram isso com aquela tal Carta ao Povo Brasileiro, de julho de 2002.
Roberto Romano: Mas o elemento importante que eu via
no PT é que era um partido de militantes, era um partido de militância
de base. Se havia manipulação, essa é uma coisa que não entremos nisso,
mas havia uma escuta da militância de base. Então, a carta aos
brasileiros foi discutida pela militância de base? Não, isso não. Agora
no caso do PSDB, eu acho que também é o caso de pensar, depois de dois
sucessivos governos, o que ele está propondo para o Brasil.
Fernando Rodrigues: Mas professor, tem bases esses
partidos, o PT e PSDB? O PSDB me parece claro que é difícil, no caso do
PT quando a cúpula decide, está decidido. Esse caso que o senhor citou é
claro. Nenhum dos dois tem uma base no sentido que possa pressionar a
ter um programa como a base deseja.
Alon Feuerwerker: Só para complementar essa pergunta
do Fernando, inclusive na reforma política, o que se vê é um debate,
por exemplo, em torno da questão da lista fechada, ou da lista
pré-ordenada como se chama, que seria o seguinte: o partido obtém uma
determinada percentagem de votos, obtém as cadeiras correspondentes na
câmera dos deputados e se elegem os primeiros colocados na lista que o
próprio partido definiu. Isso não reforçaria de algum modo essa
oligarquização dos partidos que o senhor colocou?
Roberto Romano: Sim, sim, você tem razão, o caminho
vai ser esse, justamente. Agora, o que eu queria acentuar na resposta da
Tereza Cruvinel é o seguinte: quem se responsabiliza pelos negócios
públicos no Brasil? É isso que eu quero saber, está claro? Quer dizer,
se o partido tem um programa e se ele tem compromissos, ele tem que
responder por essa corrupção, ele tem que responder por tudo isso. E nós
temos na constituição, os elementos que nos conferem esse direito.
Isso, me desculpem, isso aí é letra morta. Se os partidos não se
responsabilizam, evidentemente, você não vai ter mudança nenhuma.
Carlos Marchi: Professor, essa mudança, ela, de
certa maneira, não traz muita esperança, porque nós tivemos dois
mandatos do Fernando Henrique, estamos agora no segundo mandato do Lula e
nenhum dos dois mostrou o menor apetite para fazer uma reforma
política. Os dois optaram por trabalhar com partidos laterais, com os
partidos que o senhor disse que não são sérios.
Roberto Romano: Justamente
Carlos Marchi: Que esperança resta? Os dois únicos partidos sérios do Brasil optaram por governar os outros partidos?
Roberto Romano: Espremidos pelas conjunturas. Simples, né?
Carlos Marchi: Mas, nenhum deles tocou a reforma política, nem...
Alexandre Machado: A propósito disso, nós todos
estamos conversando aqui sobre quais as possibilidades das coisas
melhorarem. Agora, nenhum país é fadado ao sucesso, ou ao insucesso. E
essa tentativa e essa expectativa de que as coisas melhorem, eu me
associo à elas e também tenho essa esperança de que um dia ocorra, mas
também pode não ocorrer, ou seja, o Brasil pode não conseguir dar um
jeito nessas questões todas, que são questões que estão se arrastando
por aí, seja pela falta de exercício democrático, seja pelas nossas
origens, por tudo isso, nós podemos correr este risco. O senhor vê esta
possibilidade, ou seja, uma possibilidade de uma piora gradativa em
função da nossa incapacidade de mobilizar a inteligência brasileira, de
mobilizar as forças políticas, para fazer um trabalho de faxina de boa
qualidade?
Roberto Romano: Eu acho que sim, mas a questão do
Alon [Feuerwerker] é bastante séria, né? Você tem essa quase que
automática forma de aumentar a força do executivo. E você vai perdendo,
então, essa capacidade de representação no Estado, isso me parece um
negócio muito sério.
Paulo Markun: Professor, eu queria, eu queria,
chamar a pergunta do presidente do conselho deliberativo do Instituto
Ethos, Oded Grajew, que quer saber sobre a moralização justamente do
processo político brasileiro. Vamos acompanhar.
[início vídeo]
Oded Grajew: Roberto, boa noite. Os políticos do
nosso governo chegaram aonde chegaram graças ao atual modelo político
brasileiro. Qualquer mudança através de medidas moralizadoras vai
dificultar a carreira política desses políticos. A minha pergunta é a
seguinte: se medidas moralizadoras no processo político brasileiro
dependem dos políticos e da vontade política desses políticos, e vai
contra os interesses destes políticos e, portanto, não são
implementadas, o que fazer? Qual é a saída para moralizar a vida
política no país?
[fim vídeo]
Roberto Romano: Em primeiro lugar eu respeito muito o
Oded Grajew e acho que ele tem, inclusive, uma tese muito importante
que é em relação à propaganda oficial. Acho que esse é um elemento que
talvez moralizasse um pouco. Mas eu não aceito esta idéia de que a
moralização depende dos políticos. Me parece que a moralização é apenas
um aspecto e o essencial, no meu entender, é que a população se organize
cada vez mais e pressione os partidos de dentro.
[ ]:Então não teremos isso nunca então.
Roberto Romano: Olha, nós temos muitos ensaios de
formação de partidos políticos, alguns bem sucedidos, outros não e
outros que quebraram seu compromisso consigo mesmo. Agora, isso não é
conta, como diz o Alexandre, que vai ser ruim ou bom, é preciso aí uma
percepção para além do realismo político. Infelizmente o Brasil adoece
de realismo político. Aqui, no Brasil, não pode ter oposição, se você
for oposição você perde recurso, você não leva dinheiro para a sua
região.
Carlos Graleb: Isso que eu queria lhe perguntar,
como é que o PT formou uma enorme coalizão de partidos para governar e
os partidos de oposição, entre aspas, são dois o PSDB e o DEM? Mas é uma
oposição muito tímida. Dá para ter democracia sem oposição?
Roberto Romano: No meu entender é um absurdo você
pensar que é possível uma democracia sem oposição. Aliás, o PT enquanto
foi oposição foi uma oposição dura, extremamente violenta, às vezes até
beirando o ridículo, como naquele episódio da caneta esferográfica bic
na audiência com o Malan que o senador Aloizio Mercadante [1954;
economista. Senador pelo partido do PT] exibiu. Olha, não sei se lembram
deste episódio, às vezes chegavam a ser ridículo, mas foi uma oposição
dura. No momento que se transformou em governo, não pode existir
oposição. Isso não é o produto da conjuntura, isso não é de ontem, isso é
um ponto da própria estrutura do Estado brasileiro e vem já do Império.
E é bom lembrar, esse é um ponto que as pessoas esquecem muito
rapidamente, nós vivemos no século XX duas ditaduras imensas, em termos
de tempo, de modificação de costumes para pior e muitas vezes sem
combater esse aspecto da corrupção e muito corrupto que foi gestado
naquele período está aí belo e formoso nos cargos e intocados.
Paulo Markun: Professor, eu queria fazer mais um
intervalo e o programa volta daqui a instantes. Esta noite é acompanhado
na platéia por Adelina Silveira Alcântara Machado, presidente da
associação brasileira das mulheres empresárias, Joildo Barretos dos
Santos, estudante universitário de Ciências da Computação e coordenador
do Centro Cultural Espaço Jovem, Alexandre Capobianco, diretor da FAC,
diretor do IPEC, Instituto de Pesquisa e Educação Continuada e Davi
Paunovichi, assessor de comunicação da prefeitura de Itapetininga. A
gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva
entrevistando Roberto Romano, professor de ética e filosofia da
política, autor de inúmeros artigos sobre a defesa do ensino público,
ética, democracia e direitos humanos. Eu queria saber a opinião do
senhor sobre a ocupação da reitoria da USP?
Roberto Romano: Aí é um fato complexo. Eu acho que
não se deve ter uma opinião unilateral. Parece que, eu pessoalmente sou
contra este tipo de ação, esse tipo de invasão de reitorias, prédios
públicos etc, eu acho que não é bem a coisa a ser conduzida assim.
Agora, por outro lado, existiram razões ponderáveis para esse tipo de
resultado. Efetivamente o governo do estado, repetindo uma prática muito
antiga, muito comum, dos governos brasileiros, do executivo brasileiro,
definiu uma série de padrões através de uma série de decretos que, no
final, ele modificou. Agora, ficou evidente, que ele confessa de certo
modo que houve equívoco e houve erro da parte dele e isso toca muito
profundamente na questão da constituição de 1988. Em 1988 você tem ao
lado, a constituição de 88, que é uma constituição eu diria kantiana [ética kantiana],
é uma constituição da autonomia. Toda a doutrina kantiana está ali
posta muito claramente. A autonomia dos poderes, a autonomia dos
municípios, dos estados, autonomia do Ministério Público e autonomia
universitária. Só que, enquanto no caso do Ministério Público essa
autonomia foi regulamentada, foi definida e terminou de ser resolvida,
em parte, o ano passado, porque ainda existem problemas inclusive sendo
julgados no STF, como o direito de investigação do Ministério Público,
no caso das universidades não se fez nada, não se encaminhou nada e aí
eu não identificaria a culpa nesse ou naquele ator, eu diria que houve,
por motivos políticos, uma espécie de descaso sobre esta questão. Eu,
durante anos, fui pelo Brasil inteiro conversando com reitores, com
movimento docente, com movimentos estudantil e notei sempre que essa
questão era colocada em último lugar ou simplesmente não era colocada. A
conjuntura definia o interesse, agora nós estamos vivendo as
conseqüências disso. Se você não tem uma autonomia universitária,
regulamentada, inclusive definindo direito e deveres do governo etc,
efetivamente você não tem muito o que fazer em momentos de crise, como
esta que nós vivemos no estado de São Paulo.
Alon Feuerwerker: Professor, por que que o
contribuinte paga imposto que sustenta a universidade não tem o direito
de opinar, através de um governo eleito, seja o governo do Lula, do
Serra, do Aécio, Olívio Dutra, qualquer governo? Porque que o
contribuinte não tem o direito de opinar como é que a universidade gasta
o dinheiro dela? Será que esse conceito da autonomia universitária
levado ao limite, ele não é um conceito superado diante do avanço da
democracia, do Estado democrático de direito, da participação das
pessoas?
Roberto Romano: Em termos não, né, Alon. Veja, a
experiência que nós temos é exatamente o contrário, quer dizer, você tem
governos eleitos ou governos não eleitos que tentaram definir rumos
para a universidade e foi desastroso. Basta lembrar a administração dos
militares em relação às universidades, foi absolutamente desastroso. E
mais, além disso, você tem a dita razão do Estado que, muitas vezes,
dita unilateralmente o que a universidade deve fazer. É bom lembrar que
no período militar a área de física era predileta dentro da
universidade. Passado o período, e por motivos muito claros, bomba
atômica, etc. Passado este período, você tem um investimento na química,
o governo, então, tentando direcionar as pesquisas para a questão
química. Atualmente é a biologia, genética etc etc. Então, você vê uma
constante pressão dos governos para que a pesquisa universitária se
dirija hegemonicamente para um lado ou para outro.
Paulo Markun: Por que isso é ruim?
Roberto Romano: Isso é ruim porque se você tem a
idéia de universidade, você tem a própria química, a própria física e a
própria biologia, não abrem mão e não podem dispensar as outras
disciplinas, por isso mesmo que são universidades. Se você tem uma
pesquisa privilegiada em detrimento das outras e a questão dos recursos é
imediata, se você tem isso, você não tem um desenvolvimento em todas as
áreas caminhando para a melhoria.
Alexandre Machado: Mas professor, o senhor não está
colocando um pouco essa responsabilidade para elementos externos à
universidade, enquanto que dentro da universidade também existem
problemas seriíssimos, de burocratização de todos os esquemas internos,
nós sabemos que muitos dos docentes terminam por dar menos aulas do que
deveriam, participar menos da vida universitária do que deveriam, a
renovação da universidade em relação às mudanças contemporâneas não tem
sido aquém do necessário, em suma, não existe problemas também externos a
essa questão da autonomia para justificar esse momento turvo da
universidade brasileira?
Roberto Romano: Aí, Alexandre, eu tenho certeza que
os telespectadores do resto do país me olharão com muita raiva, mas não,
a situação das universidades paulistas não é a situação das
universidades brasileiras. Existem pesquisas, por exemplo, feitas pela
Fapesp, mostrando que de Minas até o Rio Grande do Sul, passando
sobretudo pelas paulistas, nós produzimos saberes e tecnologias que nos
colocam ao par da Itália, da Áustria e de outros países. Isso é um dado,
então, a ciência não se faz na base do comício. Você faz ciência é com
pesquisa e com inversão de saberes. Por outro lado, Alexandre, você
conhece melhor do que eu isso, por que você analisa essa questão a
partir do jornalismo, já se fez o levantamento do que significa o
aporte, inclusive para o mercado e para a sociedade do que faz a USP, a
Unesp, a Unicamp, nos últimos quarenta anos. Veja todo mundo fala da
pujança do interior de São Paulo. Mas que seria esse interior de São
Paulo se não existisse os institutos de pesquisas isolados, que eram
ligados a USP, antigamente, que formaram a Unesp posteriormente. Então, é
preciso ser um pouco justo aí com a coisa.
[ ]:O senhor acha que...
Roberto Romano: Me desculpe. No final do período
militar havia, sobretudo no meio de esquerda, havia essa idéia de que a
universidade era uma torre de marfim ligadas a elite etc, e que era
preciso então acabar com esta situação. Esse é foi um slogan muito
utilizado, mas a universidade precisa prestar contas à sociedade sim.
Precisa prestar contas. Eu, inclusive, cheguei a propor em artigos
saídos na Folha de S. Paulo em 97 que se criasse uma comissão
de análise externa das contas universitárias constituídas pelos três
poderes e representantes da sociedade e o que eu recebi dos políticos e o
que eu recebi da universidade é que era mais uma proposta burocrática
que deveria trazer problemas, então...
Alon Feuerwerker: Agora, porque accountability para o executivo e não accountability para a universidade?
Roberto Romano: Veja, é que tem dois momentos, tem dois momentos aí. Accountability
para os executivos é prestar contas dos recursos e das obras que
supostamente ele está fazendo e da ordem pública inclusive. Agora, no
caso da universidade accountability significa tese, patente e produção de saberes. É assim que você mede a coisa da universidade.
[ ]: Mas prestar conta do dinheiro público...
Roberto Romano: Também, também, isso eu defendo.
Paulo Markun: Não é esse, digamos, o escopo da proposta do governo de São Paulo, que é feito com pouca habilidade?
Roberto Romano: É, mas ali havia efetivamente uma
ingerência nos assuntos administrativos. Veja, se em qualquer redação de
jornal, se a pessoa que é escolhida como o chefe da redação, se de
repente ele é simplesmente demitido sem cerimônias, êpa, alguma coisa
está acontecendo naquele jornal. Ou o dono é extremamente autoritário e
violento ou os funcionários, os jornalistas, não têm força para dialogar
com ele e manter alguém que foi eleito. A doutora Suely [Suely Vilella,
reitora da USP e presidente do Conselho de Reitores das Universidades
Estaduais Paulistas, o Cruesp] de São Paulo, ela era uma pessoa eleita,
ela tinha um mandato e foi despachada assim, que, aliás, me estranha
inclusive, me perdoem a franqueza, me estranha que ela tenha aceito tão
tranqüilamente uma destituição como aceitou. Eu confesso que...
Paulo Markun: Só um pouquinho Carlos, só para
explicar para o público que não é daqui de São Paulo, a reitora é a
reitora da USP, que tinha o cargo de coordenação.
Roberto Romano: De presidente do Conselho de Reitores de São Paulo [Cruesp].
Paulo Markun: Do conselho de reitores, que foi substituído pelo secretário do Ensino Superior.
Roberto Romano: Secretário do Ensino Superior, o
doutor Pinotti [José Aristodemo Pinotti (1934-) médico e político. Foi
reitor da Unicamp em 1982].
Carlos Marchi: Professor, essa questão é uma das
questões mais subterrâneas que eu já vi na minha vida. Ninguém sabe o
que efetivamente está em questão. É autonomia? Aí o Serra faz um decreto
declaratório, então não é mais autonomia. São as reivindicações dos
alunos, ou reivindicações dos funcionários? Esta semana eu conheci uma
senhora que é professora aposentada da USP, da área de ciência política.
Ela me disse que a questão na verdade, a questão crucial, não é nada
disso que está se falando, a questão crucial é o fato da Fapesp ter
ficado em uma secretaria e a universidade ter ficado em outra e isso
cria um gap burocrático intransponível para a continuidade da
pesquisa agregada ao ensino. Quer dizer, você teria duas contas, eu não
estou me expressando bem, mas ela disse isso, uma conta numa secretaria,
outra conta noutra. Essa é a questão?
Roberto Romano: Não.
Carlos Marchi: Porque isso o Serra não mudou, continua a Fapesp lá, a universidade cá.
Roberto Romano: Esta é uma das questões, inclusive a
questão da própria transparência da Fapesp e da aplicação de recursos.
Esse é um ponto também sério. Agora, veja, também aí, falando em accountability
veja existe coisas mais graves no meu entender nessas fundações desde o
CNPq, Capes, Fapesp etc, que tocam muito sério no problema da ética.
Como é que você move milhões de recursos públicos com assessores
anônimos.
Carlos Marchi: O senhor está dizendo que tem corrupção da Fapesp?
Roberto Romano: Não, eu não digo que tem corrupção, o
que eu digo que é o procedimento do anonimato, que é chamado de ética,
porque cada vez que você dá um parecer na Fapesp você tem que assinar um
papel dizendo que você não vai contar para ninguém que você é o
assessor. Isso chama-se ética, no meu entender é anti-ético, porque você
trabalha com o dinheiro que vem do povo, que vem dos impostos e você
muitas vezes não presta contas de juízos absolutamente poucos
científicos ou pouco acadêmicos.
Fernando Rodrigues: Não é mais um outro argumento, a
favor então, dessa decisão do governo de intervir um pouco mais dentro
da administração dessas instituições?
Roberto Romano: É que ele definisse o padrão da
transparência no sentido mais pleno da palavra. Nesse caso, não, você
continua com esses procedimentos secretos, com esse assessor anônimo que
muitas vezes decide um projeto inteiro e tem lá a idéia de que você
pode fazer, recorrer contra...
Carlos Marchi: Esse parecer é definidor?
Roberto Romano: É definidor, é definidor. Sempre que
você vai conversar com os responsáveis por esses trâmites, o que eles
dizem imediatamente é que eles tendem sempre a aceitar o parecer do
assessor. Então, esse é um ponto que merece muita discussão. Agora,
dentro da universidade existe muitos problemas, isso ninguém nega, mas o
que me parece que é importante é saber aquilatar o que as
universidades, sobretudo as públicas de São Paulo, fizeram e que
entraram no sangue do mercado, que entraram no sangue da produção desse
Estado.
Carlos Graieb: Professor, no caso da USP, no que
está acontecendo agora na USP, há mais de trinta dias, acho. Agora, a
reitoria está tomada por alunos e funcionários e muitos professores,
sobretudo dos cursos de humanas, filosofia, história, política,
declararam apoio a essa manifestação, que inclusive já foi alvo de uma
decisão judicial, de restituição de posse, quer dizer, aquelas pessoas
teriam que sair de lá. O que é que o senhor diz aos seus colegas que
prestam apoio a uma manifestação que declaradamente já deveria ter sido
encerrada por decisão judicial?
Roberto Romano: Eu digo que sou contra e o que eu
posso fazer? A universidade é lugar do logus, da análise, do raciocínio e
não da força física. Agora, isso também configurou-se durante muito
tempo com uma técnica de trabalho de grupos políticos bastante
identificáveis e interessados em determinado tipo de impasse.
Carlos Graieb: Quais, por exemplo?
Roberto Romano: Se você me permite dizer, uma boa
parte de grupos de esquerda. Agora, se você tem, além disso, eu acho que
há uma atitude um tanto quanto oportunista. Veja a questão da autonomia
universitária, se ela não foi discutida, se ela não foi regulamentada
em termos federais, isso existe, o princípio na constituição, ela é
alguma coisa que transcende, vai muito além do interesse político desse
ou daquele grupo, desse ou daquele partido, é uma coisa muito séria.
Agora, além disso, juntar 3% de aumento de salário, com mais duzentos
reais, aí não dá, me desculpe, aí é trabalhar a questão do ministério
como se fosse uma questão de “xepa de fim de feira”, não é assim. Eu
acho que a questão exige muito mais respeito, muito mais prudência e
muito mais trabalho de conhecimento, inclusive para levantar essa
produção universitária que as pessoas tendem a jogar na lama. Vêm com a
cobrança, mas esquecem o outro lado. Eu estava dizendo que justamente
este slogan que foi originado na esquerda, eu me lembro de vários
professores respeitabilíssimos que diziam isso com toda tranqüilidade, o
professor Alfredo Bosi é um dos que dizia que a universidade é uma
torre de marfim, blá, bla, blá. Quer dizer, esse tipo de coisa tinha que
passar pelo exame do real, quer dizer, quanto a economia paulista, da
agricultura até a industria, recebeu do trabalho de pesquisa dos
laboratórios da universidade?
Paulo Markun: Vamos fazer mais um rápido intervalo,
nós voltamos em instantes com a entrevista desta noite que é acompanhada
em nossa platéia por Antonio Módulo, empresário, Vininho de Morais,
jornalista, Ricardo Maritan, advogado, e Gilson da Cruz Rodrigues,
presidente da União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis e
coordenador do programa de alfabetização Escola do Povo. A gente volta
já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva que esta noite entrevista o filósofo e professor da Unicamp, Roberto Romano. Professor, deixa eu fazer uma pergunta.
Roberto Romano: Dura?
[risos]
Paulo Markun: Não, genérica. Para que serve a filosofia hoje em dia?
Roberto Romano: Em primeiro lugar para encher a
paciência do senso comum. [risos] Isso sempre foi assim. A filosofia
sempre foi uma atividade de pensamento que se preocupou em questionar os
saberes estabelecidos, os saberes dogmáticos estabelecidos, a começar
com a ética. É por isso que o Sócrates bebeu cicuta. O povo de Atenas
achava que estava tudo certo e que não cabia perguntar sobre a essência
dos valores, porque os valores etc. Então, esta é a questão primeira. A
segunda, ela tem, como é uma atividade de investigação de pensamento,
ela tem uma série de conseqüências e de trabalhos inclusive
especializados. Você tem, por exemplo, no caso atualmente você tem um
projeto nos Estados Unidos e aqui no Brasil de análise da inteligência,
da inteligência artificial, você tem um trabalho da lógica, você tem um
trabalho do cálculo, tudo funcionando dentro dessa linha.
Paulo Markun: E faz sentido ensinar na escola?
Roberto Romano: Faz sentido sim, sobretudo, isso eu
gostaria de dizer, eu acho que uma das alegrias minhas é a graduação em
filosofia na Unicamp. Nós temos alunos que vem cada vez mais da escola
pública, nós temos até pesquisas dizendo isso e o padrão da escola
pública melhorou, isso é importante, os alunos são estudiosos, são
leitores, são questionadores e gostam de fazer pesquisa, inclusive.
Então, esse é um ponto que me deixa sempre contente com o fato de que a
universidade pública está encontrando o seu caminho de democratização
não pela demagogia, não pelo comício, mas pelo estudo, pelo trabalho.
Carlos Marchi: Professor, sem deixar a peteca cair
eu quero fazer uma pergunta sobre valores. A gente, a história nos
ensinou que toda vez que se limita a liberdade de expressão, isso acaba
em corrupção desenfreada. E a gente tem visto nos últimos tempos que as
chamadas revoluções latino-americanas tem tido um alvo, objetivo
preferencial: dividir a questão de liberdade de expressão e acusar, por
exemplo, a imprensa burguesa, isso aconteceu até aqui no Brasil no
famigerado Conselho Federal de Jornalismo. E agora, nós temos visto isso
na Bolívia, no Equador e, principalmente, na Venezuela, que chegou a
ponto de cassar, tirar do ar a televisão de maior expressão. Como valor,
eu queria que o senhor falasse sobre a liberdade de expressão, sobre as
conseqüências destes atos revolucionários.
Roberto Romano: Olha, Marchi a primeira coisa que é bom lembrar é que pensamento se exprime na nossa língua como razão, como logus.
Se você controla a palavra escrita, falada, televisionada etc, se você
censura inclusive essa palavra, se você direciona através de governos,
através de movimentos sociais etc, se você coloca limites para o
pensamento, você está impedindo efetivamente a própria razão. Você está
impedindo a própria análise, você está impedindo a percepção da
realidade. Então, esse é um ponto que me parece grave. Quando alguém
diz, não, mas foi só um pouquinho, é a liberdade de imprensa, a
liberdade individual, os direitos coletivos são exatamente como aquela
questão da gravidez, não existe semi-gravidez. Quer dizer, liberdade de
imprensa tolerada ou definida unilateralmente pelo governo é uma espécie
de despotismo já encaminhado. É isso me parece grave porque
infelizmente a América Latina, eu digo a América do Sul, ela nasceu,
pariu a modernidade a partir do século XIX contra o pensamento, contra o
pensamento da liberdade e contra a democracia etc. Nós temos uma longa
história de sucessivos golpes militares em todo o continente, você tem
uma tentativa permanente de retirar o indivíduo da cena pública. Isso é
notório, e você tem um romantismo muito mal digerido que acentua a
nacionalidade, que acentua esses lados da afetividade contra o
pensamento da razão. Então, eu acho que quando esses governos
autoritários, no meu entender, procuram definir limites para a liberdade
de imprensa, com desculpas, veja, você pode ser socialista e querer que
a imprensa seja uma propriedade coletiva, um elemento coletivo, agora,
se você, em nome disso, começa a retirar da imprensa existente a sua
existência, você já está desmantelando a sua imprensa, esse é um ponto.
E é bom lembrar que o jornal mais mentiroso da história moderna
chamava-se Verdade.
Paulo Markun: Só para fazer o papel de advogado do diabo, digamos assim, o mercado não é um controlador da liberdade de imprensa?
Roberto Romano: Pode ser, mas veja, o mercado, você
tem o movimento da idéia mercadoria que é vendida, que é passada, que é
assumida ou não, você tem o financiamento dessa circulação da
mercadoria, e inclusive você pode, através do mercado, até impedir o
nascimento da mercadoria da nova idéia, mas o governo tem a força
física, tem a ordem jurídica e tem o imposto, e aqui neste país e na
América do Sul os governos todos que se dizem de esquerda, de direita,
de centro, abusam desses três monopólios do Estado. Então, a força
física é um elemento importante, todos os senhores se lembram quando o
senhor Collor de Melo mandou a policia federal invadir a Folha de S. Paulo?
Isso se chama força física, quer dizer, você tem a ilusão, o desejo, a
vontade de utilizar o monopólio do Estado tendo em vista as
idiossincrasias do governante do momento. Então, isso é a nossa tradição
e é por isso que eu fiz lembrança das duas ditaduras. Quando se fala da
questão de liberdade de imprensa no Brasil, é bom lembrar que nós
tivemos o DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda. Foi criado em 1939
pelo então presidente Getúlio Vargas para controlar, centralizar,
orientar e coordenar a propaganda oficial, que se fazia em torno de sua
figura. Abrangia a imprensa, a literatura, o teatro, o cinema, o
esporte, a recreação, a radiodifusão e quaisquer outras manifestações
culturais], que nós tivemos o Dops [Departamento de Ordem Política e
Social, foi o órgão do governo brasileiro criado durante o Estado Novo,
com o objetivo de controlar e reprimir movimentos políticos e sociais
contrários ao regime no poder. Notabilizou-se por sua ação repressiva
durante o regime militar], que nós tivemos todas essas instituições,
moldando inclusive a ética brasileira. Eu sempre gosto de lembrar quando
alguém me pergunta: “Escuta, o que você está achando da situação do
Brasil?”, eu sempre lembro daquela piada que todos vocês se lembram, “eu
não acho nada porque eu tinha um primo que achava e até agora não o
acharam”. Isso é bem Brasil.
Alon Feuerwerker: Agora, professor, eu tenho uma
dúvida. Uma concessão de rádio ou de televisão é uma concessão dada pelo
governo. A minha pergunta para o senhor é a seguinte: o governo que dá a
concessão, ele deve ter o direito de não renovar esta concessão ou uma
vez dada à concessão, esta concessão deve ser eterna, vitalícia, qual a
sua opinião?
Roberto Romano: Minha opinião é que em primeiro lugar, a concessão, não é do governo, é do Estado,
Alon Feuerwerker: Mas quem concede é quem comanda o Estado naquele momento, que é o governo.
Roberto Romano: E justamente essa é “a boca torta pelo cachimbo”.
Alon Feuerwerker: E qual é a solução?
Roberto Romano: É a boca brasileira. A boca
brasileira sempre identifica governo e Estado, e aqui no Brasil, nós
pensamos sempre assim. Eu tenho colegas na universidade que nunca pensam
em Estado, para eles Estado é o governo e acabou. Então, esse é um
ponto, a concessão não é do governo. O Estado tem sim o direito, ele tem
o direito de ter os monopólios.
Paulo Markun: Teórico, né? Direito teórico.
Roberto Romano: Teórico e...
Alon Feuerwerker: Mas como exercer este direito?
Como exercer este direito? Como, na prática? Que mecanismo o senhor
sugere para que se analise a renovação ou não de uma concessão de rádio
ou de tv, sem parecer que seja uma coisa ditatorial e sem também
implicar na perenização, na eternização, em tornar vitalício uma
concessão, como resolver esse problema?
Roberto Romano: Eu acho que o problema é de ordem
técnica, é de ordem jurídica e é de ordem cultural. Veja na Câmara dos
Deputados. Todos já cobriram a Câmara dos Deputados na Comissão de
Ciência e Tecnologia, e vocês sabem que na Comissão de Ciência e
Tecnologia na Câmara dos Deputados a maior parte dos trabalhos e dos
interesses é por concessão de rádio e televisão. Quer dizer, chegou-se a
pensar em fazer uma sub-Comissão de Ciência e Tecnologia que tratasse
de ciência e tecnologia de verdade. Então, esse é o ponto. Que dizer,
tem que ser o funcionamento do Estado na sua legalidade sem esse tipo de
intervenção, aí sim. Mas, na verdade, o que nós estamos discutindo? Nós
estamos discutindo a intervenção do Chavez [Hugo Chavez (1954-)
presidente da Venezuela] que negou a concessão da televisão venezuelana.
O que ocorreu ali? Acho que no meu entender aquela televisão
extrapolou, no momento em que ela aceitou difundir um golpe de Estado
que foi contra a legalidade, aí efetivamente.
Fernando Rodrigues: O senhor não acha que o Estado
liberal, também com as novas tecnologias, com a chegada da TV digital
com a profusão de canais de transmissão e de plataformas diferentes, com
Internet, já não ficou obsoleto, arcaico e que esse modelo de outorga
de concessões, não seria, não haverá tanta oferta de canais disponíveis
para a sociedade? Que se poderia simplesmente vender isso daí para quem
quiser?
Roberto Romano: Desde que você leve às últimas
conseqüências a tese de que não existe mais Estado nacional, não existe
mais soberania. Se você levou isso a sério, se você diz: bom na internet
não existe esse tipo de divisão de espaço e tal", aí tudo bem. Agora, o
problema, Fernando, é que, embora capenga, embora com problemas e do
ponto de vista do fato, você tem algumas potências políticas, no caso
dos Estados Unidos da América, você tem ainda potências européias que
estão tentando se unir na União Européia, que concentram nas mãos força
física, norma jurídica e impostos. E essas potências garantem a vida dos
seus cidadãos. Isso um juiz num simpósio de trabalho, a questão de uns
dez anos atrás, um juiz especialista em questões trabalhistas dizia,
colocava um problema grave, você hoje com a internet você pode ter um
patrão em Moscou, outro em Salvador na Bahia e outro aqui em São Paulo.
Pergunta: quem vai garantir a existência deste indivíduo?
Paulo Markun: Professor, última pergunta, nosso
tempo está acabando. O senhor se define como um publicista, eu queria
saber se o senhor já teve militância política partidária e como é que o
senhor considera hoje a sua militância?
Roberto Romano: Como estudante, eu pertenci ao
movimento estudantil e a Ação Popular, movimento da Ação Popular [AP.
Organização da esquerda católica criada em 1962. Com o golpe militar,
muitos de seus membros foram levados à clandestinidade. No final da
década de 1960 aproximou-se do PCdoB. Entre seus militantes mais
conhecidos estiveram o político José Serra e o sociólogo Herbert José de
Souza, o Betinho]. Na época em que eu estava nos dominicanos eu me
desvinculei da Ação Popular, não entrei para o Grupo Marighella da Aliança Nacional,
mas fui implicado no processo de Marighella. Eu acho que, do ponto de
vista pessoal, a minha posição é defender a vida política, a dignidade
da vida política, acima de tudo, contra esse tipo de ação absolutamente
corrosiva dos nossos corruptos que tem seus foros privilegiados. Aliás,
discutimos pouco isso, acho que é uma das fontes da nossa situação, e
você não tem, eu acho que o outro ponto essencial é a liberdade, é a
luta pela liberdade do indivíduo e dos grupos. A primeira questão,
então, é a liberdade de imprensa. Eu acho que é um elemento fundamental
no Brasil você lutar pela liberdade de imprensa. Eu acho que a cada vez
que a imprensa traz a consciência pública sobre esses escândalos que
existem sincronicamente, me parece que é uma oportunidade de o povo
brasileiro deixar de ser menor de idade. Eu acho que isso é um ponto
importante.
Paulo Markun: Professor, muito obrigado pela sua
entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em
casa e nós estaremos na próxima segunda-feira aqui às dez e quarenta com
mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.