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Antilogia e arrogância
Árdua tarefa enfrentarão os advogados do tucano para provar sua tese. Se ele usasse o que foi oferecido pela imprensa (indícios mais do que certos de armações no campo governista), quem defende o próprio mando nada teria a dizer. Está mais do que escancarada nas falanges petistas a divisão entre os que desejam usar truques baixos e os que aspiram manter o debate eleitoral em nível adequado. Caso José Serra diga que Dilma não é responsável pela nova aventura aloprada, ele sofrerá sanções negativas. O estrago na opinião pública é previsível. Mantida a sua fala, será difícil demonstrar que os dedos de Rousseff traçaram diretamente os planos dos seus auxiliares. Sim, senhores, dos seus auxiliares porque o eixo da trama passa pela pessoa que contrata (contrata, repito) os que trabalham na campanha.
Assistimos no caso em pauta renascer o velho saber dos gregos. Aquele povo praticou e teorizou eleições como ninguém. Penso no termo “antilogia”. Arma dos sofistas e céticos, empregada para mostrar a inconsistência de toda e qualquer ciência humana, antilogia serve para mostrar a impossibilidade de uma ação reta na vida privada e pública. Se não existe a verdade, somem as esperanças de bom comportamento. A técnica retórica foi abusada pelos demagogos contra seus adversários. Com ela, o defensor de si mesmo só precisa inverter o sentido das frases usadas no ataque. Se José Serra denunciasse “setores” da campanha em prol de Rousseff, os petistas nada poderiam retrucar. Mas ele errou na dose e atingiu toda a campanha. Acusando Dilma, estimulou o contra-ataque. Antilogia: voltar as palavras de grupos ou pessoas contra eles mesmos. A esperança tucana reside na imprevidência dos adversários. Como todo partido que, ao crescer, reside nos palácios poderosos, o PT incorpora uma chusma de oportunistas que jamais ouviram falar de ética e respeito às normas legais. Aderentes de última hora, eles já causaram danos irreparáveis ao partido. E como estão situados em postos estratégicos da campanha, voltarão à carga.
Em entrevista à Agência Estado (“Críticas podem acentuar queda de Serra, dizem analistas”- 27/5/2010), adverti o PSDB contra o exagero no ataque. “É preciso dosar prudentemente a carga”, disse eu, bem antes da revelação jornalística sobre os novos aloprados. Recebi como resposta a face ensombrecida de serristas e tucanos de alta plumagem. Alguns chegaram a insinuar certa conivência minha com o petismo. Estou acostumado a tais reações. Na era Collor, como sem descanso combati a república das Alagoas, era chamado nas aldeias petistas e tucanas de “professor”. Alguns negociantes do saber, instalados no mando collorido, me chamavam “aquele sujeito”. Com a eleição de FHC, também para os novos donos do país virei “aquele sujeito”. Os petistas ainda me chamavam “professor”. Chegou o reino angélico e, também para os serafins virei “aquele sujeito”. Interessante: primos tucanos e petistas me acusam de pertencer às fileiras do adversário. Se critico os primeiros, sou dito petista de carteirinha. Caso apresente óbices aos segundos, sou contado como tucano. Não tenho vocação para Cassandra e, muito menos, para Tirésias. Mas sei quando existe arrogância, a chamada “hybris” grega, na guerra política. Na atual conjuntura ela enceguece os dois lados. “Orgulho é ter do próprio eu uma opinião mais vantajosa do que razoável”. Ou melhor: “orgulho máximo, ou abjeção, é a máxima ignorância sobre o próprio eu”. Assim falou Spinoza, o maior ético da política na modernidade.