| |
Miséria política brasileira
“Uma cena ocorrida na semana passada na Assembléia Legislativa do Paraná mostrou como os políticos profissionais se relacionam com a política teórica. O deputado Rafael Greca (PMDB) citou em plenário o Barão de Montesquieu, o principal teórico da divisão dos poderes, um dos homens que viabilizaram, em última instância, a existência de Legislativos fortes. Jocelito Canto (PTB) respondeu dizendo que não sabia de quem se tratava. Acabou chamando Montesquieu de Moscão, meio na base da brincadeira” (
Dá para entender a causa de tanta desfaçatez corrupta, impunidade, arrogância dos políticos. Elas se baseiam na beata ignorância. Parcela considerável de políticos não sabe o que faz, literalmente. Daí seguimos para o privilégio de foro, para os atos secretos do Senado, para as notas nas roupas íntimas (íntimas?), nas bolsas e nos bolsos (também nas meias, em todo lugar imaginável), para a perda do Estado democrático de direito. E voamos para a saúde em frangalhos (menos, claro, na propaganda oficial e oficiosa), para a insegurança mais do que sinistra, para as escolas que não ensinam e universidades que não formam. Políticos ignaros são eleitos, praticam atos corruptos com recursos públicos e bênçãos do eleitor. Vivemos sob o signo da hipocrisia coletiva: é possível fazer um desafio aos moralistas de fancaria que rebolam os olhos, os ombros e os quadris ao lamentar a roubalheira em grande parte do Executivo ou Legislativo, dos municípios à federação. Desafio: em quem eles, moralistas, votam? No deputado e senador que trazem obras para sua região, ou nos candidatos íntegros? Não é preciso responder: a maioria esmagadora vota em quem carrega obras para a sua cidade. E todos sabem que, para conseguir tal feito, o mesmo político é obrigado a abandonar qualquer pretensão ética, moral, religiosa etc. Com a concentração dos impostos no governo federal, chegam as verbas apenas quando se negocia apoio ao mesmo governo. “É dando que se recebe”. Insisto: todos sabem que a “negociação” é imperativa. Daí a hipocrisia quando alguém brada: “eles são corruptos”. Não, caros concidadãos: o país é vendido, no atacado e no varejo, a preço vil. E poucos escapam da corrupção endêmica.
“Estranho povo, o ateniense”, parafraseio Platão que assim falava pela boca de Sócrates. “Na hora de se construir uma casa, contratam o melhor arquiteto. Quando precisam fabricar navios, escolhem o artesão exímio. Para tudo buscam o melhor técnico. Quando se trata de fazer leis e governar... contratam qualquer um”. Estranho povo, o brasileiro. Aqui, dizer que Montesquieu é Moscão torna-se engraçado quando, na verdade, exibe profunda miséria espiritual. E depois, na hora das chuvas e das mortes por afogamento, o mesmo povo ergue as mãos para os céus, pede ou ameaça o ser divino. Este, como também dizia Platão, não tem culpa pelos nossos erros. Tragédia não é a chuva que desgraça Alagoas ou Santa Catarina. Tragédia é sermos um povo que confia seu destino político a pessoas que deliberadamente desconhecem a lei e se espojam na ignorância. Deixemos de mentiras: aceitemos nosso quinhão no descalabro de nossa fingida república. Não senhores: quando são eleitos corruptos e ignorantes notórios, a culpa é de toda a cidadania. Diz Santo Agostinho: “Deus não precisa de nossa mentira”. Você acha certo que legisladores ignorem o modo de fazer leis, a história do direito, sejam “espertos e populares”? Então pague impostos que não têm retorno. E pare de fingir indignação!