Nelson Jr./ STF do Povo
Supremo Tribunal Federal: ministro Toffoli aceitou pedido da defesa de Bibinho e trancou duas ações penaisCaso Bibinho prova que melhor defesa é o ataque
Estratégia que levou Abib Miguel à liberdade é totalmente legal, mas frustra expectativas da sociedade
Na argumentação apresentada ao STF, o advogado José Roberto Batochio, que representa Bibinho, vinculou o nome de seu cliente a outro grave escândalo do Legislativo estadual: o esquema Gafanhoto. A fraude, que ocorreu entre 2001 e 2004, consistia no desvio de recursos da Assembleia por meio do depósito do salário de vários servidores em uma única conta bancária. Os titulares das contas eram parlamentares ou chefes de gabinetes de deputados. Apesar da conexão negativa, o caminho foi escolhido para garantir a liberdade de Abib e, de forma indireta e não necessariamente intencional, atrasar o julgamento das irregularidades mostradas na série Diários Secretos (leia mais nas próximas páginas).
A estratégia da defesa é completamente legal e está prevista na Constituição Federal, mas suscita debates sobre a atuação de policiais, promotores, juízes e ministros das cortes superiores. A maioria dos especialistas consultados pela reportagem faz sugestões para que o combate à corrupção no Brasil prospere, sem ferir as liberdades individuais.
O promotor José Augusto Peres Filho, ex-procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Norte, destaca que é muito comum os acusados tentarem desqualificar as investigações ou as provas contra eles. Muitas vezes, pondera, eles têm razão. Na terça-feira passada, o STF declarou a nulidade de algumas provas apreendidas pela Polícia Federal envolvendo um advogado, que estava sendo investigado por suposto envolvimento em esquema de fraude em licitações de obras públicas. A decisão foi embasada em um erro no mandado de busca e apreensão, o qual falava que ela iria ocorrer na residência do advogado. Mas, na verdade, o local era o escritório de advocacia.
“As questões que ficam: a PF errou conscientemente, acreditando que não haveria problema em não informar que se tratava de um escritório de advocacia e não de uma residência? Ou foi falta de informação? Por conta de um ‘detalhe’, foram perdidas provas muito importantes”, observa Peres Filho. Segundo ele, para eliminar situações como essa é preciso um grande investimento na capacitação de policiais e promotores. “A atividade de inteligência, infelizmente ainda associada à arapongagem no Brasil, precisa ser aprimorada”. Ele também destaca que alguns magistrados não compreendem bem os sistemas de investigação e às vezes veem irregularidades onde elas não existem.
Indignação
O promotor afirma que as mudanças são possíveis, sem risco à ordem legal. “Não quero dizer que o rito constitucional não deva ser respeitado. Mas às vezes há um superdimensionamento de uma suposta violação à liberdade individual, em detrimento da segurança de uma sociedade ou do patrimônio dela.”
Peres Filho, que coordena um site na internet sobre o combate à impunidade (www.crimesdecolarinhobranco.com.br), diz que é normal a sociedade ficar indignada com decisões como a de Toffoli. “O sentimento de frustração é verdadeiro, mas é inerente ao combate aos crimes de colarinho branco. Só vamos acabar com esse sentimento com o avanço dos processos e das instituições.”
Por outro lado, o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp, questiona algumas decisões judiciais. “Não podemos ignorar o direito de defesa. Mas, no Brasil, muitas vezes um juiz toma uma atitude que corresponde mais ao desejo de sua corporação do que aos anseios da população”, observa. Segundo ele, uma maneira de fazer com que desembargadores e ministros se aproximem mais da sociedade é instituir a eleição para juiz. “Isso já ocorre nos Estados Unidos e seria uma forma de evitar que o juiz se encastele em tecnicalidades. Às vezes, por causa de pequenos detalhes, acaba se deixando passar uma situação escandalosa de impunidade.”
Garantias
O professor da Escola da Magistratura do Paraná Fernando Knoerr diz que a sociedade não deve ficar frustrada com decisões como a de Toffoli, a qual colocou em liberdade Abib Miguel. “A sociedade tem de se sentir respaldada, por saber que eventuais conclusões sobre o caso e
Segundo Knoerr, eventuais demoras nos julgamentos não podem ser creditadas à atuação dos advogados de defesa. “Se um processo não anda, a culpa não é das garantias previstas na Constituição. Não é à toa que estão na lei. Elas estão lá porque ao longo do tempo se concluiu que eram boas. Mas as leis precisam de tempo para amadurecer. É preciso vivenciar a lei, para melhor aplicá-la.”
Após 90 dias de denúncias, Assembleia não é a mesma
Para especialistas, maior avanço obtido desde o início da publicação das denúncias sobre irregularidades no Legislativo foi a conscientização da população
As denúncias de irregularidades na Assembleia Legislativa do Paraná completam 90 dias neste domingo tendo causado mudanças profundas na Casa. Desde que a Gazeta do Povo e a RPC TV começaram a publicar as reportagens da série Diários Secretos, em 15 de março, o Ministério Público já denunciou criminalmente 19 pessoas à Justiça. O rombo nos cofres públicos, segundo os promotores, é estimado até o momento em mais de R$ 100 milhões. Em duas operações, 18 pessoas foram presas. O presidente da Assembleia, Nelson Justus (DEM), e o primeiro-secretário, Alexandre Curi (PMDB), foram denunciados numa ação cível e foram acusados de quebra de decoro num processo inédito dentro do Legislativo que pede a cassação de seus mandatos (veja resumo dos fatos no quadro ao lado).
“Nos últimos 90 dias, houve mais mudanças na Assembleia Legislativa do que em qualquer outro período. Desde que a antiga Assembleia Provincial foi criada, mais de 150 anos atrás, nunca se viu nada parecido”, afirma o cientista político Ricardo Costa Oliveira, professor da Universidade Federal do Paraná. “Vimos acontecer em poucos dias o que não acontecia em anos”, concorda o deputado estadual Tadeu Veneri (PT).
No entanto, segundo políticos, cientistas sociais e representantes de entidades da sociedade civil ouvidos pela reportagem, o maior ganho nos últimos três meses foi outro: a conscientização da população. “Muito se comentava sobre a existência de atos ilícitos na Assembleia”, comenta José Lúcio Glomb, presidente da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Mas quando os fatos vieram à tona, a população percebeu o tamanho do desafio e se mobilizou”, afirma ele. A OAB do Paraná foi responsável pela criação do movimento “O Paraná que Queremos”, que levou milhares de pessoas às ruas na última terça-feira para cobrar o fim da corrupção na Assembleia.
A pressão popular, de acordo com os especialistas, deve ser responsável a partir de agora por uma nova série de mudanças. Para o cientista político Emerson Cervi, da UFPR, o risco é de que as pessoas se desmobilizem e percam o interesse pelo tema. “Não é da nossa cultura o ativismo político permanente”, diz. Carlos Anselmo Correa, presidente do Observatório Social de Maringá, organização especializada em acompanhar a gestão pública da cidade, diz que o risco de desmobilização é maior dependendo do desenrolar dos fatos. “Se as pessoas não perceberem vitórias concretas, acabarão perdendo o interesse. Nesse sentido, a soltura dos diretores que estavam presos e a permanência da Mesa Diretora nos cargos são dois fatores que levam a população à imobilidade”, diz.
Mudanças
Entre as mudanças que já aconteceram nos últimos 90 dias, uma das mais importantes, segundo especialistas, é o recadastramento dos funcionários. As denúncias de que havia fantasmas na Assembleia levou a direção a demitir todos os que exerciam cargos comissionados e só recontratar os que efetivamente tinham função. Também houve uma redução no número máximo de contratados por gabinete. Com isso, a quantidade de pessoas em cargos comissionados baixou de 1,9 mil para 1,3 mil.
Outros pontos destacados como positivos são a ideia de fazer controle biométrico da presença de todos os funcionários e a apresentação de projetos que podem trazer mais transparência, com destaque para a proposta do movimento O Paraná que Queremos. O projeto, entregue aos deputados na terça-feira passada, prevê que todos os atos do poder público estadual sejam publicados em um único Diário Oficial, que ficaria sob responsabilidade do Executivo.