Moscão e outros clássicos da teoria política
Os políticos andam distantes dos livros de teoria. Se eles conhecessem os clássicos seriam melhores no que fazem? Veja o que dizem os especialistas e conheça uma lista dos teóricos mais importantes da área
Uma cena ocorrida na semana passada na Assembleia Legislativa do Paraná mostrou como os políticos profissionais se relacionam com a política teórica. O deputado Rafael Greca (PMDB) citou em plenário o Barão de Montesquieu, o principal teórico da divisão dos poderes, um dos homens que viabilizaram, em última instância, a existência de Legislativos fortes. Jocelito Canto (PTB) respondeu dizendo que não sabia de quem se tratava. Acabou chamando Montesquieu de Moscão, meio na base da brincadeira.
Para alguns cientistas políticos, o desconhecimento de um autor clássico ligado à própria atuação do deputado é imperdoável. Saber o mínimo sobre os livros que deram base à própria função do legislador seria requisito básico para que o parlamentar tivesse uma boa atuação. Para outros, cobrar que um deputado conheça Montesquieu é uma tolice: para esses, citar um clássico só por citar é que parece um erro, um esnobismo desnecessário.
“É como quando você leva o carro para um mecânico”, afirma o filósofo e cientista político Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Você não espera que ele seja um engenheiro. Mas se ele ignora o beabá de sua profissão, é um péssimo mecânico”, diz. Romano defende que um membro do Executivo até pode se esquivar de ter conhecimento sobre o assunto, já que conta com assessores que podem ajudá-lo em qualquer dificuldade. No Legislativo, isso seria mais difícil.
Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda com ele. “A cultura política aprimora a atuação parlamentar. Qualquer profissional qualificado desempenha melhor a sua função”, opina. Segundo ele, porém, falta aos políticos contemporâneos o gosto pela teoria. “Já tivemos épocas em que havia um núcleo de parlamentares mais interessados no debate. Hoje, são menos comuns. Mas os que têm essa formação, essa preocupação, acabam indo inclusive mais longe. Quanto maior a densidade intelectual, maior a liderança”, afirma.
Bacharelismo
Há, porém, entre os especialistas, quem pense o oposto disso. É o caso do cientista político Adriano Codato, da UFPR. “Exigir esse verniz de sofisticação, muitas vezes falso, é típico da cultura do bacharelismo brasileiro”, diz. Segundo Codato, o que acontece, e que teria sido comprovado recentemente por Leôncio Martins Rodrigues, no livro Mudanças na classe política brasileira, é que o Brasil está “popularizando” sua classe política. “Cada vez temos mais sindicalistas, trabalhadores de setor de serviços chegando ao Parlamento. E isso desperta o preconceito típico da sociedade brasileira”, afirma. “O que é preciso saber é se o político representa bem os interesses de seus eleitores, da população”.
É o que também defende Carlos Luiz Strapazzon, cientista político do Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba. Para ele, é importante que os políticos tentem se profissionalizar. “Mas se ele não conhece um autor clássico, não me preocupo muito. Tem que saber o que é a separação dos poderes, mas para ser bom político não precisa ser um erudito.” Strapazzon diz que já foi o tempo em que se acreditava que filósofos deveriam estar no poder. “De vez em quando aparece um Fernando Henrique Cardoso, que traduziu Montesquieu. Mas não necessariamente por isso ele foi melhor presidente do que um torneiro mecânico”, diz.
Para quem quiser conhecer os clássicos da teoria política, porém, a Gazeta do Povo pediu a cinco professores da área que indicassem autores importantes de todos os tempos. O resultado vai nesta página.
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Aristóteles (384-322 a.c.)
Obra principal: A Política
Por que é importante? Aristóteles é considerado um cientista: ele foi capaz de sistematizar os modelos de governo conhecidos na sua época e descrever o seu funcionamento.“Ele também vai ser a base de boa parte do pensamento conservador. Na sua teoria, alguns pressupostos básicos, como o direito à propriedade, são tidos como ‘naturais’, indiscutíveis”, afirma Roberto Romano, da Unicamp.
Platão (427-327 a.C.)
Obra principal: A República
Por que é importante? Foi o primeiro pensador a estabelecer um ideal de bom governo. Platão vai ser importante como fundamento de toda a teoria política, especialmente por criar uma tradição baseada na ideia de que era possível atingir um futuro mais justo, desde que a forma de organização da sociedade fosse correta.
Maquiavel (1469-1527)
Obra principal: O príncipe
Por que é importante? O livro é considerado um clássico por ser uma descrição precisa do modo de governo que se estabeleceu com o surgimento dos Estados europeus depois do fim da Idade Média. Maquiavel, que participava da Corte, viu as coisas acontecerem de perto, e soube traduzir as regras do governo como ninguém
em sua época.
Santo Agostinho (354-430)
Obra principal: A cidade de Deus
Por que é importante? “Santo Agostinho piora o diagnóstico de Platão. Diz basicamente que todos os regimes e todos os governos são compostos por bandos de ladrões”, diz Romano. Segundo o filósofo, o pensador ajudou a que se tivesse uma visão mais crítica em relação aos mandatários. “É bom para prevenir as pessoas”, afirma o cientista político da Unicamp.
Thomas Hobbes (1588-1679)
Obra principal: O Leviatã
Por que é importante? Segundo o cientista político da UFPR Ricardo Costa Oliveira, a ideia mais importante do livro é a do contrato. “É uma ideia basilar do mundo atual, do mercado”, diz. Hobbes defendia um Estado forte, com um rei com grandes poderes. Registra a formação do Estado nacional moderno e centralizador.
John Locke (1632-1704)
Obra principal: Segundo Tratado sobre o Governo Civil
Por que é importante? Locke foi contemporâneo de uma importante revolução na Inglaterra, a Revolução Gloriosa. Sua obra é considerada um fundamento do liberalismo europeu. Também foi um dos teóricos a ressaltar a importância do Poder Legislativo, que ganha força e se firma como o regime de governo inglês. Também teve papel importante na defesa do Estado laico, que fosse capaz de tolerância religiosa.
Montesquieu (1689-1755)
Obras principais: O Espírito das leis, Cartas persas
Por que é importante? Ligado ao Iluminismo, foi o principal defensor da divisão em três Poderes; Executivo, Legislativo e Judiciário. A implementação dessa teoria, que na Europa se espalhou após a Revolução Francesa, deu um golpe de morte no Absolutismo: os reis, acostumados a governar sozinhos e a fazer o que bem quisessem, passaram a ter de dividir funções e a ser fiscalizados.
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895)
Obra principal: O manifesto comunista
Por que é importante? Em 1848, os dois autores escreveram um panfleto que se tornaria um clássico. Duas décadas antes de O Capital, Marx inova a teoria política ao dizer que não há uma vontade geral e que o Estado é dominado por um grupo, uma classe econômica, que defende seus próprios interesses.
“Federalistas”
Obra principal: O federalista
Por que é importante? Grupo formado por Alexandre Hamilton, James Madison e John Jay entre 1787 e 1788. Os três autores escreveram uma série de 85 artigos defendendo teses sobre como deveria ser a Constituição dos Estados Unidos, que acabavam de se separar da Inglaterra. Eles defendiam um governo federalista (com autonomia dos estados) numa época em que o sistema só era considerado bom para países pequenos. “Eles foram fundamentais para estabelecer os conceitos da democracia moderna”, afirma a professora de Ciência Política Luciana Veiga, da UFPR.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Obra principal: O contrato social
Por que é importante? “Rousseau vai ser o fundador da ideia da vontade geral”, diz Ricardo de Oliveira. “É diferente da vontade de cada um e é a matriz da coletividade”, explica o professor. Também será o defensor da tese de que a propriedade não é absoluta, e precisa ter uma função social – conceito que mais tarde será levado bem mais longe pelos socialistas.
Gaetano Mosca (1858-1941)
Obra principal: Elementos de sociologia política
Por que é importante? O italiano contraria liberais e marxistas, afirma o professor Adriano Codato, da UFPR. “Os liberais diziam que os políticos governavam para todos; os marxistas, para a classe dominante. Mosca diz que os governantes governam para si mesmos, para a elite política”, diz.
Robert Mitchels (1876-1936)
Obra principal: Sociologia dos partidos políticos
Por que é importante? O teórico alemão afirma que os partidos políticos são instituições oligárquicas e que acabam, por mais democráticos que sejam, defendendo seus integrantes e seus interesses, em detrimento do restante.
Max Weber (1864-1920)
Obra principal: A política como vocação
Por que é importante? Em 1917, o sociólogo fez uma conferência dizendo que o político pode viver “da política” ou “para a política”, por vocação. Segundo Weber, o bom político é aquele que sabe equilibrar as suas convicções com as exigências impostas pela realidade.
John Rawls (1991-2002)
Obra principal: Uma teoria da Justiça
Por que é importante? Segundo Adriano Codato, o livro foi fundamental para a defesa das políticas afirmativas, como cotas para negros. “Ele propõe que numa sociedade justa as pessoas devem todas partir de pontos mais ou menos semelhantes, para ter chances iguais”, diz o professor. “O exercício que ele quer que nós façamos é imaginar que ainda não nascemos e pensar que mundo vamos querer encontrar aqui fora”, afirma.