domingo, 13 de Junho de 2010
Os ideólogos são perigosos
No final dos anos oitenta, o sucesso do filme O clube dos Poetas Mortos, realizado por Peter Weir, despertou o interesse pela pessoa que teria inspirado a personagem do professor. Essa pessoa é Sam Pickering, ex-professor de Tommy Schulman, o argumentista do dito filme.
Numa entrevista à World Media, feita por Shoshana Gilbert, e publicada entre nós, em 1993, pelo jornal Público num caderno temático sobre educação, de grande interesse, esse professor mostra uma visão, mais do que crítica, politicamente incorrecta relativamente às correntes "pedagógicas" vigentes nos Estados Unidos. Passados quase vinte anos as suas palavras continuam a ter sentido em Portugal, por isso aqui reproduzimos algumas passagens:
World Media: Acha que o objectivo da educação deve ser o dar aos indíviduos um sentido comunitário mais forte?
Sam Pickering: Ensino há muito anos, mas não sou capaz de fazer grandes declarações acerca da educação. Estou sempre a ler artigos sobre como a educação molda o adulto, e simplesmente não acredito nisso. Acho que mais educação é melhor do que menos educação, e que se lermos livros, aprendemos coisas que enriquecem a nossa vida. Mas os livros não contêm receitas para viver, não resolvem os problemas do mundo. Se você for um ideólogo, a sua literatura torna-se um meio destinado a um fim. Quando ensino Milton, trago à baila as questões contemporâneas para tentar dar vida à literatura, mas vou servir-me da literatura como um meio para falar das questões contemporâneas. Recomendamos livros para crianças com base no que está mal na sociedade e, por isso, recomendamos livros onde há um bairro com uma pessoa verde, uma pessoa cor-de-laranja, uma pessoa branca e uma preta, mas só os recomendamos às crianças. Ora, se, de facto, estivéssemos convencidos de que eles têm poder para destruir os males da sociedade, recomenda-los-íamos aos adultos. Se uma mulher estivesse envolvida num caso de adultério, dar-lhe-íamos a "Ana Karenina" a ler, mas não fazemos isso, damo-los às crianças.World Media: E o que acha do valor cada vez maior que se dá ao multiculturalismo nas escolas?
Pickering: É bom pensarmos que sim, mas, na realidade, não acredito que funcione. O multiculturalismo é muito superficial. Não sei se ele existe e de certaza que não acredito estou convencido de possa ser ensinado (...) temos tendência a falar de banalidades. O que pode realmente aprende, quando a primeira história que você lê é da autoria de WASP (branco protestante de origem anglo-saxónica) do Mississipi, a segunda é de uma índia americana lésbica, a seguinte, é de um Amã sobrevivente do Holocausto e, outra, de um escritor sul-americano? Fartamo-nos de ler histórias e os garotos não se lembram delas. Nem chegam sequer a afectá-los. Todos os anos, em todas as turma, os meus alunos embirram com a matéria sobre os americanos índios, fartam-se daquilo, desprezam-nos, não querem ouvir falar dos índios. Em vez de os tornarmos mais sensíveis, macamo-los.Nunca demos nada sobre os lituanos, os estónios, os ucranianios e, no entanto, temos montes de gente com essas origens.
World Media: Mas acha que a educação desempenha algum papel “mais elevado” no progresso da sociedade?
Pickering: Falamos muito sobre a educação poder curar a sociedade e sabemos que ela não cura. Eu gostaria que ela tornasse as pessoas mais consciencientes das responsabilidades que têm em relação aos outros, mas creio que não é isso que acontece. Torna os indivíduos conscientes das possibilidades, mas será que os torna melhores? Veja os alemães: eram provavelmente a sociedade mais educada da época, e veja o que eles fizeram, veja para que lhes serviu que utilizaram a educação. É assustador. Temos uma sociedade educada e não sabemos como convertê-la de uma economia em tempo de guerra para uma economia em tempo de paz, sem que as pessoas percam os seus empregos. Estamos a construir submarinos de que não necessitamos para as pessoas não perderem os seus empregos.
World Media: Ensinar a ser "politicamente correcto" serve a algum objectivo social?
Pickering: Os ideólogos são perigosos. O problema do multiculturalismo é que não se torna multiculturalismo, torna etnocentrismo-se. As pessoas deixam de falar umas com as outras porque ficam nervosas com medo de que a outra pessoa se ofenda. Hoje, quando falamos com alguém de uma raça diferente, a conversa é tão vazia que nunca conversamos sobre as coisas que interessam, pelo receio de ofendermos a pessoa. Costumo dizer à minha turma que até ao fim da aula, vou insultar todos os grupos étnicos e todas as religiões. Na realidade, não faço tal coisa, mas afirmo-lhes isto porque não quero que concordem com o que eu digo. Não me importo que me odeiem, quero que tenham alguém contra quem testarem as suas ideias. Peço-lhes que procurem aprofundar um pouco para além das banalidades. Acho que há muitas outras coisas que são realmente importantes. Um determinado assunto pode ser importante para as classes médias altas, mas não tem nada a ver com os garotos das ruas de Harlem. Temos uma sociedade em que as drogas abundam, a violência abunda, a Sida se propaga, as pessoas estão desempregadas, os miúdos não comem o suficiente.
World Media: Há muitas pessoas que pensam que foi precisamente em relação a esses garotos, que vêm de meios desfavorecidos, que a educação fracassou. Que fazer?
Pickering: Emprega-se a todo o momento, a palavra crise, há anos que se emprega e eu estou cansado dela, é uma litania do tipo “Perdoa-nos meu Deus, perdoa-nos meu Deus”; sempre que alguém faça de educação e quer obter mais dinheiro, é a palavra-chave, hás empre uma crise. A maior parte das respostas à questão de como educar os alunos desfavorecidos são mero paleio. Estarmos aqui sentados e pontificarmos acerca do que é bom para os bairros pobres seria prova da maior arrogância do mundo. Não sei o que a escolas podem ensinar aos garotos que vivem em bairros em que os amigos deles levam tiros. Não conseguem aprender e eu não tenho nenhum tipo de solução para isso.
World Media: Há quem pense que é necessário mudar o modo como se ensina e começar a juntar, na mesma aula, crianças de origens diferentes. Defendem o ensino "colaborativo" e o deixar uma abordagem centrada no professor. Isso é positivo?
Pickering: É uma grande frase, soa maravilhosamente conseguirmos pôr pessoas com aptidões diferentes a trabalharem juntas. Mas o meu filho está numa dessas turmas e a verdade é que é excelente para os que não são lá muito bons, mas é terrível para os alunos espertos, sobretudo porque acabam por ser eles a fazerem o trabalho todo. É como no altetismo: ninguém quer ficar com os piores atletas da equipa, mesmo que eles tenham outros talentos. Chegámos a um ponto em que a sociedade não quer fazer de juíz. Mas acho que há muitas maneiras de ser “dotado” e penso que os programas educacionais se deviam concentrar mais em identificar o conjunto de talentos que um aluno pode ter.