sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Brasil de Fato

Denúncias contra Ricardo Teixeira voltam à tona

Presidente da CBF teria recebido US$ 9,5 milhões em propinas da empresa de marketing esportivo ISL




01/12/2010




Felipe Prestes
Sul21




Em 2001, a CPI do Futebol denunciou 17 cartolas do futebol brasileiro, entre eles o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, por crimes como apropriação indébita de recursos, evasão de divisas e sonegação fiscal. O MPF indiciou Teixeira, nove anos se passaram e as denúncias contra o dirigente estão paradas na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Enquanto isso, Teixeira permanece na direção da entidade e agora preside ainda o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 2014 - função sob a qual também pairam denúncias - responsável pela organização de um megaevento que envolve cifras milionárias. As denúncias só voltaram à tona nesta semana - graças à imprensa europeia.

Na segunda-feira (29) o jornal suíço Tages-Anzeiger, de Zurique, publicou matéria que aponta que Teixeira teria recebido US$ 9,5 milhões de propinas da empresa suíça de marketing ISL - empresa da famigerada parceria com o Grêmio, que causou um rombo no clube em 2001 - entre agosto de 1992 e setembro de 1997. A ISL detinha os direitos de transmissão da Copa do Mundo até sua falência em 2001.

Ainda na segunda-feira, à noite, a carga foi de um programa de televisão investigativo da britânica BBC. Ele apontou que três dirigentes que fazem parte da comissão responsável por escolher as sedes para as Copas do Mundo de 2018 e 2022 receberam propinas da ISL: o presidente da CBF Ricardo Teixeira; o presidente da Conmebol Nicolas Leoz; e o presidente da Confederação Africana de Futebol Issa Hayatou.

Segundo a BBC, documentos confidenciais apontam 175 pagamentos, totalizando US$ 100 milhões em subornos. A emissora britânica aponta os mesmo US$ 9,5 milhões para Teixeira, noticiados pelo jornal suíço. Ambos os veículos apontam que o dinheiro chegaria a Teixeira por meio da SANUD Etablissement, empresa sediada no principado europeu de Liechtenstein.

As denúncias trazem elementos novos, mas só chegam a ser surpreendentes no Brasil porque o trabalho da CPI do Futebol já caiu no esquecimento. O relatório feito em 2001 pelo então senador Geraldo Althoff (DEM-SC) aponta que a SANUD detinha 50% da R. L. J. Participações LTDA. Ricardo Teixeira detinha 25,01% da mesma empresa. Os outros 24,99% da R. L. J. pertenciam a Lúcia Havelange, ex-mulher de Teixeira.

Segundo o relatório da CPI, a R. L. J. era supostamente uma empresa de assessoria em gestão empresarial. Entretanto, como nota o relator, “demonstra-se claro o fato de que a R.L.J. Participações não tem por pressuposto o cumprimento de suas finalidades societárias”. O relatório aponta que, entre 1995 e 1999, “nenhum centavo sequer” ingressou na empresa graças à atividade de assessoria empresarial. “O aspecto central (da atividade da R. L. J.) é a própria transferência dos recursos, a movimentação do dinheiro entre pessoas”, diz o relatório.

A R. L. J. “atua como intermediário financeiro em operações de empréstimo e financiamento entre pessoas”, segue. Entre estes empréstimos, a R. L. J. recebeu US$ 599.964,00, entre 10 de julho de 1996 e 8 de maio de 1997, da SANUD. Este montante de recursos, em princípio, seria para integralizar a parte do capital social da R. L. J. que cabia à SANUD. Esta integralização, contudo, nunca foi feita. Os recursos se transformaram em empréstimo da SANUD à R. L. J. – empréstimo que jamais foi pago. A SANUD foi extinta em 1999. O procurador da empresa no Brasil era ninguém menos que Guilherme Terra Teixeira, irmão do presidente da CBF.

“O que se sabe é que esses recursos são todos eles administrados pela R. L. J., o que significa dizer pelo Sr. Ricardo Terra Teixeira, e que, ao final de contas, são todos eles carreados, mediante empréstimos concedidos pela R. L. J. ao próprio Sr. Ricardo Terra Teixeira e a empresas a ele ligadas. E é bom lembrar que, por suas características, não se trata, de fato, de empréstimos, mas de verdadeiras doações”, conclui o relatório. A CPI do Futebol não obteve dados de sigilo bancário da R. L. J. anteriores a 1995.

Ricardo Teixeira não quis se pronunciar sobre as denúncias atuais. O Sul21 procurou a CBF. Ao menos por enquanto, Teixeira manterá seu habitual silêncio. A FIFA, por sua vez, emitiu comunicado dizendo que as denúncias são antigas e já foram apuradas pela Justiça da Suíça, e que nenhum dirigente foi condenado.

Ouvido pelo Sul21, o jornalista Juca Kfouri tem outra visão. “A FIFA diz que não é novidade, mas esses documentos sobre propinas da ISL são novidade, não tinham vindo a público. Se a Justiça suíça julgou, não sabemos, mas esses documentos precisam ser esclarecidos. A existência da SANUD para mim é que não era nenhuma novidade, graças ao trabalho da CPI do Futebol”.

Processo trancado

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que presidiu a CPI do Futebol, relata que as denúncias feitas pela Comissão foram encaminhadas ao Ministério Público Federal que indiciou na Justiça os responsáveis. Segundo o senador, o processo contra Ricardo Teixeira está trancado porque a Justiça Federal aguarda a conclusão de inquéritos administrativos feitos pelo Banco Central e Receita Federal.

Dias solicitou na terça-feira (30), às duas instituições, informações sobre os inquéritos. Para o senador, o trabalho dos parlamentares já foi feito, e cabe agora cobrar andamento mais célere na Justiça. O tucano ironiza o “esquecimento” da imprensa brasileira sobre o caso. “A imprensa não deu a divulgação que deveria ter dado, parece que não houve muito interesse. Precisaram vir da Europa notícias para que se lembrassem novamente”.

O senador afirma que Ricardo Teixeira não poderia estar capitaneando o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo. “Antes de começar qualquer organização eu já dizia que era impraticável que fosse comandada por alguém que está sub judice”. Álvaro Dias critica o presidente Lula por não ter interferido neste sentido. “Há dinheiro público sendo investido, leis que estão sendo alterados por causa da Copa do Mundo”, justifica.

O Sul21 entrou em contato com a assessoria de imprensa da Receita Federal, que explicou não poder revelar nem sequer que contribuintes estejam sendo investigados.

Pressão


O Sul21 também entrou em contato com o ex-senador Geraldo Althoff (DEM-SC), relator da CPI do Futebol. Althoff prefere não emitir qualquer “juízo de valor” sobre o caso. Ele lamenta ter sido processado por Ricardo Teixeira, por difamação e que por isso prefere não falar. Diz que precisou fazer um acordo judicial, e que teve muita “incomodação” pelo “bem” que fez ao futebol. “O Ricardo Teixeira não perdoa aquilo”.

Mais denúncias


No último dia 17, matéria publicada pelo diário esportivo Lance! apurou que o contrato social do Comitê Organizador Local para a Copa do Mundo tem como sócios a CBF, com 99,99% e o próprio Ricardo Teixeira, pessoa física, com 0,01%. De acordo com o diário, o contrato tem uma cláusula que deixa a critério dos sócios a distribuição dos lucros auferidos com o torneio.

Ainda no dia 17, a CBF respondeu ao diário, afirmando que a lei brasileira não permite que haja apenas um sócio. Segundo a entidade, uma lei está sendo votado no Congresso para permitir isso e, assim que a lei for aprovada, Teixeira (pessoa física) deixará a sociedade. A entidade disse ainda que o dinheiro dos lucros da Copa do Mundo será doado pela FIFA à CBF, para que a confederação invista no futebol, já que é uma sociedade sem fins lucrativos.

Em 1994, quando a seleção brasileira tetracampeã voltava dos Estados Unidos, Teixeira foi acusado de colocar junto às bagagens da delegação equipamentos para as choperias de que é proprietário sem declarar.

Democratização


Investimento no futebol é justamente o que quer a Associação Nacional dos Torcedores. Jorge Suzuki, advogado e integrante da associação, estudou a CPI do Futebol e diz que ali fica clara a evasão de divisas. “Queremos que o dinheiro do torcedor seja bem aplicado, uma gestão voltada para o futebol. Além disso, a entidade precisa prestar contar com clareza. Mesmo entidades privadas precisam prestar contas com clareza, ainda mais quando lidam com a paixão do torcedor”. Para o ano que vem a ANT planeja provocar o Ministério Público para que cobre da CBF maior idoneidade.

Criada há apenas dois meses, a associação já tem representantes em quinze estados brasileiros. Neste domingo, durante a última rodada do Brasileirão, vai promover nos locais onde serão disputadas as partidas um manifesto pela reinclusão social nos estádios. “Todas as reformas de estádios e novos estádios que estão sendo construídos para a Copa do Mundo tiram arquibancadas e colocam mais camarotes. Hoje, apenas 1% da população brasileira consegue frequentar regularmente os estádios”.

Mas não só os estádios precisam de democracia. A presidência da CBF há muito não troca de dono. Ricardo Teixeira é o presidente desde 1989. “Precisa mudar tudo, democratizar, aumentar o número de eleitores. Eu posso citar várias ideias, como dar aos atletas o direito de votar”, diz Juca Kfouri.

Atualmente, apenas as federações estaduais e os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro votam para a presidência da entidade. Quase sempre as entidades são complacentes com a permanência de Ricardo Teixeira. “Até mesmo a entidade que surgiu para se contrapor à CBF (o Clube dos Treze) hoje está associada a ela. Houve uma pequena briga neste ano, mas estão sempre associados”, diz Kfouri.

O jornalista aponta também que a entidade conta com uma relação “promíscua” com setores da mídia e com a classe política. “Fico me perguntando como em 20 anos, com políticos esclarecidos como Fernando Henrique e Lula já tendo passado pelo presidência, dirigentes como Ricardo Teixeira permanecem tendo o poder que tem. Acho que o poder que a cartolagem do esporte exerce é o da sedução. Fazem coisas erradas, mas depois colocam uma estrela do esporte na mesa com o político, levam atletas para Brasília. Um homem como o Lula, que comprou a briga do Estatuto do Torcedor, tempos depois estava no Haiti com a seleção”.

Ainda assim, Juca Kfouri acredita que se enganam os políticos que apostam no capital político conquistado por meio desta relação ambígua com cartolas do esporte. “Eleitoralmente, o presidente da República que pusesse esta canalha para correr seria ovacionado. O povo não gosta deles (dirigente de federações esportivas), tanto que eles não vão ao estádio, pois sabem que seriam escorraçados”.

Kfouri ressalta que dirigentes esportivos controversos não são “privilégio” do Brasil. “Este é um panorama mundial. Está aí o Nicolás Leoz, que é praticamente presidente vitalício da Conmebol. O esporte tem esta particularidade de atrair pessoas que querem levar uma vida fácil e glamorosa”.