Risco de reindexação (06/03)
Alon Feurwerker no Correio Brasiliense
O país desviou-se da rota. E persiste a dúvida sobre como Dilma vai dar o tranco para
recolocar o trem no trilho
O debate econômico percorreu os dois primeiros governos do PT centrado na tensão entre o Banco Central e os críticos. Num certo momento houve também a disputa entre catastrofistas e marolistas (os da marolinha). Foi o cenário do pior erro econômico da administração Luiz Inácio Lula da Silva: a resistência a baixar radicalmente os juros na passagem de 2008 para 2009.
Não fosse a obsessão pela versão da marolinha, houvesse um pouco mais de catastrofismo, talvez o BC não tivesse podido se refugiar na redoma defensiva para manter o juro estratosférico, supostamente para combater uma inflação importada. Um risco inflacionário que -comprovado depois- nunca existiu.
Mas o passado é para os historiadores. Dele interessa apenas saber -e agora os números confirmam- que o governo esticou o esforço anticíclico de 2009 para criar um 2010 não apenas bom, mas ótimo.
Gerou nas eleições um ambiente econômico artificial, uma assimetria entre consumo e produção. Um ambiente insustentável no tempo, como bem mostra a fatura da inflação deste 2011
A situação mais complicada é na indústria, que apesar da festividade geral só agora alcança o patamar do fim de 2008. Para usar uma terminologia velha, foram dois anos perdidos. E sem luz no fim do túnel das exportações, dada a resistência granítica de um real que insiste em galgar a escada contra o dólar
Tem gente que não liga, pois a agricultura continua exportando bem e nas finanças, então, nem se mede a alegria. Ou mede-se. Sem falar na farra de consumo permitida pelo dólar barato. Do ângulo de um certo projeto de país, conformado com a subalternidade e com a reprodução, em pleno século 21, da ilusão de ser o “celeiro do mundo”, está tudo muito bem
Mas será? O desafio econômico colocado diante de Dilma Rousseff nesta primeira metade de mandato é razoável.
Projeções de crescimento medíocre com pressão inflacionária, juros subindo e o real idem. Contas externas em déficit crônico, agravando de forma também crônica a dependência do capital vindo de fora. Nos bons tempos -quando as coisas eram chamadas pelo nome- seria denunciado como desnacionalização maciça.
E o mais preocupante é não notar no governo disposição para enfrentar com firmeza ou criatividade. Parece haver certa tendência à acomodação. Inclusive no Banco Central, que aparenta estar engrossando o "me engana que eu gosto", perseguindo o teto da meta de inflação e não o centro. Para não sacrificar o já magrinho crescimento projetado este ano
É opção política. O risco? De reindexação geral. Uma coisa é economia desindexada com inflação na faixa de uns 3%. Outra coisa é trabalhadores e empresários aceitarem pacificamente as perdas quando a inflação dobra, sobe para o segundo andar e fica lá um bom tempo.
Se a festa vai ser um andar acima, é natural que todos tentem subir.
Bateu no bolso
O Ministério do Trabalho especializou-se na produção de boas estatísticas para o governo. Politicamente úteis. Mas agora apareceu um problema grave. Como é possível o seguro-desemprego decolar numa era de emprego em alta?
De duas uma. Ou o problema está nas estatísticas ou está nas concessões do benefício. Talvez tenha chegado a hora de um pente fino nos números fornecidos pela instituição. O oportuno esforço intelectual e administrativo poderia inclusive elucidar um mistério bastante repisado aqui
Esta semana saiu o PIB de 2010. Foi 7,5%. E o Ministério do Trabalho (MTE) afirma que em 2010 se criaram menos de 2,5 milhões de empregos, quando o cômputo é feito pela metodologia tradicional do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)
Em 2009 o PIB andou para trás, foi negativo em 0,6%. Em 2009 o MTE afirma ter sido criado um milhão de novos empregos.Como uma economia que cria quase um milhão de empregos quando contrai 0,6% cria menos de 2,5 milhões quando expande 7,5%? Agora invertendo. Como uma economia que cria menos de 2,5 milhões de empregos quando cresce 7,5% cria quase um milhão quando contrai 0,6%?
Autonomia
Desde que a Força Sindical e outras centrais decidiram criar problemas para o governo do PT na votação do salário mínimo a CUT lembrou que é a favor de acabar com o imposto sindical.