| Duas grandes editoras de revistas, esperando o Carnaval chegar, publicaram matérias ousadas e extremamente semelhantes: informações às leitoras sobre a caça a turistas estrangeiros, uma espécie de turismo sexual, só que ao contrário. Um terceiro manual, parecidíssimo, se destina a gays brasileiros.
Todas as matérias têm algo em comum: apoio a quem quiser capturar suas presas, algumas palavras em inglês para manter a conversa até que ocorra algo mais profundo, sugestões de como livrar-se se o gringo for chato. E dois lembretes:
1- terminado o Carnaval, o estrangeiro volta para casa, deixando seu/sua parceiro/parceira a ver aviões;
2- não se esqueça da camisinha.
Uma das matérias ensina até, acredite o caro colega, a reconhecer um gringo: é aquele sujeito muito branco, ou vermelho como um tomate maduro, com ar de quem não tem muita idéia de onde está e com um guia turístico nas mãos.
E daí? Se houver sexo entre maiores de idade, ambos interessados no jogo, ninguém tem nada com isso. Ou, na opinião de alguns colegas, tem: houve gente indignada movendo uma batalha de twitters, acusando os autores das matérias de "sexistas", responsabilizando-os por incentivar o turismo sexual e chegando ao extremo, este dos mais condenáveis, de divulgar seu endereço eletrônico, para que todos possam chateá-los à vontade, incomodando-os a qualquer hora. Não é por nada, mas lembrou a este colunista seus já longínquos tempos de adolescência: era lícito a qualquer homem de nossa turma namorar moças de fora, mas se uma garota da turma namorasse alguém de fora estaria dando uma demonstração explícita e inequívoca de galinhagem.
Turismo sexual é outra coisa: não é apenas viajar em busca de moças e rapazes para rápidos entreveros. Turismo sexual envolve prostituição, frequentemente envolve menores de idade, muitas vezes envolve meninas que mal deixaram a infância. Este colunista já ouviu de um turista sexual (brasileiro) a explicação de que não estava fazendo nada de excepcional: no Norte do país, o clima é quente e as moças amadurecem sexualmente mais cedo. Como disse com outras palavras o monumental Stanislaw Ponte Preta, para justificar semvergonhice sempre se dá um jeito.
Mas o tema é comunicação - e é importante evitar que o ruído torne incompreensível a mensagem principal. Turismo sexual é crime e tem de ser combatido e punido. Não deve ser confundido com o desejo de aventura de adultos que têm o direito de fazer o que querem. A confusão aumenta a dificuldade de combater o que tem de ser combatido. E o que pode acabar acontecendo é um pedido moralista de censura à imprensa.
Nós, não! Imagine!
O Senado, que na semana passada divulgou o obituário do senador José Sarney, desmentiu energicamente que tenha divulgado um obituário: foi, segundo informaram, "uma biografia". Claro: e que é um obituário, senão uma biografia publicada após o falecimento do protagonista?
Mas o engraçado não é isto: enganos acontecem, fazem parte do jogo. O engraçado é que o próprio senador Sarney já escreveu sobre o obituário, chamando-o pelo nome correto. Se até a vítima do prematuro obituário já reconheceu os fatos, por que é que o Senado insiste na sua versão capenga?
Faz para não fazer
Primeiro, o Arquivo Nacional tentou impedir o acesso do jornalista Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo nos anos de chumbo, à documentação sobre a morte de Vladimir Herzog (Audálio, cujo comportamento no caso foi absolutamente impecável, corajoso e sem bravatas, digno e jamais prepotente, está escrevendo um livro sobre o assassínio de nosso colega). Barrado, Audálio conversou com Ricardo Kotscho, antigo assessor de imprensa do presidente Lula, que tentou por bem e, ignorado pelo Governo, chamou publicamente às falas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem chamou de "ex-amigo". Só então o Governo deu ordem para que a lei fosse cumprida e o Arquivo Nacional atendesse ao justo pedido do Audálio.
Para que? Para nada: os documentos sumiram (veja neste Observatório a entrevista de Audálio a Mauro Malin). Não se sabe exatamente o que aconteceu. Mas é possível pensar um pouco sobre o tema:
1 - Se não havia quase nada sobre a morte de Vlado e as atividades de Audálio Dantas no Sindicato, por que lhe negaram o acesso às informações?
2 - Se lhe negaram o acesso para que não tivesse informações importantes, cadê elas? Quem sumiu com os papéis? Como se evaporaram os documentos?
É preciso mudar para que tudo continue como está, diz Lampedusa em O Leopardo. Mudaram as orientações para que as informações continuem desaparecidas? Que é que o Ministério da Justiça pretende fazer para recuperá-las?
Devem ser informações explosivas. Citando de memória um artigo fantástico de Alberto Dines sobre a morte de Vlado, na Folha de S.Paulo, escrito no calor da hora, ele dizia que não importava tanto discutir se o jornalista tinha sido assassinado ou se havia se suicidado. Se tinha sido assassinado, havia um crime a apurar e a punir (e que até hoje, 35 anos depois, não foi apurado nem punido); se a versão do suicídio fosse correta, seria preciso explicar o que é que tinham feito a uma pessoa cheia de vida, com planos para o futuro, para que tomasse uma decisão tão trágica. |