Vida Pública
Domingo, 08/05/2011
Wilson Pedrosa/AE
Ophir Cavalcante, Itamar Franco e Aécio Neves: reunião para que a validade das MPs não seja automáticaOposição pede apoio da OAB para limitar medidas provisórias
Senadores oposicionistas condenam “MPs Frankenstein” e querem diminuir margem de manobra do Planalto
Um dia após a bancada de oposição no Senado ter abandonado o plenário da Casa em protesto contra a edição das chamadas “MPs Frankenstein” ou “MPs Árvore de Natal”, que incluem temas variados e desconexos entre si, senadores oposicionistas procuraram ontem o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para mudar o rito de tramitação das medidas provisórias. O movimento foi encabeçado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), que visitou o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, juntamente com outros oposicionistas.
A oposição vem reclamando que as “MPs Frankenstein”, ao incluir vários assuntos desconexos em uma mesma medida provisória, facilitam a aprovação de assuntos de interesse do governo. Isso ocorre porque o governo inclui temas de seu interesse em uma MP já em tramitação, o que impede a oposição de fazer emendas. Com isso, resta aos congressistas aprovarem ou rejeitarem as MPs. Para os oposicionistas, essa estratégia é ofensiva ao papel do Legislativo.
Cientistas políticos questionam estratégia de senadores
Cientistas políticos acreditam que os senadores erram de tom e de estratégia no questionamento às medidas provisórias. Por um lado, ninguém duvida de que o número de MPs editadas pelo governo revela uma falha no sistema político do Brasil que, inclusive, prejudica a democracia no país. Por outro, o debate, dizem os especialistas, deveria ter sido feito há mais tempo e discutindo as verdadeiras causas do problema.
“Esse debate nunca foi feito de maneira séria. O PSDB não fazia essas restrições durante o governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Na época, não havia interesse porque as MPs eram para beneficiar o governo a que eles estavam ligados”, afirma o cientista político e professor de Ética Roberto Romano, da Unicamp.
De acordo com o professor, os legisladores brasileiros aceitam o envio excessivo de MPs há pelo menos quatro mandatos (dois de Fernando Henrique e dois de Lula) e concordaram, com isso, em “abrir mão” de seu poder de legislar. “Agora reclamam quando o governo inclui temas que não têm a ver com o tema da MP. Têm razão de reclamar. Mas quando abriram a porta para as MPs, abriram a porta para tudo isso”, diz.
O “contrabando” de temas, no entanto, não deixa de ser preocupante para o professor Adriano Codato, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Não deixa de haver má-fé do Executivo quando põe mais de um tema na mesma medida. Os congressistas, muitas vezes, nem sabem o que estão votando”, diz.
Codato afirma que o grande número de medidas provisórias realmente é sintomático de um problema na política nacional. Mas questioná-las por si só é debater o sintoma, sem chegar às suas causas. “O número de MPs é um termômetro do verdadeiro poder do Legislativo”, diz. “Para levar esse debate adiante, é preciso perguntar duas coisas. Primeiro, por que há tantas MPs. Segundo, se o sistema funcionaria sem elas.”
Para Codato, a resposta à primeira questão tem a ver com o grande poder que o Executivo ganhou no país, se sobrepondo ao Legislativo. Hoje, diz o professor, o Executivo acaba tendo de tomar a iniciativa em todos os grandes temas. O Legislativo acaba ficando apenas com o debate das propostas, não com a iniciativa de apresentá-las.
Roberto Romano questiona também a busca de apoio na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Os senadores só vão procurar a OAB porque não têm exata noção de seu papel. Deveriam fazer seu papel de oposição, questionar os fatos dentro do Congresso”, afirma.
Rogerio Waldrigues Galindo - Colaborou Fabio Cherubini, especial para a Gazeta do Povo
DEM, PSDB e PPS querem mudar a forma de tramitação das MPs para diminuir o poder da Presidência e para resolver o problema dos “penduricalhos” nas medidas provisórias. E fazem campanha para aprovar o relatório de Aécio que modifica a proposta de emenda constitucional de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP) sobre a edição de MPs.
O Palácio do Planalto é contrário ao relatório de Aécio porque ele enfraquece o poder de editar medidas de seu interesse com validade imediata. O tucano sugere que as MPs só tenham força de lei depois de serem aprovadas por uma comissão de deputados e senadores. Essa comissão teria poder para julgar se a MP atende aos critérios de “urgência e relevância” previstos pela Constituição. Só assim elas entrariam em vigência provisória. E, depois, para virarem lei, teriam de passar pelo plenário – como já ocorre hoje.
No modelo atual, as MPs entram em vigor logo depois de serem editadas pelo Planalto (tendo de ser aprovadas pelo Congresso num prazo de 120 dias para não perder a validade). Se a proposta do tucano prosperar no Senado, a comissão mista (com deputados e senadores) teria três dias úteis para decidir se a medida pode ou não vigorar – depois de editada pelo Executivo.
Autor da proposta que agrada ao governo, Sarney disse que é “complexo” ampliar o foco das discussões sobre a edição das MPs, mesmo diante do apelo da oposição. “Se entrarmos em vários temas, não chegaremos a lugar nenhum. Vamos cair naquele vácuo em que caíram todas as outras iniciativas”, disse Sarney.
A proposta de emenda constitucional de Sarney reduz os poderes da Câmara para analisar as MPs. O texto fixa o prazo máximo de 55 dias para que os deputados votem uma medida provisória. Cumprido o prazo, o texto deve seguir para a análise do Senado – mesmo que não tenha sido aprovado pelos deputados.
Defesa do Legislativo
“Não viemos aqui [à OAB] fazer oposição, mas defender o poder do Legislativo. Se setores da base do governo acham que não é seu papel defendê-lo. Nós da oposição achamos que sim”, disse Aécio. O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que a oposição defende uma “causa republicana” que traz equilíbrio entre os poderes. “A OAB se sente muito tranquila para analisar essa matéria, porque ela sempre foi uma crítica da edição indiscriminada de medidas provisórias, independentemente de governos.”
Cavalcante afirmou que a OAB vai “aumentar a vigilância sobre o tema” e que, se for o caso, vai questionar as MPs no Supremo Tribunal Federal, uma a uma, para mostrar que algumas não cumprem o requisito necessário para serem editadas pelo Executivo.