quarta-feira, 11 de maio de 2011

Jornal de Limeira.

Projetos bizarros tiram foco da fiscalização


JL selecionou 11 propostas incomuns sugeridas pelos vereadores em 2010

O recente projeto de lei de autoria do vereador Mário Botion (PR), que proíbe a instalação de usinas nucleares em Limeira, reacendeu a polêmica sobre a qualidade das propostas elaboradas pelos parlamentares limeirenses. O Jornal de Limeira realizou um levantamento, com base nos textos apresentados no ano passado, dos projetos mais incomuns ou bizarros e que procuram regulamentar desde o estacionamento de carros-forte até o telhado das residências.

Ao todo, foram selecionados 11 propostas - para fugir à normalidade das dez principais (veja quadro). O vereador Carlinhos Silva (PDT) figura no primeiro lugar do ranking, com cinco proposituras inusitadas, seguido por Nilce Segalla (PTB), com três.
Na opinião de especialistas, os eleitos para ocuparem o cargo no Legislativo têm fugido de sua principal função, que é a fiscalização do Poder Executivo, sendo este um dos fatores que contribui para essa situação.

Dados da Câmara Municipal apontam que em 2010 os vereadores elaboraram 293 projetos de lei, dos quais 135 foram aprovados, 93 continuaram tramitando, 28 foram retirados e 37 arquivados.
Entre os projetos selecionados, está o do vereador Antonio Braz do Nascimento (sem partido), o Piuí, que buscava uma semana específica para popularizar os atos da Câmara. O ex-vereador e atual secretário da Cultura, Farid Zaine (PDT) tentou fazer com que restaurantes dessem desconto a quem fez cirurgia de redução de estômago - a propositura foi retirada.

LÍDER

Carlinhos Silva encabeça metade da lista. Há proposta para que bares estimulem o uso de táxi por meio de um aviso: "Se for beber, vá de táxi". Outra buscava um lugar específico para os carros-forte estacionarem e fazerem suas operações com valores.

Quem construísse uma casa também ficaria obrigado a implantar sistema de aquecimento de água por meio de energia solar e, ainda, ter telhados nas cores branca, violeta, azul e verde. Cores que poderiam ser implantadas nos radares, conforme projeto de sua autoria apresentado no dia 13 de outubro.

A vereadora e delegada Nilce Segalla sugeriu legalizar a "carteirada", permitindo com que profissionais das polícias Civil e Militar e da Guarda Municipal entrassem gratuitamente em eventos. Outras ideias foram a fixação de sinalização sonora e iluminação nas cadeiras de roda e a obrigatoriedade de academias manterem aparelhos para medir pressão.

Por fim, o ex-presidente da Casa, Eliseu Daniel dos Santos (PDT), propôs que as caçambas de entulho passassem a trazer mensagens educativas à população.

'Vereadores viraram figuras decorativas'

O professor de filosofia política do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp, Roberto Romano, afirmou que um dos motivos da presença cada vez mais comum de projetos de leis bizarros, tanto no âmbito municipal, como no estadual e federal, é o fato de os vereadores e deputados deixarem de cumprir sua principal função, que é fiscalizar o Poder Executivo.

"A função do vereador no município é fiscalizar o Poder Executivo, conduzir até ele as necessidades do bairro e dos moradores e elaborar leis que estejam ao alcance do município em termos jurídicos para melhorar a cidade. Se um candidato apresenta uma proposta que não se enquadra naquele âmbito, ele não deveria nem ser eleito."

Para o professor, o Brasil apresenta uma estrutura falha em termos federativos e democráticos, com tudo sendo ditado pelos poderes centrais. Com isso, se tem uma super concentração legislativa, que tira a autonomia e a responsabilidade dos municípios em legislar. "Essa autonomia é apenas formal. Os municípios e os Estados perdem essa função real. Os vereadores e deputados ficam ociosos", declarou.

Segundo Romano, na esfera municipal o prefeito também centraliza os atos. Caso consiga cooptar a maioria da Câmara, garante um governo tranquilo. "Ele fica feliz o resto do seu mandato. Autoriza obras na região dos vereadores e assim vai. O que sobra para a Câmara, se está cooptada pelo prefeito, sem autonomia para leis, é se transformar em uma figura decorativa. Aí é que se vê essas coisas horrorosas", disse.

Os vereadores, conforme o professor, viram "estafetas de luxo", levando apenas reclamações de bairros ao prefeito. O mesmo ocorre com os deputados e senadores em relação ao presidente da República. "O vereador fica para coisas folclóricas e criam projetos como o Dia do Radialista Afônico", falou.

Romano também considera um argumento falso culpar o eleitor por essa situação. "É um sofisma, porque ele tem que votar no nome que escolheu. No final, o eleitor nem se lembra em quem votou, porque não lutou pelo candidato. É preciso repensar a relação de poderes, com partidos realmente reais."