Legitimidade, Segredo, Democracia,
rumos do poder no sec. 21. ([1])
Dr. Roberto Romano
Titular de Ética e Política.
Depto. De Filosofia. Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas.
Universidade Estadual de Campinas. Unicamp.
Maio de 2004
Indice:
1. O fundamento religioso da legitimidade……………..p. 5
2. Raison d´État e o segredo…………………………….p.11.
3. Democracia, povo soberano, accountability…. ……p.24.
4. Educação e povo soberano no Estado de direito…….. p.37.
5. Legitimidade, segredo, democracia……………………p.42
6) Uma reflexão sobre Carl Schmitt………………………p.44.
7) O segredo e a democracia, antíteses e perigos……….p.47.
O tema é a legitimidade do Judiciário. Não pretendo discutí-lo, no entanto, abstraído da questão mais ampla, a da própria legitimidade estatal. No mundo e no Brasil, enfrentamos a crescente fraqueza do setor público para defender os cidadãos. Notamos a sua plena obediência a grupos poderosos das finanças, da guerra, da ilegalidade em geral. Cada povo enfrenta esse problema a partir de seu passado e presente. No campo histórico mundial brotaram as experiências políticas modernas que moldaram os vários Estados. Antes de debater as aporias dos nossos juizes, precisamos indicar a origem das formas democráticas ou tirânicas que definem o ambiente teórico e prático que marcam a própria sociedade brasileira em sua aventura no plano cosmopolita.
Em nosso país o Estado apresenta notável ausência de isomorfia na estruturação dos seus três setores essenciais e o assunto pode ser posto na lista dos grandes dilemas que ainda operam, para nós, em nível de constituenda Republica. Trata-se de um elemento que ao mesmo tempo é lógico, histórico, político.
Surgimos na cena mundial como terra independente após as grandes realizações políticas e jurídicas trazidas pelas revoluções Inglêsa (século 17), Americana e Francêsa (século 18). No mundo legado pelo império napoleônico, boa parte das conquistas daquelas revoluções foi atenuada ou abolida. O maior penhor da legitimidade, após os movimentos europeus mencionados, é a soberania popular. O golpe do Termidor cortou na base o principio daquela soberania e retirou o significado universal que ela adquiriu em momentos da Revolução Francêsa e que mantem até hoje, com muitos problemas, na Federação norte-americana.
Com a revolução inglêsa que radicalizou o protestantismo na vertente democrática Leveller, rompeu-se a imensa teia teológica e jurídica produzida para justificar o poder eclesiástico e o mando civil erguido contra ele. A idéia de uma igreja na qual fosse exercitado o sacerdócio comum dos crentes, segundo os preceitos da Reforma, conduziu às primeiras teses democráticas na Inglaterra do século 17, num translado teórico já habitual nos tempos anteriores, mas cujo sentido era inverso, pois seguia do instituto religioso para as formas do Estado.
1. O fundamento religioso da legitimidade.
Façamos um retrospecto do problema. A questão da forma e da legitimidade do poder, antiga como a cultura grega e latina que herdamos, recrudesceu no outono do feudalismo e ocasionou pensamentos jurídicos os mais contraditórios, todos relativos à obediência da multidão frente aos governantes e magistrados. Estes, para que pudessem ter suas determinações acatadas, precisavam bem mais do que a força física e o poder econômico. Eles tinham necessidade da forma noética definida por Max Weber como crucial em toda dominação: os valores deveriam ser próximos na consciência de líderes e liderados. Tal vínculo garante a legitimidade e a perene permanência dos governos e governantes.
Já em Bracton ( [2]) se define o debate sobre as bases pelas quais os dirigidos devem e podem obedecer aos reis e magistrados. O fundamento da adesão ao ordenamento legal imposto pelo governante e aprovado pela Igreja, era a realidade (na consciência cristã) do governante enquanto imitação do Cristo. Essa foi a maneira pela qual Bracton resolveu o problema, que ainda hoje nos assombra não do ponto de vista dos fundamentos, mas da eficácia legal, do governante e demais magistrados postos acima e abaixo da lei.
Na cultura religiosa, que ainda agora guarda muita influência em Estados aparentemente laicos como a França, existem paradoxos semelhantes e tão graves quanto aquele. Por exemplo, no caso da Virgem Maria, mãe e filha de Deus ao mesmo tempo (Nata nati, mater patris). No De legibus et consuetudinibus Angliae Bracton define do seguinte modo o poder do rei no problema indicado: “o poder do rei refere-se à geração da lei e não à injúria. E desde que ele é o auctor iuris, uma oportunidade para a iniuria não poderia nascer no mesmo lugar onde nascem as leis”. ([3])
Se o Rei é a fonte geradora da Lei, ele deve ser o seu intérprete maior e tem este poder porque gera a lei e não apenas gere a sua vigência. O paradoxo tem como base a fonte superior da Lei, o divino. Sem aquele elemento, o paradoxo é insolúvel como no caso da Virgem Mãe e Filha, se Deus não entrasse na economia do pensamento. Como diz Ernst Kantorowicks, “o rei é filho da lei, mas torna-se pai da lei”. E a sua legitimidade não apresenta maiores problemas desde que se atente para a base teológica que a sustenta. “O rei”, afirma então Bracton, “não tem outro poder, desde que ele é o vigário de Deus e seu ministro na terra, exceto isto apenas, que ele deriva da lei”.
Outra passagem de Bracton é eloqüente: “o próprio rei deve estar, não sob o homem, mas sob Deus e sob a lei, porque a lei faz o rei…Porque não existe rei onde domina a vontade arbitrária e não a lei. Ele deve estar sob a lei porque é vigário de Deus, o que fica evidente pela similitude com Jesus Cristo em cujo nome ele governa sobre a terra”. Cristo, embora Deus, pagou impostos ao Cesar e colocou-se sob a lei enquanto homem. O rei, como Jesus, é servus legis e dominus regis ao mesmo tempo. Mas ele só pode ser dito vicarius Dei se for fiel intérprete da lei e a ela submeter-se, mimetizando o Cristo. Neste caso, ele pode ser elevado acima da lei e se torna legislador (auctor iuris) mas de acordo com a lei. Caso oposto será um tirano. Se o círculo aparentemente vicioso da relação do rei como maior et minor se ipso se quebrar, e se desaparecer a interpretação correta da lei, o governante deixa o status de legítimo e tomba na situação de puro tirano. Recordemos a advertência de Bracton, retomada em todos os debates modernos sobre a distinção entre o governante legítimo e o tirano: onde nasce a lei não pode surgir a iniuria. Se isto ocorre, desaparece a legitimidade.Em termos teológicos, a obra de Bracton chega à seguinte solução : o rei é semelhante a Deus (sobre a lei) quando julga, legisla e interpreta a lei. Ele, como o filho de Deus, é homem comum (sob a lei) porque a ela se submete. Assim, o seu poder legitimo tem como fonte o divino, mas o ilegitimo radica no simplesmente humano.
Esse fundamento do governo legitimo condiciona a estabilidade do Estado e de suas instituições. O nexo estabelecido entre o rei e Deus prolonga o mandamento de que Nullum tempus currit contra regem (o tempo não corre contra o rei), o que implica no enunciado, também repetido millhões de vezes e mesmo em Bracton, de que Longa possessio parit ius (a longa possessão gera o direito). Tudo o que se liga aos bona publica é integrado no registro a-temporal e são res quasi sacrae. Para começar com o fisco : na singular teologia jurídica anterior aos tempos modernos, Bona patrimonialia Christi et fisci comparantur (pode-se comparar os bens patrimoniais do Cristo e do fisco). A questão anterior residia nos “bens de mão morta” . o que pertencia à Igreja não deveria passar ao Estado ([4] )
Da similitude a-temporal, extraem os defensores jurídicos do Estado a sua quase sacralidade. O Fisco, como Cristo, nunca morre. Cristo e Fisco tornam-se comparáveis quanto à inalienabilidade e à prescrição. O sacratissimus fiscus, na lingua dos juristas do rei, torna-se a alma do Estado. O fisco, como Cristo, também é onipresente, Fiscus ubique praesens.
Esse é um dos exemplos do hibridismo, tal como Kantorowicks nomeia, entre Igreja e Estado no instante do seu surgimento como potências oponentes, por volta do século 13 e seguintes. O ideal político e religioso, nos estertores da Idade Média, pode ser resumido no pensamento seguinte: a função do rei é fortalecer o sacerdócio, “apoiar a palavra dos padres pelo terror. Esta é a sua raison d´être (…) ele ajuda os sacerdotes inculcando o medo nos governados. Sem medo, conforme Isidoro, nenhum governo pode existir. O medo aparece como um estímulo ao povo para manter a lei”. ([5]) Quando esta função menor mostrou-se ineficaz, e cresceram as pretensões dos governantes laicos, o Estado se configurou como imitador e concorrente da Igreja. Esta, por sua vez, manteve as tentativas, cada vez mais inanes, de garantir para si os dois mandos, o espiritual e o terrestre. Por imitação recíproca e luta pelas prerrogativas de mando legitimo será definido, contra o corpus mysticum da Igreja, o corpus reipublicae mysticum. Cada uma das coletividades é entendida como persona repraesentata ou ficta. ([6]) Foi dado o passo importante para se pensar as questões políticas do Estado de modo institucional e não mais pelo carisma do governante em seu vínculo direto com o divino.
Não seguirei a apaixonante história dos embates entre os poderes, cujo ápice encontra-se no Tratado de Latrão entre Pio 11 e Benito Mussolini em 11 de fevereiro de 1929 e na Concordata de Império entre o governo legal de Hitler e a Santa Sé em 20 de julho de 1933. No imenso intervalo histórico que vai no sentido de abolir o fundamento divino como o requisito maior da legitimidade, temos o surgimento da razão de Estado e posteriormente da democracia.
2. A raison d´État e o segredo.
O segredo é algo que não pode ser atribuído apenas ao Estado e às suas instituições. Algo tão antigo na história humana —um teórico importante como Simmel diz que o segredo “é uma das maiores conquistas da humanidade” ([7]) —ele atingiu seu pleno sentido político na vida moderna. Com certeza, a prática do segredo passou das corporações aos setores administrativos, aperfeiçoando-se ao máximo.
Os momentos decisivos do Estado moderno, a sua inauguração enquanto poder secular e sem a tutela religiosa, se inicia com a necessidade urgente de saber sobre o que e sobre quem reinava o principe. As primeiras “receitas” de transparência, neste sentido, foram fornecidas por escritores que, mesmo sem pertencer mais à Igreja católica, percebiam a necessidade que sofriam os soberanos de saberes sobre o “corpo” social. É o caso de Nicolas de Montand, que prega uma espécie de desvelamento do social, seguindo um imaginário optico. É com base na visibilidade do governante que se pode alcançar a visibilidade dos governados. O primeiro é como “um cristal que tem a propriedade de penetrar todos os cantos e limites do Reino. Sua claridade atravessa as trevasm arruinam a obscuridade, e mostra os homens viciosos, inimigos de Deus, blasfemos, epicuristas, sardanapalos, ateus, sodomitas, assassinos e ladrões, massacradores, enganadores, e pallhaços de corte”. ([8])
Na busca dessa transparência, dá-se também a procura dos indivíduos que vivem de modo heterodoxo. Mas para chegar até eles, é preciso saber onde habitam os súditos do reino no seu todo, e quem são eles. Mas, Reynié, um especialista na problemática raison d´État, “dizer a população do reino, dar a superfície do território não são coisas fáceis”. Este autor deixa implícito, mas os Estados modernos, saídos a forceps do feudalismo e do controle eclesiástico, tinham fronteiras indefinidas, expandiam-se num sentido, retraiam-se num lugar ou noutro. Mesmo nos territórios mais seguros para o governante, os números eram errados ou fantasiosos.
E a pesquisa demográfica assume, a partir desse ponto, lugar estratégico, empurrada sobretudo por um projeto fiscal. Nas Crônicas da França, escritas por Pierre Desrey e publicadas em 1515, pode-se notar a suposta existência, naquele reino, de algo em torno de 1. 700. 000 torres de sino, o que determinaria a população do país em algo por volta de 600 milhões de habitantes. Este dado fantástico e fantasmagórico, foi repetido ao longo dos séculos XIV, XV, XVI. Outros escritores falaram em números ao redor de 112 milhões, etc.
Com esse “conhecimento”, impossível o controle efetivo do território e da população. “Uma verdadeira política fiscal tornava-se impossível. Os impostos, não podendo ser aplicados com o conhecimento das coisas, ameaçava ser gravemente injusto, ou com um rendimento muito inferior ao esperado. Os dois defeitos podiam cruelmente coexistir”. ([9]) A busca de um crescimento na arrecadação dos impostos e na modernização fiscal provocou o incentivo da estatística. Este movimento tem um marco relevante na publicação do livro de Jacques Coeur, Cálculo ou enumeração do valor dos ganhos do reino de França; relatórios e instruções para administrar o estado e a casa do rei e todo o reino. Título longo, próprio á época, mas preciso. Com semelhante procedimento, as incertezas orçamentárias começavam a receber alguma luz.
Com as guerras religiosas e as devidas à concorrência dos estados pelo domínio territorial, os avanços da arte bélica que incluiam novas tecnologias custosas, os governantes viram-se desde longa data, carentes de recursos. Já Filipe o belo buscou, por volta de 1302, aumentar as disponibilidades monetárias do seu país. A taxação do clero, por ele, produziu graves rupturas com a Igreja, gerando mesmo a Bula Unam Sanctam, onde o papa proclamou-se superior ao mando secular em matérias religiosas e políticas. Mas Filipe foi além, pois confiscou bens dos judeus (1306), suprimiu a Ordem dos Templários e ficou com os seus bens, tentou taxar o comércio de modo mais rigoroso, e chegou a taxar os senhores feudais. Instituiu-se no intervalo o pagamento de somas ao governo para que indivíduos fugissem do serviço militar, a venda do acesso à nobreza.
Um traço ainda hoje atual é todas as medidas acima, impostas por Filipe, foram proclamadas provisórias, e o rei prometeu não mantê-las….Contra aquelas atitudes, a Assembléia dos três estados se esforça por entravar, comenta Reynié, o ardor fiscalista dos soberanos. Nada conseguem, “os impostos provisórios tornam-se permanentes”…Do século 15 ao 17, os impostos crescerão e se multiplicarão.
Esse desenvolvimento é favorecido pela reorganização administrativa. Com o uso generalizado dos números arábicos, no século XV, surge a oportunidade do cálculo rápido e mais fácil. A partir de 1539, o registro dos atos torna-se obrigatório. Anota-se os batismos, com sua hora e seu tempo. Com Henrique III, os registros se abrem para as mortes e casamentos. O poder dispões agora, diz Reynié, de imensos livros que trazem o nome, a idade, a qualidade e o número dos súditos. “A preocupação estatística atinge todos os países, ocupa os espíritos avisados”. O espírito dos registros busca desvelar quem são os dirigidos e quais as suas riquezas potenciais ou efetivas.
Nos séculos posteriores a história registrou a exacerbação, pelos Estados, do conhecimento o mais exato de suas respectivas sociedades, e das outras as quais eles desejavam vencer na luta política, econômica, ideológica, religiosa. O acréscimo de força atribuído à razão de Estado não deixou um instante de se exercer em escala geométrica. Assim, a transparência dos governados aumentou (basta recordar todos os avanços da máquina fiscal, dos escritórios reais de contabilidade à Internet) e o controle de seus corpos e mentes seguiu a mesma velocidade no desvelamento diante dos governantes. A polícia, a espionagem, as escutas, as delações, toda uma panóplia de meios a serviço do poder civil e religioso conduziu aos piores abusos, nos tempos modernos e sobretudo nos séculos 20 e 21. A sociedade abre-se diuturnamente aos olhos e ouvidos dos poderosos. Trata-se de um desnudamento de almas e de corpos que seria insuportável em tempos pretéritos.
No início do Estado moderno, a legitimidade do governante no Antigo Regime ainda reside no divino. ([10]) Mas a razão de Estado afasta gradativamente o imenso arsenal de conceitos teológico-politicos de que dei alguns exemplos, para assumir pouco a pouco a linguagem do interesse de Estado. Neste processo, juristas e teólogos como Botero, em resposta ao desafio apresentado por Maquiavel, definem o uso legítimo dos poderes tendo como alvo manter e expandir os bens públicos. Já distante do corpo mistico da república e de sua a-temporalidade e tendo em vista as descrições realistas de Maquiavel sobre a aparência que atrai a submissão ou repulsa dos governados, Botero medita sobre as formas de se conservar o Estado, o que exige a tranqüilidade e a paz entre os governados. Para evitar as dissenções civís, ensina Botero, deve-se usar “aquelas artes que conquistam o amor e boa reputação para o principe por parte dos súditos (…) e a reputação é a força maior” na tarefa de manter a governabilidade legitima. Botero expõe a reputação do governante efetivando um extenso exame da justiça. a base da conservação dos Estados. ([11])
A nova linguagem da razão de Estado incorpora a prática do segredo para garantir o gabinete ministerial, lugar sagrado e onde não são admitidos os homens comuns. Esta forma de governo separa o governante, o rei sobretudo, das fontes divinas de controle. A Igreja ainda defende o segredo do Estado. É conhecido o voto do clero quando Luis 14 pediu recursos aos representantes dos Estados. O Terceiro pediu que as finanças do Rei fossem justificadas de modo público. “As finanças do Reino são como o Maná sagrado, no cofre do Templo. Apenas os iniciados podem alí penetrar”.
O segredo, aceito com reservas pela Igreja, tornou-se a marca dominante do Estado laico. Assim, temos de um lado a transparência dos súditos e de outro o segredo governamental. “O ministro, no sumo da escala social, impenetrável, não visto, nos meandros do palácio, no seu cabinet, é cheio da cabeça aos pés de segredos que ninguém deve conhecer e gostaria, pelo contrário, que o mundo dos governados estivesse exposto à uma luminosidade perene. O ideal de um Estado policialesco, de um governo forte e estável, é que tudo deve parecer claro e limpido, honesto e afetuoso, e no entanto tudo resulta obscuro, imerso na sombra. Se a razão de Estado significa razão de dominio, aquele termo pode também aludir (…) a certa profunda, intima e secretas leis ou privilégios feitos para garantir a segurança no senhorio, a qual Tácito nomeou arcana imperii”. ([12])
As técnicas empregadas pelos ministérios, desde o século 14 pelo menos, desenvolvem a escrita secreta e toda uma semiologia de comunicações reservadas. O ideal para um gabinete, enuncia Giovanni Machia, é que todos os súditos fossem analfabetos, sobretudo no campo das novas linguagens ocultas do poder. Foi este o espírito que moveu Johannes von Trittenheim na Polygraphia, cum clave enunclatorio (1518). O poderoso deve habituar-se aos arcana, às coisas escondidas, tal é o alvo da steganografia.
Se o secretário (a origem do termo é marcada pela própria palavra do segredo) e o governante devem ocultar tudo o que for possível aos que não têm acesso aos gabinetes eles, no entanto, devem descobrir tudo o que estiver na mente e no coração dos dirigidos. E técnicas foram geradas para esse fim. Por exemplo, a fisiognômica. Trata-se de ler nas faces dos liderados os seus verdadeiros intentos, como diz Antoine Mizauld, que redigiu um livro sobre a arte de “incontinente julgar pela atitude natural de cada um apenas pela inspeção da face e de seus lineamentos”. ([13]) Essas técnicas estavam postas no bojo de doutrinas ditas secretas, ligadas à alquimia, à astrologia, etc. No rumo de se produzir artifícios que permitissem ao governo tudo saber sobre as sociedades que dirigiam e tudo delas esconder, o nome do jesuita Athanasius Kircher é dos mais relevantes. ([14])
Kircher dominou conhecimentos enciclopédicos e possuia uma imaginação profética, sobretudo quando se trata de antecipar modos de comunicação e de controle dos seres humanos. Ele imaginou meios de investigação a serviço do príncipe e instrumentos que moviam os cinco sentidos : ideou um megafone para que o governo transmitisse ordens a lugares remotos; um sistema de espelhos para que os dirigentes enxergassem, à distância, todos os perigos; presídios especiais, com dutos auditivos para que o rei escutasse as inconfidências dos prisioneiros. Na figura abaixo, proposta por Kircher, temos a perfeita idéia da razão de Estado e do segredo em favor do governante:
Do gabinete, onde vive oculto, o príncipe ouve os cortesãos, embaixadores, etc. Não se trata apenas de um panopticon, ao modo das análises feitas por Michel Foucault sobre Bentham, mas também de acústica múltipla (só no desenho de Kircher são perceptíveis três enormes “ouvidos do poder”). Este ideal do governo que tudo enxerga, tudo ouve, tudo alcança, é a base lógica dos nossos serviços de informação.
Retomo os enunciados de G. Macchia, o governante “no alto da escala social, impenetrável, não visto, nos meandros do seu palácio, no seu gabinete, está cheio, da cabeça aos pés, de segredos que ninguém pode conhecer e deseja também que o mundo dos súditos seja exposto a uma luminosidade perene”.
Não ocorre mais, em termos efetivos, a legitimidade da origem divina, mas a imposição técnica do mando real. ([15]) Para fins de acesso ao poder, os rituais e as fórmulas religiosas ainda valem. Mas se deseja manter-se no poder, o governante precisa seguir as advertência dos pensadores que enfrentam a questão maquiavélica: ou existe a república e a cidadania, ou o poder está sempre sob ameaça e seu tempo é breve. Justo por isso, a necessária vigilância dos governados e o segredo dos ministros entram na pauta da raison d´état. Quando não se confia no povo é preciso dele esconder o máximo e dele arrancar o máximo. Esta é a tarefa da espionagem, da polícia, das delações, e de todo o aparato, inclusive estatístico, para se conhecer a real situação das sociedades que suportam os Estados. Quanto mais problemática, ambigüa, violenta é a questão da legitimidade religiosa do poder —a instituição estatal convive com as guerras mais cruéis, todas em nome da religião católica ou reformada— ([16]) mais o aparelho estatal engendra novas técnicas de controle e de ocultação.
Desse modo, se estabelece a heterogeneidade entre o mundo dos governados e o universo dos dirigentes. Como diz um comentador do problema, na aurora do Estado moderno “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa separar, apartar”. ([17] )
3) A democracia, o povo soberano e a accountability.
Se existe uma tradição antiga no pensamento político ocidental, ela se manifesta sobretudo quando se trata de se pensar a massa do povo. No romantismo do século 19 a entidade indicada com aquele nome é dita eminente como Deus, basta que nos lembremos do famoso Le Peuple, de Jules Michelet. Mas na história antiga a realidade designada como “os muitos” serviu aos pensadores que tentaram analisar a cidade Estado, sobretudo os avessos à democracia, como Platão. Na ordem latina, define-se o populo exturbato ex profugo, o improbante populo, o vulgus credulum, vulgus imprudens vel impudens, vulgus stolidum etc. ([18])
No início da modernidade, quando surge o Estado-nação, nas bases da tecnologia do poder reunida sob a raison d´État, dá-se a ruptura entre os governantes e os governados, sem as antigas formas religiosas de legitimidade aplicadas no cotidiano do poder. Lembremos que no período surgiram as guerras de religião, ocasiosanadas pela Reforma protestante. Esta foi a oportunidade, das revoltas alemãs às lutas na França (como no caso da barbárie da noite de São Bartolomeu), passando pela Inglaterra. Naqueles movimentos, para espanto do clero e da aristocracia, as massas populares aprenderam a desobedecer as ordens dos príncipes. Desse modo, a antiga imagem do povo se exaspera. É bastante conhecido no Brasil o texto de Etienne de La Boétie, O Discurso da Servidão Voluntária. ([19]) No final do século passado muito se falou da suposta linha libertária que vem de La Boétie e chega ao moderno anarquismo. ([20]) Pouco se analisou, no entanto, o importante escrito do mesmo autor intitulado Mémoires de nos troubles sur l´Édit de janvier 1562. ([21])
Devido às lutas religiosas na Guiana, a corte enviou o jovem magistrado aos locais para analisar e depois escrever um texto com sugestões políticas e jurídicas. Além de expôr a situação com letras claras e verídicas, ele indicou remédios amargos (segundo o conceito dos beligerantes de ambos os lados, católico e reformado) a serem impostos pelo governo. Dentre as propostas, uma aconselhava que os templos deveriam ser usados em comum pelas suas facções, em horários diferentes. Esta medida integra outras que seguem no rumo de estabelecer o mando laico sobre as tendências religiosas.
O mais relevante, entretanto, no suposto rebelde do Discurso da Servidão Voluntária, é a cautela frente ao povo. Seria preciso, se o alvo fosse instaurar a paz social e pôr um fim nas lutas instestinas em nome da religião, impedir que o populacho tivesse ilusões de poder político. Nas guerras religiosas que espalham “um ódio e maldade quase universais entre os súditos do rei”, cito La Boétie, o pior é que “o povo se acostuma a uma irreverência para com o magistrado e com o tempo aprende a desobedecer voluntáriamente deixando-se conduzir pelas iscas da liberdade, ou melhor, licença, que é o mais doce e agradável veneno do mundo. Isto ocorre porque o elemento popular, tendo sabido que não é obrigado a obedecer ao príncipe natural no relativo à religião, faz péssimo uso dessa regra, a qual, por si mesma, não é má, e dela tira uma falsa consequência, a de que só é preciso obedecer os superiores nas coisas boas por si mesmas, e se atribue o juízo sobre o que é bom ou ruim, e chega finalmente à idéia de que não existe outra lei senão a sua consciência, ou seja, na maior parte, a persuasão de seu espirito e de suas fantasias (…) nada é mais justo nem mais conforme às leis do que a consciência de um homem religioso temente a Deus, probo e prudente, nada é mais louco, mais tolo e mais monstruoso do que a consciência e a superstição da massa indiscreta”. ([22])
E arremata o magistrado: “O povo não tem meios de julgar, porque é desprovido do que fornece ou confirma um bom julgamento, as letras, os discursos e a experiência. Como não pode julgar, ele acredita em outrem. Ora, é comum que a multidão creia mais nas pessoas do que nas coisas, e que ela seja mais persuadida pela autoridade de quem fala do que pelas razões que se enuncia”.
Não estava solitário La Boétie nessa apreciação do povo, ([23]) e sua tese, possuindo antecedentes no pretérito, suscitou muitos e ilustres seguidores, sobretudo na filosofia da contra-revolução que definiu o pensamento sobre o Estado a partir do século 19. Edmund Burke, De Maistre, Donoso Cortés, De Bonald, Hegel ([24]) Augusto Comte, são apenas alguns dentre os nomes que se alinham nesta visão negativa do povo.
Em data muito próxima aos escritos de La Boétie um atilado analista da vida social, Gabriel Naudé, nas Considerações Políticas sobre os golpes de Estado (1639) fala do segredo e da desconfiança universal que obrigam o governante a ser preservar “dos engodos, ruindades, surprêsas desagradáveis” quando a massa está inquieta. E uma das surprêsas mais desagradáveis encontra-.se no golpe de Estado. Quando a crise de legitimidade se instala é preciso máxima cautela, diz Naudé, contra o animal de muitas cabeças, “vagabundo, errante, louco, embriagado, sem conduta, sem espírito nem julgamento….a turba e laia popular joguete dos agitadores: oradores, pregadores, falsos profetas, impostores, políticos astutos, sediciosos, rebeldes, despeitados, supersticiosos”. ([25])
Com esse retrato do povo, os teóricos que afirmavam a doutrina sobre a soberania popular não conseguiram demasiado audiências nas cortes e parlamentos aristocráticos. A universitas, communitas ou corpus dos autores que seguiam a tese da soberania popular sofreu críticas violentas desde os seus alvores. De outro lado, os que defenderam uma personalidade jurídica para o povo, tomaram pleno cuidado para que o povo não tivesse a sua soberania absorvida por seus representantes, Tal é o caso de Althusius, ([26]) Segundo Otto Gierke, “Já no final do século 13 a doutrina filosófica do Estado definiu o axioma de que o fundamento jurídico de todo governo residia na submissão voluntária e contratual das comunidades governadas. E foi por consequência declarado que por um principio de direito natural ao povo e apenas a ele, por natureza, cabia colocar-se como chefe (…) da essência do poder estatal, Bodin deduzia a transmissão necessariamente total e incondicionada da soberania ao príncipe; Althusius a impossibilidade de uma diminuição da soberania popular com base no contrato”. ([27]). O summus magistratus, para Althusius, era o povo, o que trouxe muitas objeções e escândalos na história subsequente.
É contra a massa daquele modo descrita que os autores favoráveis à monarquia de direito divino se colocaram, em vão, na Inglaterra do século 17. As convulsões sociais e políticas que reuniram todos os prismas da vida capitalista triunfante, após a Reforma de Henrique VIII, ergueram a formidável força popular traduzida em múltiplas facções, dos Levellers aos Diggers, mesclando religião e imperativos democráticos. Quando a cabeça do rei Carlos foi cortada, rompeu-se de vez o laço entre o corpo empírico do Rei e a divindade e no debate jurídico ao redor do tiranicidio e das formas de governo surge o grande princípio de todas as democracias dignas deste nome na modernidade: o princípio da accountability.
Essa exigência segue de par com a fé pública usufruída pelo governante. John Milton expressou com clareza os dois princípios: “… Se o rei ou magistrado provam ser infiéis aos seus compromissos o povo é liberto de sua palavra”. Estas frases inscritas em letras de ouro em The Tenure of Kings and Magistrates ([28]) definem o principio essencial da nova legitimidade política. O summus magistratus popular exige responsabilidade dos que agem em seu nome.
Milton retoma as propostas dos democratas inglêses. Não por acaso tais enunciados foram recolhidos pelo inimigo da democracia no período, Thomas Edwards, no seu catálogo de “heresias” que deveriam receber a pena de morte como castigo. O erro maior dos democratas, diz Edward, reside na afirmação seguinte: “ o poder supremo só pertence à Casa dos Comuns, porque só ela é escolhida pelo povo. O estado universal, o corpo do povo comum é o soberano terrestre, o senhor, rei e criador do rei, dos parlamentos, e todos os ministros da justiça. Majestade indeclinável e realidade residem de modo inerente no estado universal; e o rei, parlamentos, etc., são as suas meras criaturas que devem prestar contas a eles, os quais deles dispõem a seu bel prazer; o povo pode pedir de volta e reassumir seu poder, questioná-los, e colocar outros em seu lugar” (eu sublinho, RR) ([29])
Thomas Edwards era um pastor contrário à democracia, mas foi um acadêmico de primeira plana. Todos os seus enunciados baseiam-se em fontes (sobretudo delações) e documentos. Se consultarmos competentes historiadores da questão inglêsa no período, veremos que a veracidade dos enunciados atribuidos por Edwards aos democratas é confirmada. ([30])
As teses democráticas inglêsas repercutiram pela Europa inteira e integram o corpus doutrinário que formam Estados como a própria Inglaterra, a França, os EUA. As Luzes francêsas, além de outros aspectos, foram uma imensa tradução para o continente europeu do pensamento produzido na Inglaterra desde o século 16, de Francis Bacon (A Encyclopédie de Denis Diderot foi sempre acusada de ser uma ampliação ou mesmo plágio de Bacon), aos democratas do século 17 ([31]) O entusiasmo dos iluministas com o pensamento político inglês, sobretudo John Locke, é conhecido.
Nas obras dos iluministas, para não falar em Rousseau e seus pares, os princípios democráticos inglêses calaram fundo. Recordemos o que enuncia Diderot nas Observações que redigiu sobre o Projeto de Constituição que lhe foi apresentado por Catarina 2 da Rússia: “Não existe verdadeiro soberano a não ser a nação; não pode existir verdadeiro legislador, a não ser o povo; é raro que o povo se submeta sinceramente a leis que lhes são impostas; ele as amará, as respeitará, obedecerá, as defenderá como sua obra própria se é delas o autor (…) A primeira linha de um código bem feito deve ligar o soberano; ele deve começar assim : `Nós, o povo (e lembremos que este será o início da Constituição norte-americana : We the People…) ([32]) e nós, soberano desse povo, juramos conjuntamente essas leis pelas quais seremos igualmente julgados; e se ocorrer a nós, soberano, a intenção de mudá-las ou infringi-las, como inimigo de nosso povo, é justo que ele seja o nosso, que ele seja desligado do juramento de fidelidade, que ele nos processe, nos deponha e mesmo nos condene à morte se o caso exige; esta é a primeira lei de nosso código. Desgraça ao soberano que desprezar a lei, desgraça ao povo que suportar o desprezo em relação à lei”. ([33])
Temos retomada, nesta sequência frásica, a tese democrática exposta por Milton na Tenure of the kings and Magistrates, o covenant que liga quem governa ao povo, o único soberano, e a necessária responsabilização de todos os magistrados diante daquela soberania. Sempre que o administrador assume uma autoridade independente do soberano, ele dissolve o próprio Estado, esse diagnóstico de Rousseau é comum aos seus adversários das Luzes democráticas, como Diderot.
Robert Derathé registra o fato de que essa tese, com fortes conseqüências na feitura das leis, não existe na maioria dos países que hoje se julgam democráticos. Neles, "é raro que uma lei possa ser votada sem o assentimento do governo". E nos encontramos com o problema que atormentou os pensadores políticos da modernidade, nos inícios do Estado nacional. Erasmo se perguntava sobre o modo de educar o soberano para que ele não agisse sob o comando de suas paixões e de sua ignorância legal, e sob a tirania dos bajuladores. ([34])
Essa foi a tarefa assumida, agora em escala imensa, pelos governantes que administraram a República Francêsa depois que outra cabeça real foi cortada. Como educar a cidadania para que ela exerça o poder soberano, sem cair nas mãos dos demagogos? Apenas depois de 1791, por exemplo, Robespierre se convenceu de que a Assembléia Nacional não tinha força para vencer os inimigos da França e insistiu sobre a soberania popular. No discurso Sobre a Constituição (10/05/1793) ele toca a aporia ainda hoje irresolvida nos Estados republicanos que se julgam democráticos: "Dar ao governo a força necessária para que os cidadãos respeitem sempre os direitos dos cidadãos; e fazer isto de um modo tal que o governo nunca possa violar estes mesmos direitos". O governo, continua, "é instituído para fazer a vontade geral respeitada. Mas os governantes possuem uma vontade particular: e toda vontade particular tenta dominar a outra". Qualquer constituição deveria "defender a liberdade pública e individual contra o próprio governo".
A solidez de uma Constituição se baseia "na bondade dos costumes, no conhecimento e no sentido profundo dos sagrados direitos do homem". Tangido pelas massas e pelos contra-revolucionários de todos os matizes, dentro e fora da Convenção, o setor jacobino encarou o problema do governo comum e suas diferenças com o governo revolucionário. O primeiro conserva a República, o segundo funda a mesma. O governo revolucionário extrai sua legitimidade da "mais santa dentre as leis, a salvação do povo" e da necessidade. Governo revolucionário não significa "anarquia nem desordem. O seu fim é, pelo contrário, reprimir as duas coisas, para conduzir ao domínio das leis (...) quanto maior o seu poder, quanto mais sua ação é livre e rápida, tanto mais é necessária a boa fé para dirigi-lo". (Robespierres, Relatório apresentado em 25/12/1793 à Convenção, em nome do Comitê de Salvação Pública). A mudança de "soberania popular" para "ditadura" é clara. A última salva o povo. ([35])
E se os ditadores usufruírem o poder para si apenas? A resposta de Robespierre desalenta: o ditador deve ser virtuoso. Na Convenção jacobina o governo, para "instituir" a República torna-se "superior" à população. Enquanto isso, os sans culotte, nas Assembléias Populares, insistiam na idéia e na prática da soberania do povo e na revocabilidade tanto dos deputados (chamados por eles "mandatários") quanto dos juízes e demais servidores públicos. Em 1º de setembro de 1792, a seção "Poissonière" declara: "considerando que o povo soberano tem o direito de prescrever aos seus mandatários a via a ser seguida para agir conforme a sua vontade", os deputados deveriam ser discutidos, aprovados ou reprovados pelas Assembléias primárias. A Assembléia Geral do "Marché-des-Innocents" decidiu, em 25 de agosto de 1792," que os deputados serão revocáveis por vontade de seu Departamento", bem como "todos os funcionários públicos".
4) Educação do povo soberano no Estado de direito.
O problema de educar o povo para a soberania exigiu esforços dos autores democráticos, sobretudo dos que não seguiam a linha iniciada por Rousseau. ([36]) Diderot, no Projeto de uma Universidade para a Rússia indica esta missão : “Universidade é uma escola cuja porta está aberta indistitamente a todos os filhos de uma nação e onde mestres estipendiados pelo Estado os iniciam no conhecimento elementar de todas as ciências (…) a bem dizer, uma escola pública não é instituida senão para os filhos de pais cuja módica fortuna não bastaria para a despesa de uma educação doméstica e cujas funções quotidianas os devsiariam do cuidado de fiscalizá-la. É o grosso de uma nação”. ([37])
Entusiastas de Francis Bacon e da ampla democracia dos saberes, os enciclopedistas e seus discípulos, como Condorcet, se preocuparam com a formação intelectual das massas populares, conditio sine qua non da ordem democrática moderna. Democracia exige eleições. Mas estas últimas podem ser um descaminho e servirem para deseducar o povo soberano. Como expõe François Dagognet, os escrutínios trazem respostas incertas e não raro enganosas. É este o perigo pressentido pelos enciclopedistas e por Condorcet. Mesmo e talvez sobretudo num Estado democrático, “o poder se imiscui na operação eleitoral e a influencia: ele deseja demais uma ´representação´ que lhe seja favorável. E se misturam, nos atos eleitorais, três ´imagens´ : a real, se a palavra guarda ainda um sentido, a normativa ou potencial, porque se trata se conseguir uma direção no futuro, e a desejada e querida, porque os manipuladores tendem a se perenisar e se empregam na desregulamentação dos indicadores. E, com efeito, os modos de escrutínio contam mais do que o resultado final, poide deles depende”. ([38])
E agora começamos a unir os fios. O soberano empirico, o rei, na instauração do Estado, foi conduzido ao segredo em decisões mais duras da ordem política. O soberano popular segue o mesmo rumo no instante em que sua prerrogativa se manifesta em plenitude : a hora do voto. Alí, supostamente, reina o segredo. Todos conhecem a passagem de Montesquieu sobre o assunto no Espírito das Leis, mas a cito: “A lei que fixa a maneira de conceder os bilhetes dos sufrágios é ainda uma lei fundamental na democracia. É uma grande questão se os votos devem ser públicos ou secretos. Cicero escreve que as leis que os tornaram secretos nos últimos tempos da república foram uma das grandes causas de sua queda”. Montesquieu recusa o segredo do voto e afirma que “sem dúvida, quando o povo vota, este voto deve ser público e isto deve ser visto como uma lei fundamental da democracia. É preciso que o povinho (´petit peuple´) seja esclarecido pelos principais e contido pela gravidade de certos personagens”. ([39])
Todos conhecem também as recusas de Rousseau desse segredo do voto, elemento deseducador por excelência. Segundo o Contrato Social, nas antigas repúblicas virtuosas, “cada um tinha vergonha de dar publicamente seu sufrágio a uma opinião injusta ou a um assunto indigno, mas quando o povo se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o segredo fosse instituido para conter os compradores pela desconfiança e fornecer aos salafrários (´fripons´) o meio de não serem traidores”. ([40])
Condorcet foi um dos opostos ao voto secreto. Mas suas razões seguem além das enunciadas por Montesquieu e Rousseau. Ele é o autor de projetos de educação popular ao modo das Luzes, e ao mesmo tempo é um dos mais profundos conhecedores dos problemas matemáticos suscitados pelas eleições. Da caixa onde os votos são depositados, tudo pode sair, inclusive servidão. Ele mostrou como o voto simples, o sim e o não, traz o arbitrário quando se trata de decidir entre diferentes programas ou vários candidatos, três pelo menos. Este é o sentido do famoso “paradoxo de Condorcet”, na verdade uma atualização do “paradoxo de Bordas”. Com este tipo de escrutinio tem-se a maior probabilidade de transformar a maioria em minoria, e vice versa. “É possível”, escreve Condorcet, “se houver apenas três candidatos que um entre eles tenha mais votos do que os dois outros e que, entretanto, um desses últimos, aquele mesmo que teve menor numero de votos, seja realmente olhado pela pluralidade como superior a cada um dos seus concorrentes”. Condorcet, após demorada análise de fundo matemático enuncia que numa eleição assim, o mais contestado pode ser eleito, enquanto o melhor, na hipótese de um escrutínio plunominal, foi eliminado. ([41])
O paradoxo exposto no Essai sur l'application de l'analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix reapareceu na Europa e sobretudo nos EUA nos últimos tempos. Na Europa, após o trauma alemão que permitiu eleger um partido absolutamente contrário à democracia e ao Estado de direito, possibilitando uma das piores aventuras totalitárias, sempre em nome do Povo. E nos EUA, o paradoxo de Condorcet é discutido com paixão depois das últimas eleições presidenciais. ([42])
5) Legitimidade, segredo, democracia.
Passados os totalitarismos a legitimidade estatal, incluindo-se todos os seus setores, em particular o Judiciário, apresenta agudos problemas. As multidões não foram ensinadas ao voto segundo o cálculo das probabilidades, como desejava Condorcet. No Termidor, a massa popular perdeu a soberania e foi substituida pelos proprietários, seguindo a receita de Boissy d´Anglas em discurso de 5 Messidor, ano 3: "Devemos ser governados pelos melhores (...) ora, com poucas exceções, só podemos encontrar semelhantes homens entre os que, possuindo uma propriedade, são apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à tranqüilidade que a conserva".
Para o termidoriano, o país é o receptáculo da propriedade. A lei não é máxima derivada do nexo entre princípios e situação. Ela é o que protege a propriedade. As exigências do povo, a accountability e a destituição do governante, para o termidoriano, não importam. O seu alvo principal é a tranqüilidade. "Se forem dados a homens sem propriedade os direitos políticos, sem reserva, e se eles sentarem nos bancos legislativos, eles excitarão ou deixarão excitar agitações sem temer os efeitos; eles estabelecerão ou deixarão estabelecer taxas funestas ao comércio e à agricultura, porque não terão sentido, nem temido, nem previsto, as terríveis conseqüências, e eles nos precipitarão enfim nas convulsões violentas das quais estamos apenas saindo". ([43]) Com Napoleão e sua ditadura, toda ela um imenso maquinismo operado pelo segredo, não foi preciso aos termidorianos se preocupar com a soberania dos sem propriedade. Quando Napoleão caiu, estavam dadas as condições para o fim da doutrina e da prática da soberania popular direta. O regime parlamentar tomou o centro decisório. Mas a idéia representativa teve um enorme obstáculo no seu caminho, exatamente as formas de poder que a dispensaram nos regimes totalitários do Leste e do Oeste.
6) Uma reflexão sobre Carl Schmitt.
O voto secreto e o segredo de Estado conduziram a tiranias, como a nazista, as quais destruiram todo direito democrático e toda justiça. A resposta do poder ao segredo do voto foi o recrudescimento e a manipulação inaudita do segredo de Estado. Infelizmente, precisamos nos referir a Carl Schmitt, o autor do importante livro A ditadura, das origens da idéia moderna de soberania à luta de classes proletárias (1921), onde se descreve a lógica dos golpes de Estado e das normas impostas pelos que sobem ao poder por seu intermédio.([44]) É dele a mais famosa fórmula do golpe de Estado: “Soberano é quem decide sobre o estado de exceção”. ([45]) O jurista germânico ao contrário do que afirma Han Kelsen pensa que o problema da soberania ainda existe
no mundo moderno. ([46]) Mas Schmitt é coerente crítico da soberania exercida pelos Parlamentos, na encruzilhada supostamente sem esperanças do sistema representativo ([47]). Conduzindo as palavras à sua mais lógica expressão, Schmitt mostra que a democracia quer dizer “soberania popular”. Falando-se seriamente em democracia, pensa Schmitt, só o povo pode decidir o seu destino político e jamais os deputados. A expressão “democracia representativa” é apenas um meio de enganar as massas. Da impossível democracia, por culpa da política liberal, Schmitt segue rumo ao poder do Chefe do Estado, o protetor da Constituição que exerce a soberania acima dos entraves da legalidade e das regras. O dirigente opera segundo a lógica da excepcionalidade. Em O Protetor da Constituição, ([48]) encontra-se a referência ao Poder Moderador, tal como definido no Império Brasileiro. A importância daquele poder situa-se, justamente, no controle da soberania popular ou das pretensões parlamentares.
O ponto estratégico encontra-se na defesa da exceção, mais relevante do que a regra (defendida pelos liberais). A exceção nega a soberania popular ao modo jacobino e permite a Schmitt o retorno ao Leviatã. Schmitt encontra alí o estratagema ditatorial, sempre apto para ser usado por todos os que negam a forma democrática. Em Hobbes, julga Schmitt existiria a tese de um “governo que pode se reclamar da necessidade concreta, do estado das coisas, da força da situação, para outras justificações não determinadas pelas normas, mas pelas situações (…). Isso encontra o seu princípio existencial na adequação ao fim, na utilidade (…) na conformidade imediatamente concreta das suas medidas”. ([49]) A ditadura, resposta adequada para a exceção, não precisa da legitimidade ao modo antigo e prescinde da legalidade positiva. Sua força reside no fato de que ela emerge na crise, quando as formas jurídicas não garantem o povo e o Estado. “No caso de exceção, o Estado suspende o direito em virtude de um direito de auto-conservação”. ([50]) Esta é excusa assumida em todos os modernos golpes de Estado.
7) O segredo e a democracia, antíteses e perigos.
Essas considerações sobre Carl Schmitt não foram suscitadas por mim sem finalidade certa. Nele e em suas categorias do inimigo e do inimigo na luta política estatal e civil, temos um prenúncio do que se passa em nossos dias nas grandes formações democráticas do Ocidente. Seja porque o jurista —apesar de totalitário— previu situações emergentes, seja porque seus discípulos (como Leo Strauss), ao circular as teses sobre o segredo e a mentira no Estado prepararam nos EUA e demais nações democráticas o caminho das práticas que ele descreveu, Schmtt fornece pressupostos para se conceituar as máquinas de guerra e de segredo que tomaram conta dos Estados e tendem hoje a conduzir o mundo, na era do terrorismo e do suposto terrorismo, ao caos sangrento, às torturas, à desobediência das mais comezinhas regras de direito público internacional.
Um comentário exato desse status que relembra o papel de Schmitt, encontra-se no artigo de Eva Horn, do qual cito um trecho: “permeado pela guerra em sua dupla essencia e natureza , a inteligência não liga-se ao tipo de poder tipificado pela soberania estatal, mas por aquilo que Gilles Deleuze e Féliz Guattari descrevem como ´a máquina de guerra´, um movimento múltiplo de deslocamento no território tão oposto aos princípios de hierarquia e estratificação do ´aparelho estatal´. Geurra é rapidez, segredo, violência, astúcia, enquanto o Estado é entendido como um ´estrato´, fixidez e enraizamento num lugar, representação, o fim do bellum omnium contra omnes: a lei. A máquina de guerra, segundo Deleuze e Guattari, é externa ao Estado, mesmo quando elementos da máquina de guerra podem ser integrados no aparelho de estado na forma de exército, polícia, e serviços de inteligência. A máquina de guerra consiste em ´furor´em vez de ´moderação´. O guerreiro, escrevem Deleuze e Guattari, ´é como uma multiplicidade pura e desmedida, uma irrupção do efêmro e do poder de metamorfose. Ele corta o vínculo porque trai o pacto. Ele traz o furor contra a soberania, uma celeridade contra o que é grave, o segredo contra o que é público, um poder contra a soberania, a máquina contra o aparato´. A máquina de guerra é o nome dado por Deleuze e Guattari para o inimigo ilimitado, uma dinâmica de que tudo o que se aparenta à guerra: sua capacidade de metamorfose e camuflagem, para rapidez e relação estratégica no espaço. Segredo e traição de segredos, desinformação e violação de tratados, propaganda e e conspiração são elementos da máquina de guerra, que não pode ser inserida sob os principios da soberania nacional. É o moderno partisan, o clandestino e lutador irregular´ que poderia ser chamado a corporificação paradigmática da máquina deleuziana de guerra”. ([51])
As últimas frases citadas por Eva Horn, o leitor avisado já sabe, naturalmente, que foram elaboraras por Carl Schmitt na famosa Theorie des Partisanen ([52]). As consequências dessa corrosão do Estado trazem desgraças para o mundo de hoje e futuro. As guerrilhas e as formas rápidas de luta contra inimigos mais fortes serviram nas lutas de libertação nacional, da Espanha de 1808 ao Vietnã. Mas as “máquinas de guerra”, geradas para enfrentar os movimentos guerrilheiros e inseridas nos Estados que colonialistas e imperiais dos séculos 19 e 20, aprenderam as lições da guerrilha. Elas agem no interior do Estado, na fímbria da ordem constitucional. Com o segredo e a tortura, essas máquinas de guerra conduzem uma política marcada pela razão técnica, sem as cautelas diplomáticas que asseguraram a razão de Estado. Os desastres do Vietnã, da Argélia, do Iraque marcam a crônica dessa política armada e sem publicidade.
Por outro lado, os movimentos que apelaram para a guerrilha, em muitos países, seguiram para a desestabilização do Estado de direito e para a truculência ditatorial. O Camboja revelou-se como o máximo de horror nesta linha, com milhões de seres humanos trucidados nos campos da morte. Mas Cuba, que exemplifica uma ditadura surgida de movimentos partisans, tornou-se um problema quase sem solução no século 21.
O segredo e a máquina de guerra, num polo da vida política mundial e os terroristas que usam técnicas de guerrilha combinadas com sacrifícios rituais de corpos (os atentados suicidas), usurpam de maneira tirânica todas as prerrogativas legítimas do poder. Permito-me citar um trecho de meu livro O Desafio do Islã, num capítulo dedicado à razão terrorista: ”O terrorista e o poderoso refletem mutuamente os seus instrumentos e liturgia de mando repressivo. Os três monopólios do Estado moderno para se exercitarem em democracia supõem o controle cidadão, múltiplas vontades e pensamentos reunidos de modo transparente e universal. Os três monopólios são exercidos pelo terrorista e por seu grupo banindo-se todos os demais entes humanos e qualquer debate ou transparência. O terrorista, sem receber votos faz-de poder legislativo e decreta leis que devem ser atendidas por toda e qualquer pessoa, mesmo que esta as desconheça. O terrorista, sem eleicão, faz-se poder Executivo de modo ditatorial e arranca bens e recursos vários de qualquer indivíduo ou grupo. O terrorista, sem mando legítimo, faz-se Judiciário e só ele julga com Justiça plena o mundo e seus habitantes. Ele também exerce o poder de policia, de espionagem, chegando a ser, ele também, o carrasco que verte sangue sem culpa , atributo dos mais antigos governos. Entre terroristas, a pena de morte é norma, e contra ela não existe apelo nem recurso. Enfim, a opiniã pública é manipulada pelo terrorista, sem que seja permitida a réplica e direito de resposta. Ou o mundo aceita a verdade, que por definição é a dele, ou está imersão na mentira. Os Estados oficialmente constituidos, mesmo levando-se em conta as salvaguardas democráticas, tendem a ultrapassar as cancelas que protegem as mútiplas éticas dos setores estabelecidos em seu interior, passando perigosamente da forma democrática a exclusiva raison d´état, chegando rápido ao terrorismo de Estado. A China, que no atual momento apoia a cruzada antiterror dos EUA, e um poder policial terrorista que persegue fins próprios na cena internacional, fazem exatamente o jogo de seus interesses de Estado. Do apoio ao golpe de Pinochet aos massacres da Paz Celestial, a China segue seu ritmo de potência em ascensão.”. ([53])
Com o fim da Segunda Guerra, a Guerra Fria e o Macarthismo nos EUA, bem como o recrudescimento das ditaduras comunistas e anti-comunistas no mundo, o segredo aumentou sua abrangência até o inimaginável. Se os países socialistas, que supostamente eram repúblicas populares, quebraram todos os preceitos da accountability e da fé pública, em proveito dos governos, algo similar ocorreu na Europa e nos EUA.
Hannah Arendt afirma que a vida totalitária moderna deve ser entendida como reunião de “sociedades secretas estabelecidas públicamente”. ([54]) O paradoxo é só aparente. Hitler examinou os principios das sociedades secretas como corretos modelos para a sua própria. Ele promulgou em maio de 1939 algumas regras para o seu partido: primeira regra: ninguém que não tenha necessidade de ser informado deve receber informação. A segunda : ninguém deve saber mais do que o necessário. A terceira: ninguém deve saber algo antes do necessário. ([55]) O segredo marca as administrações que buscam corroer as conquistas democráticas e as garantias jurídicas. Os governos de países democráticos que abusam do segredo agem de modo muito similar ao recomendado por Hitler.
O líder nazista publicou seus programas, mas apenas os “militantes” nele acreditaram. Os demais, com a força da propaganda, tornaram-se enceguecidos diante das tremendas desgraças anunciadas. Assim, os antigos adversários do Partido, “os aderentes ao grupo…aceitaram como verdadeiras as asserções públicas e, por isso, mostraram-se indignos de receber a verdade secreta e integrarem a elite” do regime. O nazismo e os demais ensaios totalitários levam ao paroxismo a separação entre dirigidos e dirigentes, entre governantes e cidadãos comuns. A razão encontra-se nos primeiros, a credulidade nos segundos. ([56])
Seguindo a lição de Norberto Bobbio: “Governo democrático é o que desenvolve sua atividade em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos porque todos os cidadãos devem estar em condições de formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria periodicamente à urnas, e em quais bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou de recusa?”. O jurista prudente e cauteloso não esquece a violência frásica necessária para acusar o abuso do segredo por governos eleitos democráticamente: o poder oculto “não transforma a democracia, a perverte. Ele não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus orgãos essenciais. Ele a assassina”. ([57])
A democracia moderna surgiu com a tese da necessária accountability do governante. A radicalidade dos democratas inglêses rendeu frutos na Europa e na América do Norte. Os seus postulados suportam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas nem todo o planeta aceita ou pratica os princípios da fé pública e da plena responsabilização. Nas terras democráticas, a raison d´État pratica o segredo que ameaça direitos e a liberdade de imprensa.
Políticos como Woodrow Wilson, insistiram sobre o elo entre fé pública e responsabilidade, o que deveria atenuar o segredo de Estado. ([58]) A recusa, durante a Guerra Fria, dos elementos jurídicos e políticos que definem a accountability levaram os governos norte-americanos (e boa parte do mundo ocidental) à desatenção ou quebra de padrões democráticos. Isto redundou em prejuízo para os povos das terras hegemônicas e calamidades para os dominados, do Vietnã ao Chile e deste ao Irã e Iraque. O segredo permitiu casos como o Irã-contras, a ajuda aos Talibãs, cuja ascensão ao poder foi entendida como vitória sobre a quase defunta URSS. O segredo permitiu que nas duas guerras do Iraque informações vitais fossem negadas ao público mundial. A administração G. W. Bush conduz o segredo ao máximo ([59]) possível, incluindo-se o engano usado deliberadamente, como nas supostas armas de destruição em massa. O segredo ajudou a embaralhar interesses de grupos privados e assuntos de governo, como nas licitações para a reconstrução do Iraque ao redor do petróleo, e serviu para abafar abusos insuportáveis aos presos políticos naquele país.
A administração Bush emprega meios segretos para atingir alvos internos e internacionais, não raro retrocedendo na política doméstica, quando se trata do mesmo segredo. Em abril de 1994, foi editada uma Public Law (número 103-236) do governo estadunidense criando uma Comissão para reduzir o segredo governamental, tendo a frente Daniel Patrick Moyniham, do Partido Democratico, antigo membro de gabinete dos presidentes Kennedy, Johnson, Nixon and Ford. A comissão publicou um relatório (3/05/1997) cujas palavras iniciais eram as seguintes: "It is time for a new way of thinking about secrecy." Após essa tentativa, com o governo Bush, a velha agenda do mundo secreto retomou a iniciativa. Talvez com uma derrota eleitoral do presidente, volte a ser tempo de se pensar o secredo nos EUA.
A tensa passagem do secreto ao público define o destino da democracia. Assistimos, nos últimos tempos, a derrocada quase absoluta de governos democráticos diante de forças antigas da vida social, com religiões que pretendem retornar à legitimidade com base no divino e novas forças, como o onipresente e onisciente “mercado”. Em nome da “confiança” deste último, programas expostos em longos anos aos cidadãos seguem para o vazio absoluto. Com base no segredo, “planos” econômicos são impostos, lesando os contribuintes em nome de interesses alheios aos seus países. Por outro lado, grupos terroristas atacam os três antigos monopólios estatais, a começar com o da força física, ameaçando o monopólio da norma juridica. Ao mesmo tempo, os sistemas de narco-tráfico (não raro, como no Afeganistão, unidos ao terror) desafiam todos os tribunais e governos, amealhando cúmplices nos três poderes do Estado.
No Journal of Public Policy, James March e J. Olsen tratam o nosso tema em plano atual ([60]) e afirmam : a política social democrática não perdeu sentido, mas a “confiança nas instituições públicas foi erodida”. Os autores apontam para duas direções nas críticas ao Estado e à sua soberania : “um tema frequente é a necessidade de descentralização, incluindo a transferência de tarefas e de autoridade aos governos locais ou regionais, agências administrativas frouxamente ligadas às instituições políticas centrais, instituições quasi-governamentais, e o setor privado. Propósitos de privatização, desregulagem, e desburocratização refletem, pelo menos em parte, desacordo com os estorvos à autonomia individual”. Isto, de um lado. De outro, temos a crítica sobre a “falta de direção central (vis-à-vis os interesses de grupos públicos ou privados). O sistema político é pintado como tendo-se rendido aos grupos maiores e bem organizados”. Esta segunda crítica, “exige a atenção à economia e à sociedade em sentido amplo, para fazer as instituições servirem a sociedade abrangente e não apenas a uma de suas partes”. Esta aporia contemporânea, com as teses de um desmantelamento dos serviços públicos, e as respostas de fortalecimento do Estado, como indiquei ao longo das considerações anteriores, raízes velhas e carcomidas. Mas sem que semelhantes traços sejam pensados, as respostas em favor de uma via ou de outra mostram-se superficiais ou demagógicas.
A questão do segredo é essencial para se refletir sobre o futuro democrático ou tirânico. Os governos seguem o rumo de exasperar a prática de esconder aos cidadãos os pontos maiores das políticas no setor público. Entramos no paradoxo maior: o público é definido fora do….público. A opacidade estatal atinge níveis inéditos, contra todos os anseios das Luzes e das revoluções inglêsa, americana, francêsa. Retomo Norberto Bobbio: “o inadmissível num regime democrático é a existência de um poder invisível que age ao do poder estatal, ao mesmo tempo dentro dele e contra ele, concorrendo com ele em certos aspectos, sob outros conivente, que se vale do segredo não para acabar com ele, mas para servi-lo”. Termina o grande jurista: “no Estado despótico o soberano enxerga sem ser visto.” ([61])
Se os governos agem de modo secreto, os terroristas fazem o mesmo. Aliás, segredo é fonte de terror governamental e dos grupos intolerantes que afirmam lutar pelo divino. O segredo gera corrupção em massa, arbítrios, torturas, desesperanças. É conhecida a fabula de Giges, narrada por Platão e por Rousseau. ([62]). Glauco toma a palavra após Sócrates silenciar o virulento Trasímaco, o apologeta da força como base das leis. Os cidadãos, diz Glauco, não praticam a justiça por ela mesma, mas apenas porque têm medo do que lhes ocorreria se não obedecessem a norma legal.
Se todos pudessem ficar invisíveis, afirma Glauco, os seus atos seriam violentos e nada apegados à justiça. E expõe a faculdade concedida a Giges, “um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a um grande tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Espreitando…viu um cadáver…com um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu…Estando com os outros pastores, deu uma volta no engaste do anel para dentro e…. tornou-se invisível…passou de novo a mão pelo anel e tornou-se visível….Assim, senhor de si, logo se fez nomear delegado junto do rei. Ele seduziu a mulher do soberano e com auxilio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder”. Lição de Glauco: “ninguém é justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que a justiça não é um bem para si, individualmente, uma vez que, se julga ser possível cometer injustiças, comete-as”.
São postas, nessa passagem platônica, as aporias da obediência e da legitimidade. Mas saliento o problema do segredo. Os governos e grupos terroristas (mesmo os narco-traficantes) operam escondidos dos olhos públicos. É como se partilhassem o anel de Giges. Quando lhes interessa ou se não é mais possível fugir nas trevas, surgem à luz do dia e desejam impôr à cidadania o pagamentos pelos seus erros. Mas se querem anular a soberania dos contribuintes, colocam os anéis. Desse modo, anulam qualquer fé pública e jogam as pessoas na desobediência à lei, na prática do segredo (não é de outro modo que as fraudes várias são praticadas). O poder mascarado, enuncia Bobbio, assassina o Estado, como Giges matou o soberano legal do seu país.
Tudo isso envolve a legitimidade do poder judiciário: se o Executivo mergulha nas sombras —sempre que lhe é conveniente— e se o Legislativo com ele pactua, qual lei pode ser legítima e aplicada com justiça pelos tribunais? Cito apenas um caso de recente memória, as discussões sobre a crise energética que foram “resolvidas” pelo STF, o qual julgou constitucionais as fórmulas adotadas pelo Executivo para enfrentar o famigerado “apagão”. O tribunal afirmou que o povo não cumpriria as metas de economia de eletricidade se as determinações do governo fossem declaradas inconstitucionais. Os juízes, desse modo, deram ao povo um atestado de minoridade. Os togados poderiam, com justeza, argumentar de outro modo evocando a emergência em que o país se encontrava, os riscos públicos. Se, além disso, conclamassem os escorchados contribuintes para que ajudassem a superar as dificuldades geradas por uma administração que tinha sido imprudente no setor. Com o beneplácito do STF, o Executivo deu mais uma volta no parafuso autoritário que lhe permite legislar na realidade, dispensando parlamentos.
A decisão mencionada aumentou a ruptura entre governados e governantes, arruinou ainda mais a fé pública, pois impediu o convívio democrático no plano horizontal. A decisão afirma que só com castigos o povo colabora nas obras coletivas. Observe-se que o segredo definiu a política governamental. As causas da crise energética chegaram a ser atribuídas por membros do Executivo a “um raio”. Outras mentiras foram inventadas, antes do efetivo surgir no horizonte, por “culpa” da imprensa. A população, até hoje, é penalizada no caso da crise energética: pagou por erros que não cometeu e paga porque as concessionárias não puderam utilizar o que precisavam para obter lucros. Se os cidadãos recebem um tratamento assim, como lhes falar de poder legítimo?
Como pensar, nessas condições, a legitimidade do Judiciário no século 21 ? Se o Estado brasileiro tem como fonte eleições onde o povo soberano é ordenado pela propaganda, o mais frequentemente enganosa, e se as mesmas eleições, na sua forma, podem ser ilegítimas, como seguir a via que leva à obediência universal da lei? Por todos esses motivos, preferi indicar alguns problemas, sobretudo o campo do segredo e da razão de Estado no vasto âmbito sugerido pelo título da palestra. Outros problemas devem ser expostos pelos demais conferencistas. Espero que minha fala tenha trazido alguma ajuda na tarefa de pensar as aporias do Estado democrático de direito em nossa terra. Roberto Romano
[1] Texto provisório. Por gentileza, citar apenas após consulta ao autor.
[2] Jurista do século 13, que viveu sob o Rei João e morreu sob Henrique 3, na aurora da Carta Magna. Seu escrito, Laws and Customs of England (1240 – 1260) constituem uma enciclopédia juridica fundamental para o conhecimento do direito na Inglaterra de seu tempo.
[3] Citado por Ernst Kantorowicks, The King´s two bodies (Princeton, New Jersey, 1970) p. 155. Este passo inteiro de minhas análises baseiam-se neste autor.
[4] Este ponto serviu no Estado brasileiro para definir situações estratégicas das elites liberais e das comprometidas com os projetos ultramontanos). Analisei esta questão, com detalhes em Brasil, Igreja contra Estado (SP, Kayrós, 1979).
[5] Para o debate jurídico entre Igreja e poder laico, na Idade Média e inícios da urbanização que assegurou o Estado nacional e o Estado cidade, cf. o clássico de W. Ullmann, The Growth of Papal Government in the Middle Ages. A study in the ideological relation of clerical to lay power. London, Methuen & co., 1955. Para o medo e a função do rei, cf. op. cit. p. 29-31.
[6] cf. J.A. Watt: The theory of papal monarchy in the thirteenth century. The contribution of the canonists. NY, Fordham Univ. Press, 1965. Para os choques entre os poderes, cf. Tellenbach, Gerd : The church in western Europe from the tenth to the early twelfth century. Cambridge, University Press, 1996. E também Robinson, I:S. : The papacy. 1073-1198. Continuity and innovation. Cambridge, Univ. Press, 1993.
[7] Georg Simmel, “The sociology of secrecy and of secret societies”, in American Journal of Sociology, V. 11, 4, janeiro 1906. Citado por Wolfgang Kaiser . «Pratiques du secret à l'époque moderne». Rives, 17-2004, Pratiques du secret, XVe-XVIIe siècles.no seguinte endereço: http://rives.revues.org/document102.html. Este site traz excelente análises sobre o problema do segredo. Cf. também Jean-Pierre Chrétien Goni, “Institutio arcanae”, p. 169 e ss. Cf. também Sarubbi, Antonio e Pasqualina Scudieri : I teorici della ragion di stato. Mito e realtà. Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane. 2000.
[8] N. Montand, Le miroir des François, cit. por Dominique Reynié,”Le regard souverain” in Lazzeri, Christian e Reynié, D. : La raison d´État Politique te Rationalité. Paris, PUF, 1992, p. 44.
[9] Reynié, op. cit. p. 46
[10] Ainda em 1604, nos Discours Chrestiens de la Divinité, Creation, Redemption et Octaves du Sainct Sacrement, Charron afirma que o título de honra proximo à Divindade é o de reim. Ele distingue entre a “adoração” alta, a que se volta em direção ao divino, e a baixa, deirigida ao rei. Cf. Borreli, G. Ragion di Stato e Leviatano. Bologna, Il Mulino Ed., 1993, p. 62, nota 74.
[11] Giovanni Botero, La ragion di Stato. Roma, Donzelli Ed., 1997, pp. 22 e ss.
[12] Giovanni Machia, apresentando o Breviario Dei Politici secondo il Cardinali Mazzarino. Milano, Rizzoli, 1981, pp. XXVIII-XXIX.
[13] Machia, Giovanni, op. cit. p. XXXI.
[14] A raison d´Etat é um tema que examino e que serviu como objeto de análise em cursos que ministrei na Unicamp. Ainda neste primeiro semestre de 2004, na pós-graduação, discuto o tema e a gênese da moderna democracia, as dificuldades do tiranicidio, etc. Em O desafio do Islã ( 2004) examino em vários textos a razão estatal. Dentre eles, o capítulo “Segredo e Razão de Estado” (pp.267 e ss). Alí, inclusive uma bibliografia selecionada é sugerida ao leitor interessado. Em outros artigos desenvolvo os nexos entre racionalidade estatal e a democracia, Cf. “A igualdade, considerações críticas”, Revista Brasileira de Direito Constitucional (2, Jul/Dez. 2003) O texto foi republicado no site Foglio Spinoziano (Itália) no endereço seguinte: www.fogliospinoziano.it/articoli.htm - 10k
[15] Cf. Peter Burke, A fabricação do Rei. RJ, Zahar, 1994.
[16] Cf. Vivanti, Corrado: Lotta politica e pace religiosa in Francia fra cinque e seicento. Torino, Einaudi, 1974.
[17] Cf. Jean-Pierre Chrétien-Goni: “Institutio Arcanae”, in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 137.
[18] Cf. Yavetz, Zvi : La plèbe et le prince. Foule et vie politique sous le haut-empire romain. Paris, Maspero, 1984.
[19] Cf. La Boétie, E. : Le discours de la sevitude volontaire. Paris, Payot, 1976. Há uma edição em português, publicada pela Ed. Brasiliense.
[20] Apesar dessa interpretação rápida e pouco rigorosa, defendida sobretudo por Pierre Clastres e apologetas assemelhados, a mais provável interpretação do texto em questão é a feita no século 19 por Paul Bonnefon : Estienne de la Boétie, sa vie, ses ouvrages et ses relations avec Monatigne. Genève, Slatkine Reprints, 1970. Do mesmo autor, cf. Oeuvres complètes d´Estienne de la Boétie. Paris, J. Rouan & cie. 1892.
[21] Cf. “Une oeuvre inconnue de la Boétie. Les mémoires sur l ´Édit de janvier 1562” . Editado por Paul Bonnefon. In Revue d´Histoire littéraire de la France. 24e année. 1917. Paris. Librairie Armand Colin, 1917.
[22] La Boétie, Etinne : Mémoires….ed. cit. p. 12.
[23] “É perigoso dizer ao povo que as leis não são justas (…) seria preciso dizer-lhe ao mesmo tempo que é preciso obedecer porque elas são leis, como é preciso obedecer aos superiores, não porque eles são justos, mas porque sao superiores” . Pascal, Pensées, Paris, J. de Bonnot Ed., 1982, p. 134.
[24] “Considerada em oposição à soberania do monarca a soberania do povo integra esses pensamentos confusos que têm por base uma representação grosseira do povo. Sem o monarca e sem a organização que a ele se liga necessária e imediatamente, o povo é a massa informe que não é mais um Estado e à qual não se liga nenhuma das determinações presentes num todo organizado em si, a soberania, o governo, os tribunais, a autoridade, os estados e tudo o mais”. Hegel, G.W. F : Lições sobre a Filosofia do Direito. Parágrafo 279- Uso a tradução de R. Derathé, Paris, Vrin, 1975, p. 292. No parágrafo 317 da mesma obra, temos uma das mais ácidas caçoadas sobre o povo e a opinião pública na filosofia moderna.
[25] Citado por Jean-Pierre Chrétien Goni, op. cit. p. 141.
[26] Cf. Otto Gierke: Natural Law and the theory of society. 1500 to 1800. Boston, Beacon Press, 1960, p. 48. Para este passo, é importante consultar o livro de Gierke sobre Althusius : Johannes Althusius und die Entwicklung der naturrechtlichen Staatstheorien. Uso a tradução italiana : Giovanni Althusius e lo sviluppo storico delle teorie politiche giusnaturalistiche. Contributo alla storia della sistematica del diritto. Torino, Einaudi, 1974, a cura de A. Giolitti.
[27] Gierke, Althusius….ed. cit. pp. 81-83.
[28] “… if the King or Magistrate prov´d unfaithfull to his trust, the people would be disingag´d”.Um governo (Milton cita Aristóteles) “unnaccountable is the worst sort of Tyranny; and least of all to be endur´d by free born men” Cf. John Milton Selected Prose edited by C.A. Patrides. Harmondsworth, Penguin, 1974, pp. 249ss.
[29] Thomas Edwards : Grangraena, Terceira Parte (1646). Edição fotostática editada pela The Rota Ed. e Universidade de Exeter. 1977, p. 16.
[30] Cf. sobretudo Christopher Hill: Intellectual Origins of the English Revolution.London, Granada Publishing Ltd. 1965. Também Christopher Hill (Ed.) The Levellers and the English Revolution. Manchester, C, Nichollls & Company, 1961.
[31] Cf. Olivier Lutaud: Des Révolutions d´Angleterre à la Révolution Française. Le Tyrannicide & Killing no Murder (Cromwell, Athalie, Bonaparte). La Haye, Martinus Nijhoff, 1973. Do mesmo autor cf. Les Deux Révolutions d´Angleterre. Documents politiques, sociaux, religieux. Paris, Aubier, 1978.
[32] Lembrança trazida por Laurent Versini, na edição que dirigiu das Oeuvres de Diderot (Paris, Robert Laffont, 1995) T. III, p. 507.
[33] Cf. Diderot, Denis : “Observations sur l ´Instruction de l ´Impératrice de Russie aux Députés pour la Confection des Lois”, in Oeuvres de Diderot, Ed. Versini citada, T. III, p.507.
[34] Cf. Erasmo de Rotterdam : The Education of a Christian Prince, Trad. Lester K. Born, New York, Columbia University Press, 1936.
[35] Esta análise pode ser lida com maiores detalhes no meu livro O Caldeirão de Medéia. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001.
[36] Cf. Catherine Kintzler : Condorcet, l´instruction publique et la naissance du citoyen. Paris, Mineeve, 1984.
[37] Cf. “Plano de um Universidade”. In Obras de Diderot, tard. J. Guinsburg, São Paulo, Ed. Perspectiva, v. 1, pp. 267-268.
[38] Dagognet, François : Philosophie de l ´image. Paris, Vrin, 1984, pp. 186 e ss.
[39] Cf. Esprit des Lois. Livro II, capitulo II, Paris, Gallimard (Pléiade), 1951, p243.
[40] Contrat social, Livro IV, capítulo IV. In Oeuvres complètes, Paris, L´Intégrale, 1971, T. 2, p.570.
[41] Cf. Dagognet, op. cit. pp. 192 e ss.
[42] Barry Nalebuff : “The Last May Be First; In a Three-Way Race, It's Tough to Figure Out the Will of the People” . The Washington Post, 21/06/02, Barry Nalebuff é professor na Yale's School of Organization and Management. O artigo encontra-se no endereço eletrônico seguinte http://mayet.som.yale.edu/coopetition/news/WpostJun92perot(53).html O trabalho mais conciso e explicativo deste problema foi escrito por Eric Maskin, Is Majority Rule the Best Election Method? Alí, o autor segue os passos de Condorcet e os aplica às eleições norte-americanas das quais saiu vencedor G.W. Bush. Cf. http://216.239.37.104/search?q=cache:k8ETA7Cy4UJ:www.sss.ias.edu/papers/papereleven.pdf+Condorcet+paradox+bush&hl=pt
[43] Analiso longamente esse ponto em O Caldeirão de Medéia de minha autoria, já citado.
[44] Die Diktatur. Von den Anfängen des modernen Souveränitätsgedankens bis zum proletarischen Klassenkampf- Munique/Leipzig, Duncker &Humblot Ed., 1928 (2a ed.). Como estigma contra os brasileiros, a terceira edição daquela obra foi editada na Alemanha exatamente em 1964.
[45] “Souverän ist, wer über den Ausnahmezustand entscheidet” . Esta é a primeira frase do escrito sobre a teologia política de Carl Schmitt. Cf. Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Souveranität. Munique, Duncker & Humblot, 1934. O enunciado apresenta-se não apenas em autores da chamada “direita” internacional, mas também em textos da “esquerda”, como por exemplo em Walter Benjamin. Tem toda razão Jean Pierre Faye, linguista e teórico do pensamento totalitário, quando refere-se à uma “ferradura” terminológica que reúne os vários matizes da paleta ideológica. Durante o nazismo, com a “colaboração” entre URSS e Alemanha, chegou a ser cunhada a expressão tremenda: “nacional-bolchevismo”. Mas estas são análises que devem ser feitas em outras ocasiões….
[46] Kelsen, em Das Problem der Souveränität, no contexto amplo das relações juridicas —internacionais sobretudo— diz que “o conceito de soberania deve ser radicalmente eliminado”. Uso a tradução italiana : Kelsen, Hans : Il problema della sovranità. Milano, Giufrrè, 1989. Para uma análise crítica do pensamento de Hans Kelsen, cf. o percuciente e lúcido escrito de Felippe, Márcio Sotelo : Razão Jurídica e Dignidade Humana, SP, Max Limonad, 1996.
[47] Cf. Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus. Munique, Duncker & Humblot Ed., 1926. Existe uma edição brasileira: Carl Schmitt, A crise da Democracia Parlamentar. Trad. Inês Lohbauer, São Paulo, Scritta Ed., 1996.
[48] Carl Schmitt : Der Hüter der Verfassung. Texto ideado em 1929, mas publicado mais tarde. Uso a edição de 1969 (Berlim, Duncker & Humblot).
[49] Cf. Schmitt, Carl: Legalität und Legitimität (1932). Cito na tradução italiana: Le categorie del ´politico´. Bologna, Il Mulino, 1972, p. 217.
[50] Cf. Schmitt, Carl : “Definição da soberania”, in Le categorie del ´politico´, ed. Cit. p, 39.
[51] Eva Horn: “Geheime Dienste. Über Praktiken und Wissensformen der Spionage" in Lettre International, 53, 07/ 2001, pp. 56-64. Há uma tradução para o inglês na Internet: Knowing the Enemy: “The Epistemology of Secret Intelligence”, no endereço seguinte :
[52] 1963, com republicação em Berlim: Duncker & Humblot, 1995.
[53] Cf. Roberto Romano : O Desafio do Islã e outros desafios. SP, Ed. Perspectiva, 2004.
[54] Hannah Arendt : Le système totalitaire. Trad. Bourget, Ed. Davreu et Lévy, Paris, p. 103. 1972. Esta passagem é aproximada, por Jean-Pierre Chrétien-Goni, de um artigo publicado por Alexandre Koyré na revista Contemporary Jewish Record, em junho de 1945, com o título de “The Political function of the modern lie”. Cf. Goni, Jean-Pierre Chrétien: “Institutio arcanae” in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 179.
[55] Citado por Arendt, op. cit. p. 268, nota 90. Cf. Chrétien-Goni, op. cit. p. 179. Para uma análise do pensamento de H. Arendt, cf. Celso Lafer Pensamento, persuasão e poder, RJ, Paz e Terra, 1979.
Autor
Sugerido
P
[56] Cf. Koyré, Alexandre: Réfléxions sur le mensonge. Paris, Allia, 1996.
[57] “Il potere in maschera.” In L´Utopia capovolta. Torino, La Stampa, 1990.p. 62.
[58] Cf. Jos C.N. Raadschelders : “Woodrow Wilson on Public Office as a Public Trust” . No endereço eletrônico : bush.tamu.edu/pubman/papers/2002/raadschelder.pdf
[59] Dean, John W.: “Worse than Watergate”, The New York Times, 02/05/04. “To protect their secrets, Bush and Cheney dissemble as a matter of policy. In fact, the Bush-Cheney presidency is strikingly Nixonian, only with regard to secrecy far worse (and no one will ever successfully accuse me of being a Nixon apologist). Dick Cheney, who runs his own secret governmental operations, openly declares that he wants to turn the clock back to the pre-Watergate years-a time of an unaccountable and extra constitutional imperial presidency. To say that their secret presidency is undemocratic is an understatement (…) William Rogers once advised that "the public should view excessive secrecy among government officials as parents view sudden quiet where youngsters are playing. It is a sign of trouble." Woodrow Wilson, based on his long study of statecraft, concluded that "everybody knows that corruption thrives in secret places, and avoids public places, and we believe it a fair presumption that secrecy means impropriety." Thus, undue secrecy not only is undemocratic, denying the public its right to know, but also schools scandal by concealing and protecting errors, excesses, and all manner of impropriety. And we have a presidency that seeks to control, if not suppress, everything”. Sejam quais forem os juízos sobre o autor, ele indica um ponto que merece atenção dos que apostam na democracia. Cf, The Washington Post, Editorial : “Reveal the Rules” (23/05/04, p. B06 “The Bush administration is doing its best to keep secret the policies it has developed for handling foreign prisoners and to stifle congressional examination of the issue. Rules for the interrogation of detainees used to be published in widely available Army manuals. But the Bush administration has classified the procedures it has approved for the Guantanamo Bay prison, Afghanistan and Iraq -- even though it claims that all are in compliance with the Geneva Conventions.”
[60] Refiro-me ao artigo “Popular Sovereignty and the Search for Appropriate Institutions”. (Volume 6, Part 4, 1989).
[61] Bobbio, Norberto : “Nel labirinto dell´anti-stato”, in op. cit. pp. 45 e 46.
[62] República II, 359b6-360b. Uso a tradução, que modifico ligeiramente, de Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa, Gulbenkian, 1949, pp. 56-58.