quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Artigo antigo, mas sempre atual.

Imortais de fancaria

Roberto Romano

Um livro do Padre Dinouart tem nome estratégico: Arte de silenciar (L´ Art de se taire, de 1771, re-editado em 1987). O nome interessa porque o mundo não está salvo do palavrório. O bom padre afirma ser necessária “uma reforma geral da escrita, a começar com a busca exata e severa, como a feita quando se trata de exterminar de um país os envenenadores ou banir quem trabalha pela corrupção das moedas”. O processo inflacionário se inicia no dinheiro e chega à escritura. O palavroso também é moedeiro falso. Hamlet caçoa dos amontoados discursivos que embalam os tolos (“Palavras, palavras, palavras…”) e até hoje não descobrimos a cura que nos livraria da logorréia dos que exibem o título meio sério meio caricato de acadêmicos (pedantes, na fala de Rabelais). Luciano de Samosata, no conto satírico Lexifanes exibe certo bocó de mola que engole palavras preciosas e tem a alma congestionada. Um piedoso lhe prescreve purgante para se livrar da garrulice.

Na França, após séculos de sátira dirigida contra as vaidades dos “grandes”, sempre precedidos pelos aduladores, o ridículo mata. No Brasil ele engorda e fornece fama de intelectual aos magnatas. Os donos do poder nem precisam garatujar livros. Basta o dinheiro, o mando político não raro conquistado pelo voto de cabresto. “Bico de pena”, tal é a única semelhança entre os oligarcas e o processo da escrita. Uma academia de letras deveria, em princípio, acolher letrados e, dentre eles, os mais finos, cujas obras reunissem os sabores do espírito. Em Campinas, por exemplo, temos artistas soberbos como Eustáquio Gomes. A entrada normal naquele ambiente seria dos melhores vinhos e iguarias anímicas. Segundo Agripino Grieco, no entanto, nossa Academia é sodalício em decadência, “em que a sucessão dos defuntos se opera pela admissão de novos defuntos, e dela só poderá sair perfeito um tratado sobre arte culinária”. No Brasil, o prato acadêmico costumeiro é linguiça e champanhe, coronelismo tosco e verniz urbano.

A entrada de certos indivíduos em Academias precisa ser analisada com matizes. O escolhido nem sempre tem a culpa total pelo fato. Ele é vaidoso, claro. E poderoso, claro. E tolo, claro. E ignorante escrivalhão, claro. Ele é ridículo, evidente. Getúlio Vargas, embora ostentasse os defeitos acima, fez alguma coisa para industrializar o país, abriu trilhas para a modernidade. Talvez este ponto esmaeça a nódoa de sua ditadura sanguinária, próxima do modelo fascista. Mas hoje temos um dono do Maranhão cuja escrita é rasa, quebrada, mole e sem nervos. Ele foi presidente e terminou o mandato (não seu, de outro) com o mais acelerado ritmo inflacionário da história pátria, o centrão (é dando que se recebe…) e outras coisas mais. Sua autoridade foi reduzida a zero, insultado por Lula e Collor, os dois amigos de hoje.

É considerável a fila dos autoritários admitidos na Academia: Lira Tavares, Getúlio, Sarney, “imortais” cujo único mérito é a têmpera ditatorial (Lira, Chefe da Junta Militar em 1969, Vargas ditador em 1941, quando escolhido para a ABL, Sarney que serviu sem interrupções o governo militar). Collor se proclamaria ditador, mas foi traído pela tolice excessiva da sua República das Alagoas.

Os pretensos acadêmicos podem ser vistos de muitos modos, todos hilariantes, desde que esqueçamos a tragédia que impuseram à sociedade. Abjetos são os que neles votam com servilismo. Vale para os beneficiados pelos bajuladores o mote medieval: Rex illiteratus est quasi asinus coronatus. A próxima vaga na Academia Brasileira de Letras, todos sabemos, será do poderoso que hoje reza em companhia de uma Bispa e de seu marido Apóstolo, presos nos EUA por uso indevido do Livro dos livros. Dentro da sua Bíblia se escondia boa soma de dinheiro desviado do fisco. Modo brasileiro de usar a literatura, digno das práticas usadas para escolher os nossos acadêmicos. Amém.