Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros ANÁLISE DO NOTICIÁRIO Uma antiga confiança em ditadores Amizade com autocratas ajudam e prejudicam os EUA Por SCOTT SHANE WASHINGTON - Se os Estados Unidos são o maior defensor da democracia no mundo, como disseram muitos presidentes, então por que o drama que se desenrola no Cairo parece tão familiar? Um ditador amigo de Washington, apoiado há décadas por ajuda americana enquanto supervisiona um regime corrupto e brutal, finalmente enfrenta a ira do seu povo. Uma administração americana se debate sobre o que dizer, o que fazer e o que esperar se o homem-forte for derrubado. A agonia do Egito de Hosni Mubarak levanta novamente a questão de se esse padrão poderá um dia ser rompido. Todo país tem seus valores e seus interesses. Às vezes, eles coincidem e, às vezes, conflitam. O que faz os EUA se destacarem talvez seja a frequência com que as autoridades americanas proclamam seus valores ao mundo, expondo-se a acusações de hipocrisia quando uma política é mais vantajosa que idealista. Sustentar o regime liderado por militares do Egito durante mais de quatro décadas, primeiro sob Anuar el Sadat e depois Mubarak, ofereceu benefícios estratégicos para sete presidentes americanos. Eles conseguiram um forte aliado contra o expansionismo soviético, uma paz crítica com Israel, um baluarte contra o radicalismo islâmico e um Egito comercialmente amistoso. O que eles não conseguiram foi uma democracia funcional egípcia. A história é cheia de precedentes. Em 1959, houve Fulgêncio Batista em Cuba, querido pelas corporações e pelo crime organizado americanos, que fugiu com uma fortuna ilícita de US$ 300 milhões enquanto as tropas de Fidel Castro chegavam a Havana. Em 1979 foi Mohamed Reza Pahlevi, o xá do Irã, que abandonou o trono diante de uma revolta dois anos depois que o presidente Jimmy Carter brindou seu país como "uma ilha de estabilidade". Foi a vez de Ferdinand Marcos em 1986, deposto pelo movimento Poder do Povo das Filipinas cinco anos depois que o vice-presidente George H. W. Bush lhe disse em um almoço: "Apreciamos sua adesão aos princípios democráticos e ao processo democrático". A lista poderia se estender. A "Coleção de Figurinhas de Ditadores Amigáveis", comercializada por uma editora da Califórnia na década de 1990, apresentava "36 dos aliados mais embaraçosos dos Estados Unidos". "Antes era o anticomunismo", disse David F. Schmitz, autor de dois livros sobre a ligação americana com ditadores. "Hoje, são, com mais frequência, moderados que se erguem contra o radicalismo no mundo islâmico." Schmitz lamenta esse fenômeno, que, segundo ele, comprou, muitas vezes, estabilidade artificial por um preço muito alto. Ao apoiar um autocrata, ele disse, os Estados Unidos, muitas vezes, garantem que "o centro político é destruído, dando credibilidade aos argumentos de extremistas e desacreditando os EUA". Mas Schmitz observa a diplomacia da distância tranquila da academia. Zbigniew Brzezinski, que foi assessor de Segurança Nacional do presidente Carter na época da queda do xá, tem uma visão muito diferente. "Para conduzir a política externa", ele disse, "temos de lidar com os governos que existem. E alguns deles são ditaduras." Quando Brzezinski e seu chefe foram contra a ditadura do xá, os únicos outros centros de poder no Irã eram os comunistas e os mulás, ele disse. Enquanto a revolta contra o xá crescia, o governo Carter estava dividido. Algumas autoridades pensavam que o aiatolá Khomeini, voltando do exílio, poderia oferecer uma alternativa razoável. Brzezinski discordava. "Minha opinião era que o xá deveria reprimir e, então, começar reformas agressivas", ele lembrou. Mas perdeu a discussão. Brzezinski diz que as perspectivas do Egito se Mubarak for derrubado são mais luminosas que as do Irã em 1979: "O Exército é respeitado e tem muito apoio em todo o país. Existe uma espécie de classe média. E a Fraternidade Muçulmana continua sob controle". Brzezinski, de modo algum, considera o apoio americano a Mubarak como um erro trágico. Mubarak consolidou a paz na região e foi um "modernizador" em seu país, ele disse. "A mudança histórica superou o modernizador." Rashid Khalidi, um ex-assessor nas negociações de paz palestinas, rejeita esse tipo de realpolitik. A paz entre Egito e Israel não trouxe a paz entre Israel e palestinos; a opressão no Egito alimentou o terrorismo; a estabilidade não durou. Outra cooperação deixou uma marca na reputação americana. O governo Bush enviou suspeitos de terrorismo ao Egito, onde disseram que foram torturados. Hoje, os manifestantes no Cairo seguram latas vazias de gás lacrimogêneo com rótulos americanos. Essas políticas foram "moralmente falidas e politicamente imbecis", disse Khalidi. "Eu sei que é fácil falar sobre os americanos serem fiéis a seus valores", ele disse. "Mas, você sabe, às vezes há sentido." |
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
O autor esqueceu: a Grécia dos militares, o Brasil dos mesmos, o Chile dos mesmos, a Guatemala, quase todas as ditaduras africanas, etc. O texto vale.
São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011