Dimidium facti qui coepit habet: sapere aude, incipe! (Horácio)
- De:
- Paulo Eduardo Martins Araújo
DNA de negros e pardos do Brasil é muito europeu
Estudo diz que cerca de 70% da herança genética nacional vem da Europa
No Brasil, faz cada vez menos sentido considerar que brancos têm origem europeia e negros são "africanos". Segundo um novo estudo, mesmo quem se diz "preto" ou "pardo" nos censos nacionais traz forte contribuição da Europa em seu DNA.
"A grande mensagem do trabalho é que [geneticamente] o Brasil é bem mais homogêneo do que se esperava", disse Pena afolha.
De Belém (PA) a Porto Alegre, a ascendência europeia nunca é inferior, em média, a 60%, nem ultrapassa os 80%. Há doses mais ou menos generosas de sangue africano, enquanto a menor contribuição é a indígena, só ultrapassando os 10% na região Norte do Brasil.
QUASE MIL
Ao todo, foram 934 pessoas. A comparação completa entre brancos, pardos e pretos (categorias de autoidentificação consagradas nos censos do IBGE) só não foi possível no Ceará, onde não havia pretos na amostra, e em Santa
Catarina, onde só havia pretos, frequentadores de um centro comunitário ligado ao movimento negro.
Para analisar o genoma, os geneticistas se valeram de um conjunto de 40 variantes de DNA, os chamados indels (sigla de "inserção e deleção"). São exatamente o que o nome sugere: pequenos trechos de "letras" químicas do genoma que às vezes sobram ou faltam no DNA.
Cada região do planeta tem seu próprio conjunto de indels na população -alguns são típicos da África, outros da Europa. Dependendo da combinação deles no genoma de um indivíduo, é possível estimar a proporção de seus ancestrais que vieram de cada continente.
Do ponto de vista histórico, o trabalho deixa claro que a chamada política do branqueamento -defendida por estadistas e intelectuais nos séculos 19 e 20, com forte conteúdo racista- acabou dando certo, diz Pena.
Segundo os pesquisadores, a combinação entre imigração europeia desde o século 16 e casamento de homens brancos com mulheres índias e negras gerou uma população na qual a aparência física tem pouco a ver com os ancestrais da pessoa.
Danilo Pena e Telma Birchal escreveram artigo para a Revista da USP:
A inexistência biológica versus a existência social de raças humanas: pode a ciência instruir o etos social?
http://www.usp.br/revistausp/68/02-sergio-telma.pdf
A passagem de apresentação do artigo:
Neste artigo abordaremos aspectos do conflito entre as visões biológica e social de “raça”, inicialmente mostrando as evidências científicas que suportam a tese de que, do ponto de vista biológico, raças humanas não existem (AAA, 1998). Em seguida, examinaremos a situação peculiar dos brasileiros, nos quais a ampla mistura de genes entre três diferentes grupos continentais fundadores – ameríndios, europeus e africanos – produziu uma fraca correlação de cor (um correlato de “raça”) com ancestralidade. Conseqüentemente, no Brasil, a cor, socialmente percebida, tem pouca ou nenhuma relevância biológica. Passaremos, a seguir, à discussão do relacionamento entre ciência e ética e à defesa da seguinte tese: embora a ciência não seja o campo de origem dos mandamentos morais, ela tem um papel importante na instrução da esfera social, pois, ao mostrar “o que não é”, ela liberta, ou seja, tem o poder de afastar erros e preconceitos. A seguir, pensaremos o problema da incorporação, pelo etos da sociedade, dos ensinamentos da genética. Sobre esse ponto, argumentaremos a favor da idéia de que o fato científico da inexistência das “raças” deve ser absorvido pela sociedade e incorporado a suas convicções e atitudes morais, no sentido de reforçar a oposição às afirmações de diferentes formas de hierarquia entre povos ou grupos humanos. Terminamos sugerindo que uma postura coerente e desejável seria a valorização da singularidade de cada indivíduo em substituição à sua identificação como membro de grupos “raciais” ou “de cor”.