sábado, 19 de fevereiro de 2011

E para incomodar petistas e tucanos...



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TENDÊNCIAS/DEBATES

A eleição presidencial já está decidida?

NÃO

Da soberba e outros pecados

ROBERTO ROMANO

EM CONVERSA com um grande jornalista, discuti algumas sérias fontes de erros políticos. A vida pública não é mais definida pela teologia. Mesmo autores como Carl Schmitt reconheciam tal fato na aurora do totalitarismo. Mas os desvios de comportamento conhecidos como "pecados mortais" ainda hoje surgem em grupos, partidos, facções e indivíduos poderosos.

O primeiro deles (e o mais danoso) é o velho orgulho. Todos os demais brotam daquele seminário de males: inveja, luxúria, ira, ambição, preguiça.

A mesma soberba que gerou Lúcifer o conduziu à queda. Segundo John Milton, o anjo tinha pressa de se proclamar vencedor absoluto na sucessão do governo celestial. Comportamento semelhante define todos os que pretendem garantir o poder ao notar que sua popularidade supera a exibida pelos demais candidatos.
Uma soberba visível domina hoje os que dizem, como se falassem de axiomas inquestionáveis, já ter as eleições no bolso. Eles tentam mobilizar a psicologia das massas. Estas tendem a se agregar quando percebem um centro de segurança. Como diz Elias Canetti, multidões têm pressa de chegar ao ponto em que "a maioria das pessoas está unida".

Sempre que um candidato supera os demais, sua tentação é usar tal artifício. Tudo faz para que seu nome seja identificado com o espaço onde está o maior número. Trata-se de tática para transformar sua campanha num cenário em que, "num instante, fica tudo preto de gente". A técnica é antiga e gasta, mas costuma funcionar. Algumas reservas prudentes, no entanto, deveriam habitar a consciência dos que agem segundo tais padrões. A primeira parece óbvia, mas é essencial. No Estado democrático de Direito, à diferença do que ocorre nas hordas, a eleição é vencida nas urnas, não em reuniões de massas em torno de um ou outro líder. Até a abertura e a contagem dos votos, o princípio da isonomia entre os concorrentes deve ser respeitado. Usar o argumento da maioria (mesmo com base em pesquisas de opinião) é apenas uma técnica de propaganda e de retórica.

A segunda reserva está no fato de que várias consultas populares invalidaram pesquisas, mesmo as conduzidas com padrões científicos rigorosos. Intenção de voto não é profecia nem se define pela certeza divina. Ela mede o momento atual e as probabilidades. A última lição de prudência nesse ponto é a refrega do desarmamento. As pesquisas davam ganho aos defensores de uma proposta, mas, nos últimos dias, ocorreu a virada.
A hegemonia do atual presidente nas pesquisas se deve a vários fatores. Alguns deles têm origem em sua política clientelista. Mas outros quesitos se devem a erros táticos da oposição. O erro mais comum do setor foi poupar o mandatário, tanto no Congresso quanto no trato com a imprensa. Fora alguns partidos, a oposição assumiu como dogma a fórmula de fazer o governante "sangrar em praça pública", pagando as culpas da quadrilha denunciada pelo procurador-geral da República. O silêncio da oposição, desse modo, foi cúmplice diante dos desmandos governamentais e enfraqueceu os contrários ao presidente. Some-se a troca de um candidato forte como Serra por outro sem maior expressão nacional e a receita do fracasso estaria pronta.

Nos últimos lances da campanha, no entanto, a oposição assumiu uma atitude mais agressiva e passou a denunciar os atos e palavras do governo. A atitude trouxe significativo aumento nas intenções de voto para Alckmin. Dada a margem de erro das pesquisas, a postulante do PSOL pode elevar seu potencial no escrutínio. No mesmo instante, surgem na imprensa assuntos cada vez mais desastrosos para o presidente. A última foi trazida pela Folha, no caso das cartilhas que marcam o uso do dinheiro público em prol de mera propaganda partidária. A concomitância dos fatores pode ocasionar o segundo turno. E aí, com maior isonomia entre os candidatos e mais agressividade da oposição, teremos uma outra eleição. Porque eleições não são vencidas a priori.


ROBERTO ROMANO, 60, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp.