Vida Pública
Terça-feira, 09/08/2011
A ciranda da corrupção
Escândalos que atingem o governo federal paralisam discussões sobre desenvolvimento e outros temas relevantes para o médio e longo prazos
Publicado em 08/08/2011 | Rosana Féli
Paralisia aparente
Governo caminha sem fiscalização
A sensação de que o Brasil não caminha em épocas em que surgem muitas denúncias contra o governo, como atualmente, é um pouco falsa. A avaliação é de Roberto Romano, da Unicamp, e de José Antônio Moroni, que faz parte do “Conselhão” do governo federal.
Romano pondera que a paralisia não atinge todo o país, pois as empresas, as universidades e a sociedade continuam trabalhando e produzindo, independentemente das crises em Brasília. Mas isso vai gerando cada vez mais distanciamento entre os brasileiros e os políticos. “A sociedade brasileira sente e se ressente da estrutura do Estado, que é arcaica.”
Moronio alerta que o governo federal até pode se aproveitar desses momentos de crise política. “Enquanto se fala de escândalos em cima de escândalos, sem contextualização, o governo continua implantando como ele quer as políticas públicas, sem nenhum tipo de controle social”. Segundo ele, em momentos como esse, o foco da sociedade recai sobre as denúncias de irregularidades, e enquanto isso o governo pode, por exemplo, ficar livre para destinar dinheiro público numa atividade essencialmente privada, como a Copa e a Olimpíada.
Para Moroni, a imprensa tem responsabilidade nisso, pois faz uma “corrida insana atrás de escândalos, criando alguns e deixando outros sem cobertura”. Segundo ele, é preciso acompanhar as denúncias, mas com aprofundamento. “Assim parece que a corrupção é apenas fruto do desvio individual de alguém, e não que este desvio existe porque temos um sistema que o proporciona e opera em cima dele. A imprensa não trata as questões na complexidade que merece.” (RF)
Para especialistas, é preciso mais punição e descentralização
Para tentar interromper o círculo vicioso da corrupção, os especialistas ouvidos pela reportagem dizem que são necessárias mudanças na legislação, uma ação mais efetiva do Judiciário e a descentralização do poder e dos recursos na mão do governo federal.
O historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, avalia que o principal problema está no Poder Judiciário. “Esta é a chave do problema, a impunidade. A Justiça tem a faca e o queijo na mão, tem como punir, mas não faz.” Para ele, este é o pior dos Poderes da República. “O Executivo e o Legislativo sofrem muita vigilância da imprensa, acabam sendo mais transparentes. Mas o Judiciário ameaça aqueles que querem colocar o dedo na ferida.”
Crime hediondo
O filósofo José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconomicos, propõe que a corrupção fique caracterizada como crime hediondo. Ele sugere ainda a responsabilização da pessoa jurídica envolvida em processos de corrupção. “Temos de um lado o corrupto, mas do outro há o corruptor, que nunca é falado, nunca é condenado.” Outro caminho, opina ele, é mudar o sistema de financiamento de campanhas eleitorais. “Hoje ganha a eleição quem tem mais dinheiro, precisamos ter uma igualdade de recursos”, diz.
Como os municípios dependem muito da União, os parlamentares atuam como intermediários, ou “corretores”, afirma Roberto Romano, da Unicamp. Para ele, a supercentralização amplia a rede burocrática que, por sua vez, produz novos canais, novas funções, novos escritórios e novas estruturas. “É justamente nesses campos que surge a corrupção. Sem a concentração de impostos não seriam necessários políticos atuando como ‘corretores’. Ou, pelo menos, a ‘taxa’ que eles cobram pelo serviço diminuiria muito”, diz. (RF)
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A lógica pública