sábado, 3 de março de 2012

A dualidade do poder. Um é o oficial, outra a real. Uma assina, outra manda. Quem pensa, sabe a diferença...

Em crise com base, Dilma pede coalizão forte e diz que cabe a ela montar equipe

Presidente foi aconselhada por Lula a agir logo para ‘pote de mágoas’ dos aliados não transbordar na eleição municipal; petista falou do ‘fardo’ de governar e chorou em evento

02 de março de 2012 | 22h 30

Vera Rosa, Tânia Monteiro e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Menos de 24 horas após se encontrar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Bernardo do Campo, a presidente Dilma Rousseff fez um apelo à união dos partidos que compõem a base aliada, falou sobre o "fardo" de governar, chorou e destacou a importância de uma "coalizão forte" para dividir essa tarefa. Instruída por Lula a cuidar mais da política para evitar novas rebeliões, Dilma usou ontem a cerimônia de posse do ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB), para tentar pôr um freio de arrumação na crise.


Incomodada com a falta de apoio dos aliados, Dilma citou 11 vezes em discurso o tema ‘coalizão’ - Andre Dusek/AE
Andre Dusek/AE
Incomodada com a falta de apoio dos aliados, Dilma citou 11 vezes em discurso o tema ‘coalizão’

"Nós precisamos de uma coalizão forte para promover as mudanças que julgamos necessárias ao País. E para que, de resto, possamos fazer aquilo que nós somos eleitos para fazer, aquilo que o povo brasileiro espera de nós e, sobretudo, aquilo que é imprescindível que nós façamos", discursou a presidente, no Palácio do Planalto. Ela citou 11 vezes o termo "coalizão"e disse que "graças a Deus" tem uma base que a apoia.

No encontro de quinta-feira com Lula, porém, Dilma expôs ao padrinho político o seu incômodo com a insubordinação do PMDB, que divulgou manifesto subscrito por deputados, e avalizado pelo vice-presidente Michel Temer, contendo críticas ao PT e ao governo. Não foi só: ela reclamou da infidelidade de aliados como o PR, o PDT e o PSB, que se destacaram por expressivas votações contra o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp).

Lula aconselhou a sucessora a conversar mais com os partidos que compõem a coalizão, ouvir suas queixas e afagá-los sempre que possível, para evitar que o pote de mágoas transborde. "Não deixe que isso prospere", comentou o ex-presidente, de acordo com relatos da conversa.

Insatisfeitos por não participarem das decisões governamentais e com a distribuição dos cargos, os peemedebistas viram na nomeação de Crivella para o Ministério da Pesca a gota d’água para a rebelião. Ao divulgarem o manifesto no qual dizem viver numa "encruzilhada" em que o PT quer tirar o "protagonismo" do PMDB, deputados observaram que nem Temer foi consultado sobre a escolha de Crivella.

Decidida na última hora, a ida do senador do PRB para o primeiro escalão teve o objetivo de acalmar os evangélicos, descontentes com o Planalto, e atraí-los para a campanha do candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. Crivella é bispo da Igreja Universal e, para emplacá-lo na Pesca, Dilma tirou da cadeira o petista Luiz Sérgio.

Foi uma operação preventiva para blindar Haddad da tentativa do pré-candidato do PSDB, José Serra, de associar o ex-ministro da Educação ao kit anti-homofobia, material preparado para combater o preconceito contra homossexuais nas escolas.

Com um discurso cheio de recados, Dilma respondeu à crítica do manifesto do PMDB de que há uma "relação desigual" entre os parceiros, pois o processo de decisão no Planalto "não passa pela discussão" com os aliados.

"Eu queria dizer para vocês que o que distingue o presidencialismo é que, nesse sistema, as decisões são responsabilidade e pesam sobre as costas da pessoa que é chefe de Estado e de governo", insistiu Dilma. "Cabe ao presidente ouvir, consultar, avaliar e decidir, mas também cabe ao presidente construir a equipe que divide esse fardo."

Emocionada, ela chorou ao citar o petista Luiz Sérgio.

Ao dizer que o presidente tem o dever de administrar para todos, "inclusive para os que não votaram nele", Dilma procurou debelar os focos de incêndio na base. "É possível e é necessário (...) falar para todos os brasileiros mesmo que você se apoie numa coalizão e numa aliança."

Após o discurso de Dilma, o senador Valdir Raupp (RO), presidente do PMDB, disse que o manifesto do partido - subscrito por 45 de 76 deputados - não significa ruptura com o governo. "É mais alerta porque a insatisfação da bancada começa pelas eleições municipais, já que há um trabalho intenso do PT para neutralizar candidaturas do PMDB."