sexta-feira, 2 de março de 2012

É sempre bom ler artigos que reafirmam teses que defendemos. É o caso dos artigos abaixo. O primeiro, d eminha autoria, foi publicado no final de semana, no Caderno Aliás do Estado de São Paulo. Nele, havia uma epígrafe de R. Michels, falando sobre o modo pelo qual as democracias partidárias se transformam em oligarquias e aristocracias. Devido ao projeto gráfico do jornal, os leitores não puderam seguir a tese de Michels que embasa todo o meu texto. Mas a idéia permanece: os partidos políticos nacionais, incluindo o PT, nada mais são do que oligarquias onde os filiados ou representam o "deus silencioso", nunca se pronunciam, ou servem como simples massa de manobra, instrumentos dóceis, não raro pagos, para caluniar os que não dobram a espinha aos seus donos. Cães de fila, nada mais, ou "militantes"no jargão facinoroso dos tiranos partidários. Acho que o texto da Folha complementa, e muito bem, o que eu disse ou não tive espaço para dizer, no meu. RR

Ficam os anéis

A aristocracia ruinosa dos tucanos pode levar a indecisões mais graves em 2014

26 de fevereiro de 2012 | 3h 08
Roberto Romano - O Estado de S.Paulo
 
As indecisões de José Serra integram a crise de abulia que desgasta todos os partidos, algo já diagnosticado no século 20 por Max Weber e Robert Michels. Direções mornas suscitam lideranças voluntariosas, contrárias aos poucos e acomodados condottieri. O PSDB sofre o processo político chamado oligarquização. Aquela forma organizacional nega decisões à base militante e as concentra nos líderes. Ser ou não ser candidato, com acertos alheios à militância? Como garantir apoio nas urnas, se oligarcas preferem em sigilo outros nomes? 

Um fenômeno ilustra o complexo tucano: o "lulécio" (Lula com Aécio), oligarquia mineira envolta em lençóis democráticos. O partido reúne alguns núcleos fortes (Minas e São Paulo) e outros nem tanto (Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará). A concentração das opções em certas pessoas e a ausência de diretórios nos municípios cria a união de líderes com votos, mas poucos liderados. Tucanos e petistas, primos em primeiro grau, cochilaram ao não aproveitar o Palácio do Planalto (oito anos) para distribuir sedes na maior parte do Brasil. A via das "alianças" foi a preferida. O PMDB, por sua vez, garante presença em cidades de vários portes e aumenta sua capacidade de amealhar votos em todas as classes em prol de potentados, os donos das regiões. É o caso dos grupos Sarney, Barbalho, Temer e demais quistos instalados na base da pirâmide eleitoral.

O PMDB não tem candidato competitivo à presidência desde a derrota de Ulisses Guimarães. Mas nenhum presidente da República governa sem aquele ajuntamento oligárquico. Do nanico PRN ao PSDB, chegando ao PT, as siglas que conquistaram a presidência não tinham sólida presença em todo o país. Assim, se fortaleceram as oligarquias partidárias tradicionais, dando àqueles que chegaram aos cargos, após muita guerra de bastidores, a certeza de que nada conseguiriam sem o PMDB, que mantém seu ritmo de crescimento eleitoral ano após ano. Já os aliados do PSDB minguam a olhos vistos. O PSD, marca de fantasia, tem estratégia presa às ambições do inventor e proprietário. Sintoma: Gilberto Kassab afiança, para justificar o recuo diante do PT, seu compromisso com Serra, sem programas ou ideologias. Temos aí a pura troca de favores, alma da sociedade e do Estado brasileiros, contra os integrantes da base partidária. 

As eleições municipais de 2012 são uma peça importante no quebra-cabeça de 2014. A incerteza domina os coletivos tucanos e petistas, pois os seus aliados são submetidos aos oligarcas que ostentam apetite pantagruélico de recursos financeiros, cargos, benesses várias do poder. Como o PT e o PSDB não possuem bases municipais sólidas, ambos dependem da federação oligárquica peemedebista. Esta, por sua vez, se alimenta dos favores trocados entre os comandos regionais. O PMDB, berço do centrão, gerou o "é dando que se recebe". Manter o seu equilíbrio interno é tarefa de meticulosos maquiavelismos. Mas no mundo de Maquiavel a técnica empregada é a dissimulação, o que aumenta a incerteza dos aliados. O caso Chalita é evidente. Será ele candidato ou serve para dissimular alvos peemedebistas? Os interesses variam segundo os projetos e as necessidades dos oligarcas regionais. O PMDB usa, de modo grotesco, a máxima de Spinoza segundo a qual o imperativo da vida encontra-se na arte de conservar a si mesmo. Se for preciso, os mestres do PMDB retiram a solidariedade aos aliados de hoje, para voltar a oferecê-la amanhã, conforme a conveniência. A incerteza de Serra, em parte, tem origem na pantomima peemedebista. 

O problema não reside no indivíduo Serra. A sua hesitação segue a cacofonia atordoante de poucos líderes inebriados pelo poder. O PT assume o "é dando que se recebe" e ignora grande parte de suas bases, em favor de alianças ditadas por um líder. E assim nasce o candidato Haddad, um anônimo na Pauliceia, em detrimento de Marta Suplicy. A dúvida não reside em aceitar ou não candidaturas, mas em definir se os partidos pertencem aos que os sustentam nas bases, ou às direções. É possível, eticamente, apresentar um coletivo como se fosse democrático e, no mesmo átimo, manter escolhas eleitorais dominadas apenas por algumas lideranças? Se José Serra aceitar a candidatura que lhe oferecem, e na forma como é ofertada, ele será a face invertida do verticalismo petista, no qual um só dedo aponta o candidato e vigora a monarquia de Luiz Inácio. No seu caso, poucos dedos escolherão, ruinosa aristocracia tucana. Implodir a consulta partidária (mesmo formal) levará os companheiros de Serra a indecisões mais graves em 2014, mesmo ganhando ele a prefeitura paulistana. Numa derrota...    
ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR , DE ÉTICA, FILOSOFIA NA UNICAMP. AUTOR DE , O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA)


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Análise
PSDB reforça tese de que lei de ferro das oligarquias é irrevogável
CELSO ROMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Todas as organizações tendem a concentrar o poder nas mãos de um pequeno grupo de indivíduos. Este é o mote da lei de ferro da oligarquia, retratada em "A Sociologia dos Partidos Políticos", escrito em 1911 por Robert Michels. No caso dos partidos políticos, sejam eles socialistas, social-democratas ou conservadores, todos nascem sob o discurso da democracia, mas, com o passar do tempo, sucumbem à oligarquização.

Prova disso é que, aos 23 anos, o PSDB evitou as prévias como método de seleção de seus candidatos aos cargos eletivos no país.

Oportunidades para democratizar o partido não faltaram. Em 2006 e 2010, nas eleições presidenciais, o PSDB passou por profundas crises geradas pela disputa entre os seus pré-candidatos. Nessas ocasiões, a cúpula definiu o candidato a presidente.

A única experiência de prévias no PSDB-SP ocorreu há 20 anos. Em 1992, os filiados foram consultados para escolher o candidato a prefeito e os partidos para a coligação.

Mesmo assim, a Executiva Municipal interferiu na forma como a consulta foi realizada, alterando a composição da lista de pré-candidatos às vésperas do pleito.

Um dos incluídos, com o apoio de líderes tucanos como Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, o então pré-candidato Fábio Feldmann venceu Getúlio Hanashiro, que, inconformado, denunciou, nas palavras dele, o conchavo de última hora.

Naquela ocasião, a maioria dos filiados vetou uma aliança com o PMDB e permitiu a coligação com partidos de menor expressão como o PDT e o PV, uma decisão que se revelou imprudente.

Com o PSDB dividido, Feldmann teve desempenho ruim nas urnas, sendo um dos candidatos menos preferidos pelos paulistanos.

ESTATUTO
 
Fundado em 1988, o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) estipulou em seu estatuto o princípio da democracia interna, que deveria permitir a máxima participação dos filiados na definição da orientação política, na seleção dos dirigentes, no processo decisório.

Mas, desde a fundação, o PSDB funciona como partido político de quadros, em que líderes tomam decisões e a participação dos demais filiados é mínima e esporádica.
A lei de ferro da oligarquia é irrevogável.

CELSO ROMA é cientista político e especialista em partidos e eleições.