terça-feira, 6 de março de 2012

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A Justiça e a crítica construtiva

06 de março de 2012 | 3h 10
O Estado de S.Paulo

Irritado com perguntas dos jornalistas sobre a suspeita de pagamentos irregulares a desembargadores, sobre os critérios usados pela Corte na correção monetária de créditos trabalhistas dos juízes e sobre o atraso na quitação de precatórios, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Ivan Sartori, acusou a imprensa de estar empenhada em campanha para denegrir a imagem da Corte.

"Existe uma campanha para denegrir o Judiciário de São Paulo. Repilo esse movimento, partindo principalmente do jornal O Estado de S. Paulo e da Folha de S.Paulo", disse Sartori, na sexta-feira. A entrevista foi convocada por causa da primeira visita da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, ao TJSP, depois que classificou a Corte como a mais refratária ao controle do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas foi Sartori quem monopolizou a atenção dos jornalistas, exaltando-se a ponto de Eliana Calmon recomendar que ele se acalmasse.

A pergunta que mais o irritou foi a relativa aos critérios usados pelo TJSP no rateio dos rendimentos auferidos com base nos convênios firmados com bancos para depósito do dinheiro dos precatórios. Ao ser indagado por nosso repórter Fausto Macedo se a parte da renda que cabe à Corte estaria sendo destinada ao pagamento de passivos trabalhistas de desembargadores, Sartori acusou o Estado de ser parcial. "Foram pagamentos antecipados, questões entre os desembargadores", afirmou.

No mínimo o ministro exagerou em sua veemência, uma vez que esses pagamentos envolvem dinheiro público. Mas a agressividade com que tratou o jornalista não referendou o teor de seus argumentos. O que o presidente do TJSP chama de campanha para "denegrir o Judiciário" nada mais é do que a publicação e a discussão, pelos jornais, dos problemas estruturais da Justiça e das mazelas pessoais de alguns - felizmente, poucos - magistrados acusados de desvio de conduta. E, mais importante, todos esses problemas foram revelados e expostos ao público pelo CNJ.

Desde que o órgão responsável pelo controle da magistratura começou a funcionar, em 2005, era inevitável que suas fiscalizações explicitassem, para a opinião pública, o excesso de privilégios que juízes e desembargadores insistem em apresentar como "prerrogativas". Em seis anos de funcionamento, o CNJ proibiu os magistrados de contratar parentes para cargos de confiança, cobrou rigor das corregedorias estaduais e autuou tribunais que gastavam dinheiro público com viagens, banquetes e coquetéis.

Na defesa de privilégios corporativos, como férias de dois meses e auxílios concebidos para contornar o dispositivo constitucional que estabelece o teto de R$ 26,7 mil para o funcionalismo público, as associações de juízes afirmam que as vantagens financeiras estão previstas por lei. Com isso, relegaram para segundo plano o fato de que nem tudo que é legal é, necessariamente, moral. Indignada com a posição dessas associações - especialmente as controladas por desembargadores paulistas -, a opinião pública mobilizou-se para evitar que elas conseguissem esvaziar as competências do CNJ, arguindo sua inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. A imprensa registrou essa mudança de ventos na Justiça e, em editoriais, apoiou as medidas do CNJ para torná-la mais transparente.

No caso do atraso na quitação dos precatórios, além disso, o presidente do TJSP atribuiu o problema a meros "descuidos" administrativos. Na realidade, o problema é grave e, ao contrário do que diz Sartori, envolve, sim, a discussão sobre os critérios de rateio dos rendimentos auferidos com os convênios firmados com os bancos. O descalabro administrativo constatado pelo CNJ na Justiça paulista mostra como agem juízes estaduais que são rápidos e eficientes quando têm interesse em jogo, mas imputam a "descuidos" o tratamento ineficiente dispensado a quem não consegue receber créditos públicos a que tem direito.

Longe de patrocinar uma campanha para "denegrir" a Justiça, o que a imprensa tem feito é expor os problemas de um Poder que demorou para se modernizar, que se opôs ao controle da magistratura e que não consegue conviver com uma das principais virtudes da democracia - a crítica construtiva.