segunda-feira, 5 de março de 2012

Folha / The New York Times.


Índice geral São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2012New York Times
New York Times

Análise

Portugal serve de profecia

Lisboa paga para proteger sua reputação

Por LANDON THOMAS Jr.

LISBOA - Agora que a Grécia chegou a um acordo com a Europa para um novo pacote de socorro, talvez valha a pena observar a lição de Portugal.

Ao contrário da Grécia, Portugal fez tudo o que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional lhe pediram, em troca do último pacote de ajuda de € 78 bilhões, em maio passado. No entanto, Portugal está afundando mais no buraco.

A proporção entre dívida e PIB do país era de 107% quando recebeu a ajuda. No próximo ano poderá chegar a 118%.

Isso não acontece necessariamente porque a dívida de Portugal está crescendo, mas porque sua economia está encolhendo. Economistas dizem que esse círculo poderá se repetir em outros lugares da Europa: Espanha e Itália têm proporções crescentes entre dívida e PIB, mesmo cortando orçamentos e aumentando impostos.

Sem crescimento, reduzir os níveis da dívida torna-se quase impossível. É como tentar pagar uma grande conta de cartão de crédito depois de receber um corte no salário.

Vitor Gaspar, o ministro das Finanças de Portugal, é altamente respeitado pelas autoridades econômicas e financeiras da Europa. Ele reduziu o deficit orçamentário em mais de um terço através de medidas duras. Mas muitos economistas dizem que por isso também a economia portuguesa encolheu 1,5% em 2011 e poderá se contrair 3% este ano.

"A dívida de Portugal simplesmente não é sustentável", disse David Bencek, um analista do Instituto Kiel para a Economia Mundial, na Alemanha. "A economia não tem estrutura para crescer no futuro e, portanto, não conseguirá repagar sua dívida em longo prazo."

O FMI prevê que Portugal crescerá o suficiente para cortar sua dívida. Porém, até o FMI adverte que, se o crescimento for decepcionante, a dívida de Portugal "não seria sustentável".

O FMI está ansioso para mostrar um bom exemplo de reestruturação econômica. Na verdade, Portugal é considerado tamanho modelo de reforma que a União Europeia e o FMI deverão lhe trazer mais dinheiro no ano que vem, se necessário -como foi sugerido em uma conversa ouvida entre Gaspar e o ministro das Finanças alemão em fevereiro.

Mas como indica a proporção entre dívida e PIB de Portugal, em lento crescimento, ser o paciente de dívida modelo da Europa não facilita sair da dívida. Outros poderiam achar ainda mais duro.

A Espanha, cuja proporção de dívida sobre PIB era de 36% antes do início da crise, tem projeções de mais do que duplicar esse número, para 84%, até 2013. A Itália, cuja proporção já era de 105% em 2009, deverá alcançar 126% no ano que vem.

Se Portugal e outros devedores europeus acham cada vez mais difícil pagar a seus credores por causa do crescimento lento ou zero, alguns especialistas preveem que poderão precisar negociar descontos da dívida. Foi assim que aconteceu na América Latina nos anos 1980, quando ficou claro que as medidas de austeridade do FMI impediam o crescimento de que os países precisavam para pagar a dívida.

Charles Wyplosz, um economista internacional, afirma que até que a atividade econômica seja retomada nos países soterrados pela dívida é inútil punir os cidadãos com políticas de contenção de crescimento.

"É tudo pseudociência", disse. "Por isso eu acho que Portugal terá de fazer a moratória de sua dívida, e pode-se afirmar que a Itália terá de reestruturar também."

Gaspar, porém, insiste em que Portugal não tentará renegociar suas dívidas, por causa dos danos permanentes que poderia causar à reputação de Lisboa como mutuário. "Essa possibilidade está completamente excluída", disse.

Gaspar não tem planos para facilitar. Este ano, ele pretende cortar os pagamentos de aposentadorias do governo em € 1,2 bilhão e cortar os pagamentos de bônus que os trabalhadores do setor público do país recebem há muito tempo.

Os economistas aceitam que durante a fase inicial de um grande programa de ajuste de gastos a proporção dívida-PIB aumente enquanto o crescimento econômico sofre. A aposta é que com o tempo a economia se recupere o suficiente para possibilitar um superavit primário.

Mas Bencek disse que Portugal precisará de um superavit primário de 10% do PIB nos próximos anos para reduzir sua dívida para um nível administrável. E isso, ele disse, exigiria cortes de gastos muito além dos que Gaspar realizou.

Muitos portugueses se perguntam se não seria melhor que o governo negociasse condições mais fáceis com os credores.

"Portugal economizaria € 3 bilhões por ano se reestruturasse sua dívida", disse Pedro Lains, um historiador econômico na Universidade de Lisboa.

Ele afirmou que a contração dos salários estava levando mais portugueses a deixar o país, enquanto o governo tenta provar que vale a pena continuar na zona do euro. "Mas a culpa não é do povo português", disse. "A culpa é da estrutura do euro."