No Maranhão não tem disso, não
16 de janeiro de 2014 | 2h 08
Roberto Macedo* - O Estado de S.Paulo
O Maranhão destacou-se no noticiário recente quando veio
à tona a chocante situação do presídio de Pedrinhas, na capital. Essa
prisão é recordista nacional de presos assassinados por outros detentos,
no que houve até torturas e decapitações enaltecidas por seus autores.
Não se pode dizer que houve uma crise. Ela estava lá e apenas aflorou
dramaticamente ao evidenciar a situação calamitosa do sistema
penitenciário do Estado e a responsabilidade do seu governo pelo que ali
se passa.
Superlotação, desconforto, más condições sanitárias, domínio de
detentos por facções criminosas e outros problemas também atingem
presídios em outros Estados. No Maranhão, contudo, um dos mais pobres do
País, governado há tempos por uma oligarquia familiar desatenta a
questões como essa, o presídio de Pedrinhas acabou tendo projeção
nacional como símbolo do desleixo governamental.
A governadora Roseana Sarney, com um semblante que não escondia a
situação constrangedora a que foi levada, veio com explicações para os
acontecimentos, ainda que sem se deter na própria falta de ações que, se
tomadas corretiva e preventivamente no passado, poderiam ter impedido a
eclosão do que de nefasto ocorreu em Pedrinhas.
Nesse escapismo, uma das razões que apontou para o aumento da
criminalidade foi que o Maranhão se vem tornando "mais rico". Essa
afirmação soou estranha para muitos e recebeu várias críticas. Entre
elas, a do jornalista Alberto Dines. Primeiro, ele criticou José Sarney,
pai da governadora, por ter afirmado que a violência nas prisões do
Estado estava contida pela filha. Mas, logo depois, "(...) a violência
ganhou as ruas de São Luís, num claro desafio ao imortal ficcionista
(...)", referindo-se ao incêndio de um ônibus que levou à morte de uma
criança por queimaduras, as quais alcançaram também familiares que a
acompanhavam. Em seguida, Dines disse que Roseana, no dia 9, "(...) ao
lado de um ministro da Justiça envergonhado com aquela despudorada
exibição de cinismo, teve o desplante (...)" de fazer a referida
afirmação.
Sem me ater primeiramente à apontada relação entre o Estado estar
"mais rico" e o aumento da violência local, logo estranhei a referência à
maior riqueza maranhense. O que ela poderia ter dito é que o Maranhão
está ficando menos pobre, o que é outra coisa. De fato, o PIB estadual
vem crescendo mais do que a média nacional. Segundo levantamentos do
IBGE, o PIB do Maranhão aumentou sua participação no do País, de 0,9% em
1995 para 1,3% em 2011.
Uma das razões é o florescimento do agronegócio no sul do Estado, o
mesmo ocorrendo com a mesma região de seu vizinho, também muito pobre, o
Piauí. Em ambos o sul apresenta condições similares às que em Mato
Grosso permitiram o forte aumento da produção de grãos. Aliás, hoje já
se fala da região denominada Mapitoba, que reúne essa área daqueles dois
Estados, juntamente com o norte de Tocantins e o oeste da Bahia.
Passando à relação entre menor pobreza e aumento da criminalidade,
esta também soa estranha, mas pode ocorrer. Fui despertado para essa
possibilidade por mensagem de Tulio Kahn, um sociólogo que se vem
destacando por seus estudos sobre segurança pública. O texto da mensagem
tratava, entre outros aspectos, de dados que indicam um aumento da
criminalidade patrimonial em 12 países da América Latina entre 2003 e
2011, período em que aumentaram as taxas de crescimento do PIB e da
renda na região, paralelamente à melhoria de vários de seus indicadores
sociais. Segundo Kahn, o crescimento da economia amplia o volume de bens
em circulação e isso abre espaço para crimes estimulados pelas maiores
oportunidades de cometê-los. Em outras palavras, quem passa a ter mais
renda e bens disponíveis se torna alvo de maior interesse de ladrões.
Estendendo a conversa, Kahn trouxe-me à lembrança um economista que
estudou aspectos econômicos da criminalidade, o americano Gary Becker,
Nobel da área em 1992. Este argumentou que os seres humanos são
racionais e movidos por interesses econômicos. Assim, ladrões também
agem desse modo por entenderem que como resultado sua condição econômica
será melhor ou não tão ruim. Mas, ainda que sem fazer cálculos
precisos, eles também ponderam os benefícios do crime relativamente a
seus custos, como o risco envolvido na própria ação ou a punição depois
dela. E a avaliação se dá com relação a alternativas de melhorar sua
condição econômica, se existirem.
Nesse contexto, na formulação de políticas públicas para combater a
criminalidade pondera-se que esta nunca poderá ser reduzida a zero,
dados os imensos custos que isso envolveria. Mas pode-se fazer muito em
contrário, aumentando os custos percebidos pelos criminosos, como os
envolvidos na captura e punição.
Voltando ao Maranhão, quanto aos custos seria abjeto acenar com a
perspectiva de cadeias como a de Pedrinhas. E li que no Estado há mais
criminosos foragidos que detidos, revelando que mesmo se ela e outras
aprimorarem suas condições, e mais forem criadas, o desestímulo da
perspectiva prisional não funcionará se muitos mais criminosos não forem
capturados. Ou seja, não há como a governadora, ou quem lhe suceder,
retirar o problema de seu colo.
Outra saída importante, também de agenda governamental e nada sólida
no Maranhão, é oferecer alternativas à criminalidade, em particular na
forma de uma educação efetivamente adequada, inclusive
profissionalizante, e mais oportunidades no mercado de trabalho.
Mas, parodiando canção gravada em 1950 por Luiz Gonzaga e voltada
para o Ceará, o que se pode dizer repetidamente, mais do que sobre
muitos outros Estados, é que no Maranhão não tem disso, não. E de novo
recorrendo a Gonzagão: quem não gostar que me "adesculpe", porque essa é
a minha percepção.
*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP E HARVARD) e consultor econômico e de ensino superior.