Sexta, 31 de janeiro de 2014
A volta da ditadura: governo Dilma militariza Terra Indígena Tupinambá
A história de violência vivida pelo povo Tupinambá nas décadas de 1930 e 1940, se repete na Serra do Padeiro, sul da Bahia.
Apesar do regime hoje ser democrático e, desde 1988, a Constituição
Federal assegurar, de modo claro e assertivo, os direitos dos povos
indígenas às suas terras tradicionais, ao invés de finalizar o processo
demarcatório e solucionar definitivamente esta questão, a opção do
governo Dilma foi a de enviar a Polícia Federal e a Força Nacional para a
área indígena. Durante as duas últimas madrugadas (29 e 30 de janeiro),
os Tupinambá, que permanecem no mato após a reintegração de posse das
fazendas Sempre Viva e Conjunto São José, foram alvos não só de armas de fogo, mas também de granadas, segundo eles mesmos relataram.
A reportagem é publicada pelo Cimi, 30-01-2014.
O processo de identificação da Terra Indígena Tupinambá teve início em 2004. Cinco anos depois, em abril de 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai)
aprovou o relatório circunstanciado, no qual reconhece que “a área na
qual se situa o imóvel litigioso é terra indígena tradicionalmente
ocupada, cuja posse e usufruto são exclusivos da Comunidade Tupinambá”.
O encaminhamento do relatório foi feito ao Ministério da Justiça, que
tinha um prazo de 30 dias, de acordo com o decreto 1775/96, para a
expedição da portaria declaratória. O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
insiste em desrespeitar a legislação brasileira, de modo especial a
Constituição Federal. É inaceitável que, em vez de dar seguimento ao
devido procedimento administrativo, o governo instale uma base policial
em uma terra reconhecidamente indígena.
Segundo a diretora da escola indígena, Magnólia Tupinambá,
na madrugada de (30/01), mais viaturas policiais chegaram na área. “O
tiroteio foi ainda maior que na noite anterior. Parecia que iam derrubar
as casas de tanto tiro. Foi muito tiro mesmo, e granada também. Mesmo a
6 km de distância você assustava com tanto tiro. E a gente se pergunta:
por que o governo tá atirando nos indígenas? Por que tá agindo do mesmo
jeito que na época da ditadura? Por que toda esta violência contra nós?
Só queremos o que é nosso de direito”, questiona ela.
Além do episódio em que a Polícia Federal foi acusada de torturar
cinco indígenas Tupinambá em 2009, em uma área retomada (Ação Civil
Pública nº 001825-23.2010.4.01.3311 – JF/Itabuna), a diretora Magnólia
refere-se à brutal perseguição do cacique Marcellino, que vitimou toda a
comunidade Tupinambá na época da intensificação da agricultura
cacaueira. Na década de 1930, ao tentar frear a penetração dos não
índios, contratados pelos coronéis, no território Tupinambá, o cacique
resistiu a sucessivos confrontos com a polícia. No entanto, em 1937, Marcellino desapareceu. Os índios afirmam que ele foi levado para o Rio de Janeiro. O certo é que nunca mais retornou.
Este trecho de um artigo publicado, em outubro de 2013, na revista Carta Capital dá a dimensão da violência a que se referem os Tupinambá: “Quando procuravam Marcellino, certa noite, os policiais invadiram um sítio habitado por três indígenas – os irmãos Flaviano, Lourenço e Rufino
– e suas famílias. Para que informassem o paradeiro do 'bando', os
irmãos foram amarrados, açoitados com varas e interrogados. Os filhos
menores de Rufino foram poupados, mas os dois mais velhos, Estelina Maria Santana e seu irmão Pedro, levaram uma surra de bainha de facão. Estelina
morreu em 1987. A história quem conta é um de seus filhos, que vive em
uma área retomada. Em sua perspectiva, o imperativo de recuperar o
território tem a ver, junto às questões materiais, com uma obrigação
moral, em memória de Estelina. Também participa do processo de retomada a filha de outro indígena torturado na perseguição a Marcellino, Manoel Liberato de Jesus,
o Duca, que teve unhas arrancadas a saibro e a orelha esquerda pregada
na parede. Ao fazê-lo, os policiais avisaram: se ainda estivesse ali
quando voltassem, morreria. 'Meu pai fez força, rasgou a orelha e saiu'.
O lóbulo acabou permanentemente mutilado, como se pode ver no retrato
em sua carteira de filiação ao Sindicato Rural de Ilhéus, guardada pela
filha”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
entende que a militarização do território Tupinambá somente agrava a
situação vivida pelos Tupinambá e ocupantes não índios. A solução do
caso depende, necessariamente, da imediata publicação da portaria
declaratória da Terra Indígena Tupinambá, bem como, o
pagamento das indenizações devidas aos ocupantes não indígenas e o
reassentamento daqueles que têm perfil para a reforma agrária.
É inteira responsabilidade do governo Dilma evitar ou causar uma tragédia na Serra do Padeiro, terra do povo Tupinambá.