Segunda, 27 de janeiro de 2014
Dilma usa discurso em Davos como uma "Carta aos Brasileiros" para novo mandato
A presidente Dilma Rousseff falou o que os investidores queriam ouvir. Eles gostaram do que ouviram, mas ainda são céticos. No discurso que fez no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, Dilma
assumiu dois compromissos importantes e que, até agora, foram
conduzidos de forma ambígua: tanto as metas para a inflação quanto a
questão fiscal.
O comentário é de Claudia Safatle, jornalista, publicado no jornal Valor, 27-01-2014.
No texto, alinhavado com o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, Dilma
assegurou: "Buscamos com determinação a convergência para o centro da
meta inflacionária".
Referir-se ao centro da meta de 4,5% foi uma
inovação do pronunciamento porque, até então, a presidente se restringia
a dizer que a inflação estava sob controle e na meta. Pelo regime de
metas, há uma banda de tolerância de dois pontos percentuais, para cima
ou para baixo. A inflação tem se situado consistentemente mais próxima
do teto, de 6,5%, numa indicação de que o governo se sente confortável
com uma inflação próxima de 6%.
A deterioração das contas públicas de 2012 para cá é o principal alvo das críticas e temores dos mercados. Dilma, em seu discurso em Davos,
começou dizendo que "a responsabilidade fiscal é um princípio basilar
da nossa visão do desenvolvimento econômico e social". Ressaltou a
"acentuada redução" da dívida pública líquida, que caiu de 42,1% do PIB
em 2009 para 34% em 2013. E citou que dívida bruta no período declinou
de 60,9% do PIB para 58,5%.
"Em breve, meu governo definirá a meta de superávit primário para o
ano consistente com essa tendência de redução do endividamento público",
assegurou, dizendo: "Temos um dos menores endividamentos públicos do
mundo".
Para o futuro, indicou duas iniciativas: "Aprimorar o controle das
contas dos entes federados Estaduais e municipais e fortalecer o
preceito da responsabilidade fiscal, para tornar mais efetiva e
transparente a geração de superávit primário de todos os entes
federados; e o reposicionamento dos bancos públicos na expansão do
crédito ao investimento, possível agora graças ao aumento da
participação do financiamento privado". Dilma repetiu o
que havia dito em outra ocasião: "Com a normalização dos mercados
globais, a orientação estratégica do governo é que as instituições
públicas retornem às suas vocações naturais".
Numa espécie de "Carta aos Brasileiros" para um
possível segundo mandato, a presidente reiterou o "compromisso com a
qualidade institucional, em especial com o respeito aos contratos
existentes" e com um "ambiente atrativo aos investidores".
Não houve o anúncio de medidas concretas. Nem caberia à presidente
anunciar medidas de cunho doméstico em um fórum internacional. Se
medidas concretas virão, e se os compromissos firmados em um
pronunciamento são críveis, isso só vai ficar claro nos desdobramentos
do discurso.
Em Davos, ela pretendia fazer "um gesto" de
aproximação do seu governo com o setor privado nacional e estrangeiro,
cujas relações azedaram nos últimos dois anos, sem "mea culpa" nem
providências concretas.
Dilma também fez um discurso amigável aos investidores e empresários do setor privado, em seminário organizado pelo Goldman Sachs
em Nova York, em setembro. Quem ouviu a fala da presidente nas duas
ocasiões não ficou animado com as promessas de sexta-feira. "Prometer é
uma coisa. Entregar é outra", disse uma fonte do mercado financeiro que
comparou ambos os discursos.
Dado o grau de desconfiança que marca a relação entre o setor privado
e o governo, será preciso mais do que palavras para a presidente colher
frutos de eventual ajuste na política macroeconômica. Ela disse que o
governo persegue o centro da meta de inflação, de 4,5%. Mas não há
indicação sobre o tempo em que espera que haja uma convergência para a
meta.
Outra dúvida se refere à meta de superávit consistente com a redução
da dívida. Repetir o resultado do ano passado - saldo estimado em 1,9%
do PIB - não é suficiente para diminuir a dívida líquida como proporção
do PIB. Um aperto mais forte não é crível no ano da campanha pela
reeleição.