quinta-feira, 9 de julho de 2009

Excelente matéria do Congresso em Foco.

09/07/2009 - 07h44

Família Sarney coleciona escândalos no poder

Presidente do Senado, filhos e netos se envolvem em alguns dos mais rumorosos casos investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Acusações incluem abuso de poder econômico e formação de quadrilha

Eduardo Militão e Lúcio Lambranho

A série de revelações das últimas semanas colocou a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no centro da crise política brasileira. Não é de hoje, entretanto, que o sobrenome maranhense aparece envolvido em escândalos com dinheiro público. Acusações rumorosas acompanham o clã desde os tempos em que Sarney presidiu o Brasil, na década de 1980.

Em 1987, o início das obras da Ferrovia Norte-Sul foi interrompido em decorrência da revelação de fraude na licitação. Em anúncio cifrado publicado no caderno de classificados, a Folha de S. Paulo antecipou os nomes das empreiteiras vencedoras. Investigado, o caso acabou esquecido.

Desde que se elegeu presidente do Senado, pela terceira vez, em fevereiro deste ano, José Sarney anda às voltas com mais uma série de revelações constrangedoras. Uma das últimas foi publicada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 3 de julho.

O diário paulista revelou que o presidente do Senado não declarou à Justiça Eleitoral em 1998 e 2006 uma casa no Lago Sul em Brasília, avaliada em R$ 4 milhões. O senador comprou a residência em 1997 do dono do banco Safra, Joseph Safra, mas só registrou o negócio em cartório em 2008.

Em nota, assessoria do presidente do Senado afirmou que o pagamento da casa foi feito em dez parcelas. A partir de 1999, Sarney garantiu que a residência foi informada em declarações à Receita Federal e ao Tribunal de Contas da União (TCU). “Motivo pelo qual não foi incluído na declaração de Imposto de Renda de 1998 do senador e, por conseqüência, não foi informado à Justiça Eleitoral naquele ano.”

Sobre o fato de as informações não serem prestadas à Justiça Eleitoral, Sarney disse que, “por equívoco do contador, em 2006, foi apresentada à Justiça Eleitoral a mesma lista de bens de 1998”.

A nota se contradisse. Na verdade, as declarações de bens de 1998 e 2006 são diferentes. Confira aqui e aqui. Em seguida, a assessoria de Sarney corrigiu-se com uma nova nota. Afirmou a omissão da casa à Justiça Eleitoral aconteceu “por esquecimento, depois de feita a atualização patrimonial”.

Para o advogado Eduardo Ferrão, que defende alguns familiares do senador pelo Amapá, existem acusações “absolutamente absurdas” contra o clã. A assessoria da presidência do Senado diz que a intenção é influenciar nas eleições de 2010 e encontrar um “bode expiatório” para os problemas ao personalizar as denúncias em José Sarney. As acusações contra os Sarney, no entanto, não param de apareder.

Atos secretos

Na últimas semanas, surgiram os atos secretos. Uma comissão de sindicância apurou que, desde 1996, foram feitas 663 normas só publicadas em boletins administrativos suplementares, tempos depois de sua real aplicação.

Algumas dessas normas secretas serviram para contratar membros da família Sarney. É o caso de um neto de José Sarney, João Fernando, no gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA) e de uma sobrinha dele no gabinete de Delcídio Amaral (PT-MS). Outros atos empregaram uma prima e uma sobrinha do marido da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, Jorge Murad.

De acordo com a assessoria da Presidência do Senado, realmente foi José Sarney quem pediu a Delcídio para empregar a sobrinha. Mas o ato não foi secreto. Um ato foi publicado, e ela não atendeu à convocação para assumir o cargo em 30 dias. Foi determinada uma nova publicação, segundo a assessoria, mas, desta vez, a sobrinha assumiu e o ato não foi publicado.

Os auxiliares de Sarney dizem que ele não teve conhecimento algum da contratação do neto para o gabinete de Epitácio Cafeteira. Mas que ele recomendou que os salários pagos à sobrinha de Murad, que também estava no gabinete de Cafeteira, fossem ressarcidos.

Três filhos

Os três filhos do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público e processados na Justiça.

A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), é investigada pelo Ministério Público Federal em Brasília por uso de passagens aéreas. Conforme mostrou o Congresso em Foco em março, a agência de turismo Sphaera disse que a cota da então senadora foi usada para transportar um grupo de pessoas de São Luís (MA) a Brasília.

Roseana ainda responde a um processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela é acusada de abuso de poder econômico e de pagar as despesas eleitorais da coligação União Democrática Independente, formada pelo PSL e PTC. Um dos denunciantes é Aderson Lago (PSDB), sobrinho do governador cassado do estado, Jackson Lago (PDT). Segundo ele, R$ 168 mil foram usados em troca do apoio político.

De acordo com o secretário de Comunicação do Maranhão, Sérgio Macedo, nenhuma das duas acusações procede. Ele diz que a ação no TSE “é uma peça de ficção assinada pelo tucanato, pela perda do poder”. Segundo Macedo, já há pareceres contrários à ação judicial.

O secretário de Comunicação diz que Roseana já comprovou que nenhuma pessoa listada na notícia viajou às custas do Senado. “Todos viajaram por conta própria.” Macedo aguarda que o MPF arquive a investigação contra a governadora.

Corrupção

Fernando, outro filho de José Sarney, é acusado em inquérito da PF de montar um esquema de corrupção no governo, apurado pela Operação Boi Barrica. Para os policiais, ele praticou formação de quadrilha, crime contra a administração pública e crimes contra o sistema financeiro nacional.

Outro filho, o deputado Sarney Filho (PV-MA), é um dos investigados pelo Ministério Público por usar passagens áreas para voar ao exterior com a mulher e o filho para o exterior. Para o MP, esse e outros casos mostram "sérias irregularidades cometidas na emissão de passagens aéreas pagas com recursos da Câmara dos Deputados".

Partiram da cota de Sarney Filho cinco voos para Marco Antônio Bogéa. Ele é um dos investigados pela PF na Operação Boi Barrica. O inquérito continua em andamento e é analisado em conjunto com uma equipe de quatro procuradores da República no Maranhão.

O advogado de Fernando Sarney, Eduardo Ferrão, afirma que todas as acusações são falsas. Ferrão está questionando na Justiça a interpretação dada a diálogos telefônicos para comprovar a defesa. “Nossa preocupação é colocar tudo dentro dos autos do que aconteceu realmente”, diz. Ferrão protesta contra o vazamento do inquérito.

Procurada na semana passada, a assessoria de Sarney Filho informou que não localizou o parlamentar para comentar o assunto.

Um neto

A operação de créditos consignados no Senado é investigada pela Polícia Federal. Uma das empresas era dirigida pela babá do ex-diretor de Recursos Humanos da Casa João Carlos Zoghbi. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, José Adriano Sarney, neto do presidente do Senado, é um dos operadores dos empréstimos consignados. Ele abriu sua empresa – a Sarcris Consultoria, Serviços e Participações Ltda – quatro meses depois de Zoghbi criar a Contact Assessoria de Crédito.

Adriano Sarney disse que fatura “menos de R$ 5 milhões” por ano com a empresa de intermediação de crédito. E negou ao jornal que fosse beneficiado por ser neto do presidente do Senado.

O pai de Adriano, o deputado Sarney Filho, não retornou os recados deixados pelo Congresso em Foco com sua assessoria. A Superintendência da Polícia Federal em Brasília, que investiga os empréstimos consignados no Legislativo, afirmou que não poderia se manifestar sobre o caso.

CASO A CASO
Conheça os escândalos que envolvem a família do presidente do Senado, José Sarney

Personagens

Caso

Defesa

José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado

  • Contratação do neto João Fernando Sarney e da sobrinha Vera Macieira Borges por meio de ato secreto




  • Ocultação de mansão de R$ 5 milhões à Justiça Eleitoral



  • Recebeu auxílio-moradia mesmo morando possuindo casa própria na capital


  • Funcionário da Fundação José Sarney, no Maranhão, Raimundo Nonato Quintiliano recebe salário do Senado




  • O suplente de Sarney, Jorge Nóvoa, é seu assessor parlamentar


  • Valéria Freire dos Santos, nomeada por ato secreto, mora num imóvel no térreo dos prédios funcionais dos senadores



  • Usou R$ 800 mil de sua verba indenizatória para contratar empresa que organizasse acervo pessoal de livros e documentos

  • Um ato secreto permitiu que o irmão de Sarney, Ivan, trabalhasse de 2005 a 2007 na segunda Secretaria do Senado, então comandada por João Alberto (PMDB-MA)

  • Assessoria de Sarney diz que o ato da sobrinha foi publicado uma primeira vez, mas por algum problema não o foi numa segunda publicação. Quanto ao neto, diz que não teve nenhuma ingerência sobre o assunto.

  • Nota diz que ocultação foi por “esquecimento” e que tudo foi informado à Receita Federal e ao TCU

  • Trata-se de uma vantagem concedida nas normas da Casa aos Senadores e só o recebi por oito meses, sem Que o solicitasse.

  • Raimundo seria funcionário do gabinete de Edison Lobão (PMDB-MA). “Apenas presta serviço voluntário na Escola de Música do Bom Menino, entidade filantrópica que atende a cerca de 700 meninos pobres que recebem instrução e três refeições diárias e há 12 anos realiza grande obra social”

  • Sobre o suplente assessor: “O dr. Jorge Nóvoa da Costa, meu assessor, é ex-governador do Amapá, com uma longa carreira no serviço público, e especialista em assuntos agrários

  • A assessoria de Sarney diz que Valéria ficou alojada provisoriamente na portaria do bloco, e não em apartamento exclusivo dos senadores. “Assim foi feito por motivo humanitário, enquanto não encontrava residência”

  • “Pesquisadores trabalham na organização de meu arquivo, e fazem pesquisas importantes para minhas tarefas”


  • Sarney diz que não teve participação no episódio.

Roseana Sarney - governadora do Maranhão e ex-senadora

  • Parentes do marido de Roseana, Jorge Murad, contratados pelo Senado. A prima Virgínia Murad estava na liderança do governo no Congresso. A sobrinha Isabella Murad morava no exterior, mas estava lotada na liderança do PTB

  • Abuso de poder econômico nas eleições de 2006



  • Uso de cota de passagens para fins particulares, quando era senadora


  • Amauri de Jesus Machado, trabalha como motorista, mas seria mordomo de Roseana Sarney
  • Nota de José Sarney sobre Virgínia: “Não tive qualquer conhecimento”. Sobre Isabella: “Foi exonerada e recomendei ao senador [Cafeteira] a cobrança dos valores pagos indevidamente”


  • Secretário de Comunicação do Maranhão diz que acusação sobre abuso nas eleições é “peça de ficção”

  • Secretário de Comunicação afirma que tudo já foi esclarecido e aguarda arquivamento do caso no MPF

  • Assessoria de Sarney diz que Amauri trabalha “no Senado” há mais de 20 anos, embora não estivesse lotado no gabinete da parlamentar

Fernando Sarney, empresário

  • Formação de quadrilha, crime contra a administração pública e crimes contra o sistema financeiro nacional, apurados na Operação Boi Barrica
  • Advogado Eduardo Ferrão diz que nada aconteceu e que diálogos interceptados foram mal interpretados. Critica vazamento de inquérito

Zequinha Sarney (PV-MA), deputado federal

  • Uso de passagens aéreas para transporte de familiares




  • Uso de passagens aéreas para transporte de Marco Bogéa, investigado pela PF
  • Já havia dito ao Congresso em Foco que apurava o que aconteceu e que, “se for constatado algum equívoco, este será reparado”.

  • Zequinha Sarney afirmava que Bogéa estava com câncer e resolveu ajudá-lo por ser seu amigo de infância

Adriano Sarney, empresário, filho de Zequinha

  • Dono de empresa de intermediação de crédito consignado no Senado. A PF investiga a ação dessas empresas na Casa e o eventual cometimento de irregularidades
  • Assessoria de José Sarney diz que, quando assumiu a presidência, Adriano já estava descredenciado. Foi Sarney quem solicitou a investigação à Polícia Federal

Fontes: Ministério Público Federal, Polícia Federal, noticiário, assessores e advogados da família e notas à imprensa

Defesa de Sarney

O advogado Eduardo Ferrão, que defende Fernando Sarney no inquérito da Operação Boi Barrica, há acusações indevidas contra o clã do Maranhão. “Pela convivência com a família, vejo que há algumas coisas absolutamente absurdas. Vai aparecer amanhã outra coisa, como ‘o pneu do carro dele veio da Argentina e não do Brasil”, imagina.

Ele diz que é normal a certas pessoas solicitar serviços a outras pessoas, como contadores. Ferrão afirma que os Sarneys não têm como se responsabilizar por tudo que as outras pessoas fazem à sua volta.

A assessoria da Presidência do Senado também diz que José Sarney está sendo vítima de suas medidas para moralizar a Casa. E afirma que procura-se um “bode expiatório” para todos os problemas. “Essa crise é para 2010”, informa a assessoria, ao crer que a intenção é desestabilizar a base aliada e garantir argumentos à oposição na disputa eleitoral do ano que vem.

Os auxiliares do presidente lembram que, ao assumir o comando da Casa, Sarney cortou as despesas e determinou que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) estudasse a reforma administrativa da instituição. Só a partir daí é que surgiram as denúncias, dizem.

“Os atos secretos só foram descobertos porque foram levantados no relatório da FGV. Se a intenção fosse escondê-los, não estaria no relatório”, diz a assessoria. Além disso, a personalização da crise no presidente não teria sentido. Os assessores dizem que os atos secretos atingiram todos os parlamentares da Casa e não apenas Sarney.

“Quando é com o José Sarney, é crime. Quando é com outro senador, é chantagem, ameaça”, reclama a assessoria.