terça-feira, 28 de julho de 2009

No Blog de Marta Bellini...o nosso bom portugues, inculto e belo (salvo quando usado pelos senatores).

Erros mais que interessantes!


ERROS INTERESSANTES

José Augusto Carvalho, Professor de Linguística da Universidade Federal do Espirito Santo, Brasil

No meu ofício, deparam-se-me às vezes alguns erros interessantes que merecem destaque pelo curioso da construção.Algumas construções parecem erradas e não o são, como “A Justiça e Deus vai julgar-me” (poderia ser “vão julgar-me”, mas o singular é possível por causa da hendíade, isto é, da falsa coordenação, em que a conjunção está no lugar da preposição: a Justiça de Deus ou a Justiça Divina vai julgar-me), ou como esta frase que copiei de uma redação de vestibular: “As coisas que os casais faziam era juntos”, em que “era” é verbo vicário ou verbo pronominal, que está no lugar do verbo anterior. Parafraseado, o período fica assim: “As coisas que os casais faziam faziam juntos”.
Em um jornal local, do dia 10-10-07, anotei a seguinte frase: “A equipe agradece e parabeniza todos os participantes do concurso, desejando um feliz Dia das Crianças aos pequenos leitores deste jornal.” O verbo “agradecer” é transitivo indireto: agradecer a alguém; o verbo “parabenizar” é transitivo direto: parabenizar alguém. Não se deve atribuir o mesmo complemento a verbos de regência diferente. O objeto indireto de um verbo não pode ser ao mesmo tempo objeto direto de outro verbo. A frase corrigida fica assim: “A equipe agradece a todos os participantes do concurso e parabeniza-os, desejando um feliz Dia das Crianças aos pequenos leitores deste jornal.”
Um erro curioso ocorreu numa notícia de jornal do dia 01-07-08: “Mais de 450 motoristas levaram multas, mas menos de dez delas foram por dirigir embriagado.” O texto diz que menos de dez multas “foram por dirigir embriagado”, isto é, a idéia (descontada a falta de concordância nominal) é de que as multas é que dirigiam embriagadas. Uma correção possível seria a seguinte: “Mais de 450 motoristas levaram multas, mas menos de dez deles foi por dirigir embriagados.” O verbo “ser” fica no singular porque é vicário, isto é, é um verbo substituto do verbo anterior: “levaram multas, mas menos de dez deles levaram multas por dirigir embriagados”. Uma segunda sugestão de correção seria: “Mais de 450 motoristas levaram multas, mas menos de dez delas foram por embriaguez ao volante.” Aqui o verbo vai para o plural porque não é vicário. O sujeito de “foram” é “menos de dez delas”, isto é, “menos de dez multas”. “Foram” está no lugar de “ocorreram”: menos de dez delas ocorreram por embriaguez...
Outro erro interessante (de um entrevistado, no calor da entrevista): “Não vamos correr o risco de chover e perder o serviço do dia.” Os verbos “chover” e “perder” estão coordenados entre si, no mesmo complemento nominal de “risco”, o que presume o mesmo sujeito, como se o autor da frase pudesse chover. A coordenação deve ser substituída pela subordinação, para que apenas “perder o serviço do dia” (e não “chover”) seja complemento nominal de “o risco”, com sujeito igual ao da oração principal: nós. Corrigida, a frase fica assim: “Não vamos correr o risco de, se chover, perder o serviço do dia.”
Erro interessante cometeu um “gramático” que atua na mídia. Ao ensinar o emprego do pronome relativo “cujo” que dá idéia de posse, que exerce função adjetiva de adjunto adnominal e que significa “de + antecedente” (antecedente é o nome ou pronome que antecede o pronome relativo e que o pronome relativo substitui), o “professor” deu exemplos corretos, tais como “Eis o livro cujas folhas se soltaram” (“Eis o livro - as folhas do livro se soltaram). Mas finalizou no emprego de “cujo” com um erro semelhante a este: “A ponte para cuja inauguração o prefeito foi convidado custou caro.” É claro que a ponte não pertence à inauguração, nem a inauguração à ponte. “Da ponte” é complemento nominal de “inauguração” e não adjunto adnominal. Não havendo idéia de posse, não há o emprego de cujo. A frase corrigida ficaria assim: “A ponte para a inauguração da qual o prefeito foi convidado custou caro.”
Como se vê, corrigir não é uma tarefa fácil..