segunda-feira, 6 de julho de 2009

FOLHA DE SÃO PAULO, 06/JULHO/2009: uma velha notícia, sempre terrível.

COMENTÁRIO:

Em artigo antigo, cujo título é "Uma cura para o tumor universitário" (Folha de São Paulo), apresentei a idéia de se instaurar uma Comissão Permanente de Fiscalização dos recursos públicos aplicados em universidades e fundações de auxílio à pesquisa. Não se tratava apenas de fiscalizar os campi oficiais, mas todos os que recebessem verbas do poder público. O mesmo com as fundações. A comissão seria integrada por representantes dos três poderes e por membros da sociedade (OAB, sindicatos de trabalhadores e de empresários, movimentos sociais estáveis e responsáveis, etc). A cada ano, era o que eu propunha, as contas seriam analisadas e aprovadas ou reprovadas. As instituições nas quais surgissem fraudes ou irresponsabilidades (por exemplo, projetos custosos que não são levados a cabo, abandonados sem justificativa plausível após o gasto de dinheiro, o que ocorre muito e a cada hora, mais) seriam sancionadas negativamente, com perda de recursos por um ano. Em audiência na Assembléia Legislativa de São Paulo, defendi o projeto, tomado como insulto pessoal pelos colegas. "Projeto burocrático que vai atrapalhar a pesquisa" é o ataque mais gentil que recebi, aliás ataque retomado pelos pesquisadores na triste notícia trazida abaixo.

Na entrevista que concedi à Revista Caros Amigos, denunciei mazelas terríveis no trato do dinheiro público, nas universidades. Indiquei, sobretudo, o segredo (não apenas o funcionário do Senado e o senador abusam do sigilo...) dos pareceres Ad hoc como fonte de irresponsabilidade e causa da geração de verdadeiras gangues acadêmicas, todas trocando favores entre si e arrancando verbas dos que não estão no poder universitário.

Paguei com perda de minha bolsa no CNPq e com muitos cortes em bolsas para meus orientandos de mestrado e doutorado a denúncia dos procedimentos secretos na manipulação dos recursos públicos. Sem pejo algum, os denunciados, em pareceres sigilosos ousaram questionar minha seriedade acadêmica, com ataques pessoais à minha honra profissional. Até hoje, quando entro em polêmica com as seitas universitárias, lideradas por este ou aquele guru captador de verbas, é jogada na minha face a decisão escandalosamente anônima e covarde contra minha atividade de pesquisa.

Mas todos esses fatos integram um livro que estou redigindo, com datas, nomes e assuntos ligados ao que o saudoso professor Mauricio Tragtemberg chamava a "delinquência universitária". Tenho mantido a coerência na denúncia a tais teratologias intelectuais. Ainda no programa Roda Viva, perguntado por Alon Feuerwerker, retomei a lembrança da Comissão de Controle indicada acima, escutem o trecho do Roda Viva, quando o jornalista questiona a autonomia universitária e a accountability a ser exigida dos campi:


Alon Feuerwerker no Roda Viva com Roberto Romano (2 de 2)

Relaxation Holidays Break Vacation
Relaxation Holidays Break Vacation Relaxation Holidays Break Vacation
Relaxation Holidays Break Vacation


A entrevista está transcrita, quase na íntegra, no site abaixo, indicado no quadro dos links deste Blog : http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/114/entrevistados/roberto_romano_2007.htm

RR: No final do período militar havia, sobretudo no meio de esquerda, havia essa idéia de que a universidade era uma torre de marfim ligadas a elite etc, e que era preciso então acabar com esta situação. Esse é foi um slogan muito utilizado, mas a universidade precisa prestar contas à sociedade sim. Precisa prestar contas. Eu, inclusive, cheguei a propor em artigos saídos na Folha de S. Paulo em 97 que se criasse uma comissão de análise externa das contas universitárias constituídas pelos três poderes e representantes da sociedade e o que eu recebi dos políticos e o que eu recebi da universidade é que era mais uma proposta burocrática que deveria trazer problemas, então...

Alon Feuerwerker: Agora, porque accountability para o executivo e não accountability para a universidade?

Roberto Romano: Veja, é que tem dois momentos, tem dois momentos aí. Accountability para os executivos é prestar contas dos recursos e das obras que supostamente ele está fazendo e da ordem pública inclusive. Agora, no caso da universidade accountability significa tese, patente e produção de saberes. É assim que você mede a coisa da universidade.

[ ]: Mas prestar conta do dinheiro público...

Roberto Romano: Também, também, isso eu defendo.

**********************************************************************************

Pois bem, senhoras e senhores: é fácil dizer que existe corrupção no Brasil. Difícil é sofrer, para denunciá-la, processos como o que aguentei, da parte de deputados e pessoas gradas ao poder executivo. É também fácil denunciar corrupção acadêmica. Difícil é enfrentar cortes de bolsas próprias e dos orientandos, praticados os mesmos cortes com as técnicas tibias do sigilo e da perseguição sem defesa possível. Por isto, antes de ler a notícia lamentável abaixo, peço aos honestos que leiam o que disse eu na Caros Amigos, na Folha, no Roda Viva e em inúmeras outras ocasiões pelo Brasil afora: apenas a inspeção pública dos recursos acadêmicos (nos campi e nas Fundações) poderá deter em parte a degringolada ética que assistimos e cujas causas são várias e de várias dimensões.

A prudência recomenda estudar caso a caso. Mas não podemos esquecer que temos diante de nós, como no plano político mais amplo, um sistema orientado para a ética dos favores inter grupais, do é dando que se recebe, e, mais do que tudo, do "sabe com quem está falando?" que proíbe a crítica aos que se aboletam nos gabinetes poderosos. RR


São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

Próximo Texto | Índice

Desvio de verba ameaça projeto contra Aids
R$ 1,1 mi foi subtraído de programa da UFRJ que pesquisa vacina; agência dos EUA diz que pode cortar financiamento

Cerca de 400 cheques foram encontrados na conta de secretária do coordenador do programa; pesquisador e fundação trocam acusações

ANTÔNIO GOIS
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

Desvios e sumiços de recursos de ao menos R$ 1,1 milhão, destinados à UFRJ, ameaçam paralisar um dos mais importantes projetos brasileiros na área de HIV/Aids: o Praça Onze, que tem o objetivo de descobrir vacinas e drogas para prevenção e tratamentos da doença e é financiado na maior parte pelo governo americano.

Composto por mais de 15 pesquisas, o Praça Onze é coordenado por Mauro Schechter, professor titular de doenças infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, hoje em conflito com a FUJB (Fundação Universitária José Bonifácio), também da universidade, que é responsável por receber os recursos do projeto.

As duas partes se acusam de descontrole a ponto de descobrirem tardiamente que cerca de 400 cheques, totalizando R$ 1,1 milhão, pararam na conta pessoal de uma secretária. Schechter acusa a fundação de não saber determinar até agora o destino de verbas estimada entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. Para a FUJB, é o pesquisador quem lhe deve R$ 1,1 milhão.

As suspeitas levaram o NIH (Instituto Nacional de Saúde, dos EUA), principal financiador do programa, a enviar representante ao Brasil, exigir uma auditoria e ameaçar suspender o repasse de verbas.O instituto já enviou mais de US$ 7 milhões (cerca de R$ 13,6 em valores de hoje) para o programa brasileiro. O projeto passará agora a ser gerido pela reitoria da universidade federal. Schechter afirma que isso gerará mais burocracia e poderá inviabilizar e engessar as pesquisas científicas.

Em um ponto ambas as partes concordam, embora cada uma coloque a principal responsabilidade na outra: houve falha na fiscalização. "Não tenho acesso às contas. Caberia à fundação, e não a mim, fazer o controle e identificar que havia saída de dinheiro superior a valores das notas fiscais, o que não fizeram", declara Schechter. "Se erramos, foi por dar excesso de liberdade para Schechter", afirma o presidente da fundação, Raymundo de Oliveira. Segundo ele, os recursos iam para uma conta em nome do pesquisador e seriam de sua responsabilidade. A FUJB move ação de prestação de contas contra o professor. Já Schechter pediu investigação nas contas do projeto ao Ministério Público Federal e ao Estadual e ao TCU (Tribunal de Contas da União). A Promotoria estadual determinou auditoria, e o TCU investiga o caso.

Secretária

Rosenilda Sales foi secretária de Schechter entre 1994 e 2004, quando se flagrou a compra de passagens de avião para ela e a família com verba do projeto. Schechter a demitiu. Depois disso, a fundação descobriu que havia desvios de cheques de 1998 a 2004.A Folha não conseguiu localizar Rosenilda. À polícia, ela alegou que o dinheiro era pagamento "por fora" por outros projetos do pesquisador e para pagar voluntários, o que Schechter nega.Segundo a Polícia Civil, que a indiciou sob acusação de estelionato, os montantes foram depositados em sua conta, na de irmãos e do namorado. "Rosenilda foi contratada por indicação de Schechter. Nós é que descobrimos que os cheques foram parar na conta dela", diz Oliveira.

O pesquisador afirma que o controle cabia à FUJB. Schechter apresentou à reportagem e-mails de 2004 e 2005 em que cobra o sumiço de valores de R$ 470 mil e de mais R$ 674 mil da fundação. A FUJB declara que as mensagens foram tiradas de contexto. E atribui parte do descontrole aos altos custos administrativos do projeto e a oscilações no câmbio. Schechter diz ainda que a FUJB cobra taxa de administração vedada pelo NIH, o que somaria mais de R$ 1 milhão. A fundação apresentou à reportagem contrato de 1995, assinado pelo pesquisador, em que a cobrança está prevista.

Fraude compromete captação de recurso, dizem ONGs de Aids

Voluntários do projeto para vacina estão inseguros quanto à continuação dos testes e orientações médicas realizadas. Pesquisa, com mais de 60 profissionais envolvidos, entre farmacêuticos e psicólogos, está impedido de recrutar novos pacientes

DA SUCURSAL DO RIO

O Fórum de ONGs Aids do Rio teme que os problemas com o Projeto Praça Onze leve desconfiança não só para o programa, mas para todas as iniciativas de pesquisa que dependam de recursos externos. "Um problema dessa envergadura cria um descrédito não apenas para o projeto, mas para outros espaços de pesquisa do país, especialmente por se tratar de um dinheiro que vem do exterior", diz Roberto Pereira, ex-presidente do fórum.

Ele conta que, em sua gestão, foi procurado pelo coordenador do projeto, Mauro Schechter. "Para nossa surpresa, começaram a ser narrados problemas que vinham de quatro ou cinco anos e que foram se acumulando. Houve irresponsabilidade de todas as partes em deixar isso tomar uma dimensão tão grande."

Pereira se preocupa também com a situação de cerca de 300 voluntários do projeto, que, segundo ele, estão inseguros quanto à continuação dos testes e ao acompanhamento médico realizado. Schechter afirma que os voluntários nunca deixaram de ser atendidos. A FUJB e a UFRJ também dizem que isso não acontecerá. O projeto, com mais de 60 profissionais envolvidos -entre médicos, enfermeiros, assistentes de laboratório, farmacêuticos e psicólogos, entre outros-, está impedido de recrutar novos pacientes. O Praça Onze começou em 1989 e leva esse nome por ficar no Centro de Testagem e Aconselhamento do Hospital Escola São Francisco de Assis, na praça de mesmo nome, no centro.

Seu objetivo é conduzir estudos clínicos com voluntários para desenvolver novas drogas para tratamento de doenças como Aids, hepatite B e tuberculose, além de pesquisar vacinas preventivas contra HIV/Aids, todas ainda em fase de teste. Também são feitas análises epidemiológicas de fatores de risco de transmissão do vírus e estudos sobre o impacto da pílula do dia seguinte na prevenção de infecção pelo HIV. A principal fonte de financiamento do projeto é o governo dos Estados Unidos, por meio da agência de pesquisa NIH (sigla em inglês para Instituto Nacional de Saúde). Até setembro do ano passado, o projeto contabilizava mais de US$ 7 milhões dessa fonte (cerca R$ 13 milhões, na cotação da última sexta-feira).