sábado, 11 de julho de 2009

Folha : Rogerio Meneghini e Roberto Romano discutem os curricula, os políticos...

São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009



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PLATAFORMA LATTES

Ministério diz que Dilma não incluiu currículo

DA REPORTAGEM LOCAL

Em nota, a Casa Civil afirmou que a ministra Dilma Rousseff "jamais incluiu ou autorizou a inclusão de seu currículo na plataforma Lattes".

A base de dados do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) informava erradamente que ela tinha concluído mestrado na Unicamp. Dilma não defendeu tese.
Questionada pela Folha sobre como o erro também figurava no site da Casa Civil, a assessoria de Dilma disse que "era uma informação errada que estava no site do Ministério de Minas e Energia e que foi transcrita pela assessoria, sem revisão, para a página da Casa Civil".

Segundo o ministério, as informações foram incluídas na plataforma Lattes em maio de 2000 por um grupo de pesquisa da Fundação de Economia e Estatística do RS, entidade presidida por ela de 1991 a 1993. A FEE-RS disse que só se manifestará na segunda-feira.
O nome da ministra, de acordo com a Casa Civil e o CNPq, foi incluído como integrante do grupo de pesquisa "Estado e Setor Financeiro" -nenhum dos envolvidos explicou até agora por que isso teria sido feito, já que Dilma tinha se afastado do grupo e da fundação.

O CNPq diz realizar desde quarta-feira uma pesquisa em seus arquivos para tentar descobrir quem incluiu as informações no sistema, mas já indicou que pode não chegar a conclusão nenhuma.

(PEDRO DIAS LEITE)







São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009



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TENDÊNCIAS/DEBATES

É preciso haver maior controle oficial sobre a base de currículos da Plataforma Lattes?

NÃO

A cultura do acesso aberto

ROGERIO MENEGHINI

EM 1974 , durante meu pós-doutorado no departamento de biologia da Universidade Stanford, reunimo-nos Paul Ehrlich, famoso cientista e então chefe do departamento, um escrivão e a secretária para, com dois colegas americanos, assistirmos incrédulos a um cerimonial inusitado pelo qual eu paguei US$ 50 de minha bolsa de US$ 300 mensais.

O escrivão ali estava para comprovar que a assinatura de Ehrlich no documento era autêntica. Este confirmava que Francisco Lara, meu orientador de doutorado na USP e doutor por Stanford, trabalhara como auxiliar de ensino naquele departamento. Lara tinha recorrido ao consulado brasileiro para registrar contagem de tempo dessa atividade para a aposentadoria, mal sabendo que os diplomatas brasileiros também são cartoriais e fazem exigências compatíveis. O documento tinha que ter carimbo de reconhecimento oficial, mesmo o notário não sendo reconhecido no Brasil.

Cinco anos depois, veio o Ministério da Desburocratização, encabeçado por Hélio Beltrão, que, como se antevia, mal conseguiu mexer no sistema cartorial brasileiro. O setor acadêmico, como obriga sua missão, deu um passo à frente do cartorialismo nacional com o CNPq, criando em 1999 a Plataforma Lattes, na qual qualquer cidadão pode registrar, por meio de senha pessoal, um currículo que assinale suas contribuições intelectuais.

Foi um feito insólito mundialmente, permitindo que, em acesso aberto, consultem-se os indícios de competência intelectual de um cidadão. Acesso aberto é uma cultura nova, que se tornou possível devido à internet. Surgiu em 1990 com a Plataforma ArXiv de artigos científicos. Nela, Grigori Perelman, matemático russo, depositou artigo resolvendo o mais intrincado problema de matemática até então (Conjectura de Poincaré), considerado o maior feito científico de 2006 pela revista "Science".

Em 1997 ocorreu outra iniciativa insólita mundialmente: a criação da base SciELO de publicações de revistas científicas brasileiras em acesso aberto na internet, que depois se expandiu para outros 13 países, abrangendo hoje mais de 600 revistas.

A cultura do acesso aberto é fruto da dinâmica da internet. O compartilhamento exponencial de conhecimento não deixa margem a um controle oficial prévio. Os processos de retificação, ampliação e aperfeiçoamento são feitos pelos usuários, como no caso da Wikipédia. Nela, o pouco que se perde em precisão para as enciclopédias clássicas se ganha em abrangência e conteúdo.

A Plataforma Lattes tem hoje mais de 1 milhão de currículos e, diariamente, são feitas dez mil atualizações. Pode-se imaginar o que a cultura brasileira de deixar ao Estado a responsabilidade de verificar a exatidão dos dados significaria em inchamento da máquina burocrática do CNPq e a decorrente subtração de recursos para a pesquisa.

Fraudes ocorrem no mundo acadêmico. Um trabalho científico pode ter um texto contundente, preciso e relevante, mas é difícil avaliar as fraudes de dados. Se esse for o caso, é muito provável que os resultados de outros pesquisadores não reproduzam os achados e conclusões do fraudador.

No currículo Lattes, softwares podem se tornar poderosos para identificar incorreções e fraudes pelo cruzamento de dados dentro do próprio sistema e com relação a outras bases acadêmicas. O CNPq está empenhado nessa direção.

Uma outra iniciativa, mundial, é registrar identificadores de cada documento. O intuito é facilitar buscas e evitar erros nas referências aos documentos. O sistema Lattes já possui links para esses identificadores e para bases de revistas científicas. É, porém, no momento de sua consulta por outrem que percepções de erros e fraudes são mais prováveis, principalmente quando os dados vão ser utilizados para procedimentos de concursos, promoções e admissões.

Nesses casos, olhos experientes detectarão indícios que levarão a consultas de outras bases para apurar a acurácia dos dados. Um currículo forjado pode marcar indelevelmente uma carreira.


ROGERIO MENEGHINI é coordenador científico do programa SciELO de revistas científicas brasileiras, professor titular aposentado do Instituto de Química da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências. Foi presidente da primeira Comissão de Avaliação da USP (1993-1997).






São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009



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TENDÊNCIAS/DEBATES

SIM

A confiança na comunidade científica

ROBERTO ROMANO

O COLLÈGE de France, instituído por Francisco 1º no Renascimento, foi planejado como antídoto contra a orgulhosa Sorbonne. Esta, na época, deveria ser chamada, segundo o historiador J. Le Goff, de "a corporação dos queimadores de livros". Nos cursos livres do Collège, os cidadãos encontram alimento para o intelecto sob os auspícios do Estado francês.

Em data recente, ali se realizou um colóquio cujo tema era a autoridade. Dentre as palestras proferidas, é relevante -quando debatemos os abusos nas informações curriculares dos pesquisadores- um título expressivo: "Como justificar a autoridade científica?". Jean Bricmont fornece resposta complexa à questão.

Após analisar os vários campos do saber, ele discute as manipulações que atenuam a confiança do público nos operadores da ciência. É verdade que, "se considerarmos o fato de que a comunidade científica reúne seres humanos, e não anjos, as fraudes ou os erros são pouco frequentes e não deixam de ser denunciados". A desculpa seria eficaz. Mas, diz Bricmont, "o grande público não tem os meios para avaliar a frequência das fraudes ou dos erros, o que gera com certeza uma forte perda de legitimidade".

Da não confiança na autoridade científica, em termos coletivos, segue a fuga dos recursos. Quando governos tentam resolver a carência de verbas sentida pelos pesquisadores, apelam para as empresas nacionais ou transnacionais. Estas últimas não se preocupam em demasia com a autoridade dos cientistas, o que agudiza a desconfiança da opinião pública e da mídia nos procedimentos acadêmicos.

Surgem, afinal, os elos entre ciência e indústria bélica, com frutos que, se considerados fatos recentes ocorridos na África e mesmo na Europa, são muito questionáveis. E conclui Bricmont: "Para ser digna de confiança, a comunidade científica, bem como a que a envolve e financia, deveria seguir regras éticas extremamente estritas. Mas não vemos como elas poderiam ser aceitas ou impostas". (Antoine Compagnon [ed.]: "De L'Autorité", Odile Jacob, 2008).

A Plataforma Lattes procura diminuir o abismo entre a opinião pública, os operadores do Estado e a comunidade científica, além dos setores que "a envolvem e financiam". Equívocos podem ser corrigidos, segundo sua maior ou menor gravidade (se próximos ou distantes da fraude), o que define uma questão técnica e moral. O programa em debate exige que as informações sejam assumidas pelos pesquisadores. Daí não ser possível, nele, usar a retórica canhestra do mundo político: "Eu não sabia".

O rigor maior na correção das "distrações" é tarefa da "accountability", exigência a ser atendida pela comunidade acadêmica, tanto coletiva quanto individualmente. A publicidade oferecida pela Plataforma Lattes tem sido eficaz no reforço da transparência e da autoridade científica. Tanto é verdade que fraudes ou equívocos surgem e são corrigidos. Mas punições severas devem ser aplicadas contra os abusos. Na mesma linha, são desastrosos os atos sigilosos dos assessores "ad hoc" nas fundações que financiam pesquisas com recursos públicos. Sem revelar o nome de seus autores, pareceres enviesados surgem em todas as áreas do saber e cortam jovens promissores (cuja infelicidade é não pertencer a um grupo dominante nas coordenações das agências) ou derrubam inimigos minoritários nos campi.

É de admirar que o Ministério Público não tenha, até hoje, instaurado procedimentos para corrigir essa anomalia. Numa república, verbas oficiais não podem ser empregadas de maneira secreta. O Senado evidencia os malefícios de sigilos corrosivos, que também desvirtuam as fundações acadêmicas oficiais. Em plano mundial, existe farta bibliografia que demonstra os perigos da avaliação anônima efetivada por colegas (G. Moran: "Silencing Scientists and Scholars in Other Fields", Ablex, 1998).

Alem desses problemas internos da academia, temos no Brasil as ligações perigosas entre pesquisadores e poderosos. Aos intelectuais sobra prestígio, mas faltam votos, disse um filósofo. Políticos bem votados adoram ilustrar seu currículo com títulos acadêmicos. Daí a necessidade da maior prudência nesse particular.


ROBERTO ROMANO, 63, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, "Moral e Ciência - A Monstruosidade no Século XVIII".