quinta-feira, 16 de julho de 2009

Jornal da Unicamp, número antigo, com Roberto Romano, Ferreira Gullar, Ricardo Antunes. Retomo apenas as minhas respostas.

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CRISE

Entre o alarido
e o silêncio



ÁLVARO KASSAB

EUSTÁQUIO GOMES



Roberto Romano – “Não são aplausos que faltam aos intelectuais, mas sim votos aos partidos que eles apóiam (…) uma coisa é formar o discurso político, outra é ter poder sobre a vida pública” (Gerard Lebrun, Quem tem medo dos intelectuais?). Catarina 2ª irritou-se com Diderot que lhe exigia reformas liberais na Rússia. “Meu amigo, o filósofo pode muito porque escreve no papel que tudo aceita, sem reclamar. Nós, pobres governantes, escrevemos em material cheio de cócegas e irritadiço, a pele dos homens, o que torna o nosso trabalho lento e difícil”. Schumpeter dizia que os intelectuais como porta-vozes da opinião pública, seja qual for o seu ofício (advogado, médico, professor etc) podem tratar de qualquer assunto. Com a suposição perene de serem mais conscientes do que o governante e o povo reunidos, eles nunca sossegam. Se faz isso, desce ao nível de propagandista. Paul Benichou publicou dois livros sugestivos sobre o nosso tema: A Sagração do Escritor e O Tempo dos Profetas. Entre o sacerdócio da humanidade e os anúncios das graças ou desgraças, o coletivo dos intelectuais seguiu uma via melancólica no mundo moderno.

É comum indicar Sartre ou Bertrand Russell, Marcuse ou Mauriac, Malraux e outros, para descrever o ofício de “grilo falante” dos que defendem “as grandes causas”. Mas poucos viveram as angústias de Sartre, dividido entre a apologia da URSS e a busca de uma liberdade rarefeita . Após a II Guerra Mundial, muitos intelectuais em vez de exercitarem a crítica, aceitaram viseiras (políticas, religiosas, econômicas) tentando, por sua vez, colocar as mesmas viseiras no público. Imaginar “bons” escritores em luta contra “bandidos” (na direita ou esquerda) é lenda que não deixa entender o “reino animal do espírito” nome dado por Hegel à “comunidade” dos intelectuais.

No Brasil de agora os intelectuais que parolavam sobre transparência, ética, serviço ao povo, acusavam os crimes efetivos ou supostos do neoliberalismo, emudeceram. No caso do PT, as bases militantes acusam a direção partidária de todos os males, escondendo de si mesmas o fato de que os dirigentes não agiriam com desenvoltura se tivessem recebido críticas cotidianas. Esta seria a função dos intelectuais. Mas devido à misologia petista, ser intelectual no partido é ser leproso. Bom intelectual, durante os anos de existência petista, assumia o falar errado (“menas”, “para mim fazer” etc) o que tornou o analfabetismo uma virtude. Além dos erros gramaticais, a subserviência teórica: bom intelectual é o que recolhe as ordens dos superiores e as justifica para o público. Spinoza dizia ignorar limites para o exercício de seu pensamento.

Os intelectuais do PT aceitaram limites. Caso contrário, seriam cobertos de epítetos gentis (“burguês”, é o mais delicado) e censuras. As mesmas bases, inimigas da crítica e dos intelectuais, apupam as direções. Os acadêmicos que dobraram espinhas e línguas, usam truques ardilosos para escapar da crítica. E fingem não ler notícias. Eles falaram demais porque, citando Lebrun, “a crítica das instituições e privilégios sempre terá mais atrativo do que a banal apologia da ordem estabelecida”. Seu vício e anabolizante encontravam-se na denúncia. Como não podem mais denunciar, desmascarar, humilhar, destruir os inimigos de seu partido e devem preservar, blindar, adular a sua grei, eles precisaram de um tempo para adaptações. Sua má sorte é que, antes de inventarem um vocabulário novo (a “novilingüa” para recordar Orwell), caíram as máscaras da virtude que enfeitavam a face luzidia da “companheirada” e apareceu uma carantonha do poder sem peias. Falar o que, então? “O que não se pode falar, deve-se calar”… Mas calma: eles não resistem ao palavrório. Breve estarão nos jornais que fingem abominar e terão acolhida triunfal nas redações, onde os aguardam muitos “companheiros”.


‘A beatitude de quem silencia injustiças, sobretudo as políticas, é imoral’


Roberto Romano – Não existe pensamento sem a pausa, sem o silêncio, como também não existe música. Calar ou falar com sentido requer prudência. Se os abusos do poder são gritantes, é dever apontar ao público o que se passa nos gabinetes escondidos, mesmo que isto resulte em processos judiciais, prisões, exílios, e o resultado seja a solidão. Quando Voltaire denunciou o caso Calas, não recebeu apoio da sociedade. Ao escrever o tremendo Eu acuso, Zola não se tornou “popular”. No instante em que dirigiam o Tribunal sobre os Crimes no Vietnã, Sartre e Bertrand Russell recolheram, no começo, apenas zombarias.

Os humanos desejam a felicidade, a paz de alma. Mas a beatitude de quem silencia injustiças, sobretudo as políticas, é imoral. A vida livre brota de situações em que domina o medo. A solidão dos que nadam contra os dogmas, as invectivas da má-fé e do interesse mesquinho, os ganhos materiais dos que usam seus talentos para bajular os donos do mercado e da política, todas as exibições da força exercida pela massa, desanimam os que se candidatam ao papel de intelectual. O mais lancinante é que muitos desistem e tombam nos braços de uma seita ou partido. E fazem o que antes criticavam, com acidez cínica.

Existem duas vias nos dias atuais para os acadêmicos: se sujeitam às lideranças e servem como justificadores de opiniões, ou se levantam contra os ventriloquismo que deles se espera. Na Argélia destroçada, as páginas dos jornais traziam notícias de muitos massacres cometidos. No jornal Le Figaro, eram salientadas as perversidades dos colonizados, nunca a dos colonizadores. Quando os primeiros atacavam militares franceses, o Figaro escrevia : “Hoje o Senhor François Mauriac acordou feliz. Conseguiu outras mortes francesas”. Tal é o “reconhecimento” ao intelectual católico que lutou, com Georges Bernanos, contra o racismo nazista. Tal é o “reconhecimento” ao autor do libelo contra o Estado francês (Imitation des bourreaux de Jésus-Christ, 1954) onde, clarividente, ele denuncia o “Estado torturador”.

Os intelectuais “pastores” (que reforçam os psitacismos e slogans da organização partidária e fornecem “razões” aos militantes) sempre acham um jeito de promover o “cerco” aos críticos. Eles se parecem aos católicos definidos por Merleau-Ponty: todos se dizem “culpados no presente, inocentes em relação ao pretérito, infalíveis no futuro…”.


Roberto Romano – Os “intelectuais orgânicos” no Brasil e no mundo mostraram para que servem: apenas e tão somente para universalizar palavras de ordem e justificar o poder. Eles são uma edição renova de Glauco e de Trasímaco. Mesmo que em determinadas situações, em proveito próprio, se calem.