Etienne De La Boétie. Discurso da Servidão Voluntária. Tradução: Laymert Garcia dos Santos. Editora Brasiliense. São Paulo, 1982
O original está, em parte, no Google:
http://books.google.com.br/books?id=4ZMGAAAAQAAJ&printsec=titlepage&source=gbs_v2_summary_r&cad=0
A citação para a foto, na p.142
A citação sobre os escravos de coração baixo e mole na p. 108.
A que fala da distribuição dos sestércios deve ter sido retirada do Suetônio e está na p. 4
A que narra a hierarquia da servidão está na p. 128
A numeração é a que aparece no buscador de páginas que está na barra acima do texto digitalizado
“O que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento de sua integridade. Entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma sociedade; eles não se entre-apoiam mas se entre-temem. São cúmplices”. (Étienne De La Boétie)
São três os caminhos que nos conduzem à servidão voluntária: o do hábito, o da covardia e o do conluio.
HÁBITO
Somos ensinados a servir por hábito. Com o tempo, não só nos acostumamos pacientemente com o gosto ruim das peçonhas venenosas que engolimos, mas passamos a desejá-las.
COVARDIA
De viver pelo hábito em servidão decorre a segunda razão: a covardia.
“Os escravos, inteiramente sem coragem e vivacidade, têm o coração baixo e mole, e são incapazes de qualquer grande ação. Disso bem sabem os tiranos; assim, fazem todo o possível para torná-los sempre mais fracos e covardes. Artimanha dos tiranos: bestializar seus súditos!”. [...]
“Os tiranos romanos foram longe [panis et circenses], [...], empanturrando essa gente embrutecida e adulando-a por onde é mais fácil de prender, pelo prazer da boca. Por isso, o mais instruído dentre eles não teria largado sua tigela de sopa para recobrar a liberdade da República de Platão. Os tiranos distribuíam amplamente o quarto de trigo, o sesteiro de vinho, o sestércio (1); e então dava pena ouvir gritar: Viva o Rei!”.
CONLUIO
A terceira razão decorre da covardia dos que se deixam seduzir pelos tesouros sob a guarda do tirano.
“São sempre quatro ou cinco homens que o apoiam e que para ele sujeitam o país inteiro. Sempre foi assim: cinco ou seis obtiveram o ouvido do tirano e por si mesmos dele se aproximaram ou então, foram chamados para serem os cúmplices de suas crueldades, os companheiros de seus prazeres, os complacentes para com suas volúpias sujas e os sócios de suas rapinas. Tão bem esses seis domam seu chefe que este se torna mau para com a sociedade, não só com suas próprias maldades, mas também com as deles. Esses seis têm seiscentos que debaixo deles domam e corrompem, como corromperam o tirano. Esses seiscentos mantêm sob sua dependência seis mil, que dignificam, aos quais fazem dar o governo das províncias ou o manejo dos dinheiros públicos, para que favoreçam sua avareza e crueldade, que as mantenham ou as exerçam no momento oportuno e, aliás, façam tanto mal que só possam se manter sob sua própria tutela e instar-se das leis e de suas penas através de sua proteção. Grande é a série que vêm depois deles. E quem quiser seguir o rastro não verá os seis mil mas cem mil, milhões que por essa via se agarram ao tirano, formando uma corrente ininterrupta que sobe até ele. Daí procedia o aumento do poder do senado sob Júlio César, o estabelecimento de novas funções, a escolha para os cargos – não para reorganizar a justiça, mas sim para dar novos sustentáculos à tirania. Em suma, pelos ganhos e parcelas de ganhos que se obtêm com os tiranos chega-se ao ponto em que, afinal, aqueles a quem a tirania é proveitosa são em número quase tão grande quanto aqueles para quem a liberdade seria útil. Que condição é mais miserável que a de viver assim, nada tendo de seu e recebendo de um outro sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida! Mas eles querem servir para amealhar bens”.
Nessa passagem, La Boétie mostra que a servidão voluntária organiza-se em hierarquia. Na entrevista, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) confirma (O Globo, 13/07/09):
O sr. vincula o apoio de Lula a Sarney ao projeto Dilma 2010?
Sim, está evidente isso. Nós, de baixo, temos que tapar o nariz e ACEITAR tudo em nome do investimento de todas as fichas na candidatura da ministra Dilma. Já demos tudo para o PMDB. Até quando temos que continuar de joelhos? Fazer isso e achar que o povo não está vendo, é subestimar a sociedade, o povo, os movimentos sociais. É enterrar todo o capital que o partido construiu em 25 anos de luta.
Ele reclama retoricamente do realismo e não larga a rapadura da servidão que lhe parece doce.
(1) Sestércio ao qual se refere La Boétie era um “bolsa-família” da Roma Antiga.