terça-feira, 3 de novembro de 2009

Correio Popular de Campinas 04/11/2009

Publicada em 4/11/2009


Cesarismo e democracia

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Roberto Romano


Na crise política brasileira, todos os poderes perdem legitimidade. Apenas o titular do Executivo recebe aplausos. Isso não significa que o ramo do poder liderado por ele seja legítimo. O remédio apresentado encontra-se nas urnas. Como educar a cidadania para que ela exerça o poder soberano, sem cair nas mãos dos demagogos? No discurso Sobre a Constituição (10/5/1793) Robespierre afirma ser preciso “Dar ao governo a força necessária para que os cidadãos respeitem sempre os direitos dos cidadãos; e fazer isto de tal modo que o governo nunca possa violar os mesmos direitos”. A Carta Magna deve “defender a liberdade pública e individual contra o próprio governo”. Ela se baseia “na bondade dos costumes, no conhecimento e no sentido profundo dos sagrados direitos do homem”. (Relatório de 25/12/1793, em nome do Comitê de Salvação Pública). Mas como escolher os que escrevem e aplicam a Constituição?

Pensadores como Condorcet se preocupam com o treino intelectual das massas populares, base da ordem democrática e das eleições que, por sua vez podem deseducar o povo. Escrutínios trazem respostas incertas ou enganosas. Mesmo no Estado democrático “o poder se imiscui na operação eleitoral e a influencia: ele deseja demais uma ‘representação’ favorável. Três “imagens” são misturadas nas eleições: a real, se a palavra tem sentido, a normativa ou potencial, porque se trata se conseguir uma direção no futuro, e a desejada e querida, porque os manipuladores tendem a se prender aos cargos e tentam desregulamentar os indicadores(…) os modos de escrutínio contam mais do que o resultado final, pois ele depende deles”. (Dagognet, F.: Philosophie de l´image. Paris, Vrin, 1984).

O segredo do voto não resolve a questão. Nas antigas repúblicas virtuosas, diz Rousseau, “cada um tinha vergonha de dar publicamente seu sufrágio a uma opinião injusta ou assunto indigno, mas quando o povo se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o segredo fosse instituído para conter os compradores pela desconfiança e fornecer aos salafrários o meio de não serem traidores”. (Contrato social, IV, cap. IV) Condorcet também se opõe ao voto secreto. Ele redige planos de educação popular e conhece os problemas matemáticos suscitados nas eleições. Dos votos tudo pode sair, inclusive servidão. O voto simples (sim e não) traz o arbitrário quando se trata de decidir entre diferentes programas ou pelo menos três candidatos. Segundo o Paradoxo de Condorcet é “possível, se houver apenas três candidatos, que um entre eles tenha mais votos do que os dois outros e que, entretanto, um desses últimos, o que teve menor número de votos, seja olhado pela pluralidade como superior a cada um dos seus concorrentes”. Após análise, Condorcet enuncia que numa eleição assim, o mais contestado pode ser eleito e o melhor candidato eliminado. Trabalho conciso sobre o assunto foi escrito por E. Maskin (Is Majority Rule the Best Election Method? em http://216.239.37.104/search?q=cache:k8ETA7Cy4UJ:www.sss.ias.edu/papers/papereleven.pdf+Condorcet+paradox+bush&hl=pt)

Multidões não votam segundo o cálculo das probabilidades. Elas acolheram Napoleão. Com ele, sumiram a responsabilidade governamental e a possível destituição do governante. A ditadura plebiscitária destruiu a soberania popular. Às favas os votos... Esta é a narrativa de todas as ditaduras que relacionam indivíduos carismáticos e massas e violam requisitos de poder legítimo, próprios ao Estado democrático de Direito. A história se repete muitas vezes. Na Europa do século dezenove, o cesarismo surgiu como tragédia. Com Hitler e Mussolini, ele se manifesta no Holocausto. Na Venezuela, ele é farsa. No Brasil depois de Vargas, dos militares, de F. Collor, as armadilhas plebiscitárias são uma quase certeza. Votar é bom. Mas é preciso saber como os votos são instituídos e contados. E como eles foram obtidos. As urnas recolhem tudo, dos preconceitos aos recursos financeiros legais ou ilegais, tão “secretos” quanto as consciências dos eleitores.