sábado, 14 de novembro de 2009

No De Rerum Natura

sábado, 14 de Novembro de 2009

A origem do Mal

«A mais poderosa inclinação, e o maior apetite
do homem, é desejar ser. […] Não está o erro em
desejarem os homens ser; mas está em não desejarem
ser o que importa.», Padre António Vieira
Sermão de Todos os Santos, no Convento de Odivelas, 1643


É a base da história humana, culturalmente multiforme, religiosamente diversa, a narração do pecado original, numa tentativa hermenêutica de explicação para o sofrimento e para a dor humana.

A árvore do Génesis, no Antigo Testamento, explicita o arbítrio humano que conduziu ao desafio e à desobediência. Coube a Eva , instigada pela serpente, provar o fruto proibido. Expulsos do paraíso, lembrança de uma Idade do Ouro quebrada , Adão e Eva darão origem a uma prole marcada pelo pecado, por terem sucumbido ao amor-próprio e ao orgulho. No entanto, não lhes foi negada uma missão a cumprir- a concretização da própria humanidade.

Depois do roubo do fogo sagrado por Prometeu , é a Pandora, também uma figura feminina, um temperamento igualmente incauto e curioso, quem coube na mitologia helénica abrir o Homem à dificuldade.
Assim, como narra o poeta Hesíodo , Zeus procura punir a humanidade e manda, portanto, criar com argila e água uma mulher semelhante às deusas imortais, belíssima e ornada de todas as virtudes.
Chamada Pandora, «A que recebe todas as dádivas», é conduzida ao irmão do condenado Prometeu, Epimeteu. E não obstante, todos os avisos do primeiro , para que não se prendesse em amores por esta mulher , oferta insidiosa dos deuses, este converte-a em sua esposa.

Pandora tinha consigo uma caixa (um vaso…) , na qual estavam encarcerados todos os males aos quais a espécie humana não sucumbira ainda. Não parecendo resistir à curiosidade , Pandora abre a caixa e liberta todos os males - a loucura, a doença, a dor, a paixão, a mentira…- que se disseminarão pela espécie humana. Na caixa, ficara a esperança apenas, o que restaria ao homem para a sua sobrevivência.

Uma vez mais, uma mulher cometera um erro irreparável. Uma vez mais, o apetite humano fora impulso à sua condenação. Uma vez mais , numa sociedade patriarcal, a mulher aparecia como um símbolo do caos e da entrada do Mal no mundo. Mas, uma vez mais também, fora dada a uma mulher a possibilidade da esperança no caso de Pandora, como da geração, no caso de Eva.

O Homem ficou, deste modo, entregue a si, responsável pelas suas opções, restando-lhe a coragem, o esforço e a esperança para superação das adversidades; luta com que se debate até aos dias de hoje.Contudo, como referem as palavras sábias de Vieira, a maior desgraça humana estaria apenas em não desejarmos ser o que importa…
Essa é , afinal,a luta sã que nenhum deus nos retirou, ao constituir-nos Homens.

óleo de Joahnn Heiss,A Apresentação de Pandora, Séc. XVII,