quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Uma conclusão sobre a ditadura de juizes censores.



Com as censuras aplicadas nos Blogs (o Prosa e Política, de Adriana Vandoni é um dos mais dramáticos e recentes) recordo a palestra que fiz, justamente sobre o papel dos juízes (alguns deles, representam papelões) na república. A palestra foi publicada no site da Unafisco Porto Alegre.

http://www.sindifisconacional-poa.org.br/noticia_ler.php?id=9605

Cito o final, premonitório do que assistimos, com muita tristeza, ou seja, uma quase ditadura do judiciário, subserviente, no entanto, ao Executivo e aos políticos que, no suposto Legislativo, se curvam aos ditadores de plantão.

RR



Todos os cidadãos devem começar uma luta urgente: exigir que o STF seja ocupado por magistrados de carreira, sem nenhuma indicação da presidência da República, cumprindo a plena autonomia entre os três poderes. Depois do julgamento histórico do STF, as causas dessa batalha são mais do que óbvias. Evandro Lins e Silva estará presente na memória da cidadania, que o evocará sempre com extrema gratidão. O mesmo não é possível dizer de várias outras togas, para nossa tristeza.



Juízes, um novo poder?


Para finalizar, cito um artigo que merece atenta solicitude, o escrito por Dominique Rousseau, professor de direito constitucional na Universidade de Montpellier (França), que analisa o papel do juiz nas sociedades modernas. Entre as coisas ditas por ele e que precisam ser discutidas, o professor aponta para a presença dos magistrados em tarefas que antes não eram usuais, como é o caso da Operação Mãos Limpas, ou o que faz Garzon na Espanha. O fato possui origens institucionais. Assistimos, diz Rousseau, o declínio de instituições que até agora exerciam um papel de contra poder, de controle, de sanção, tanto no domínio político quanto no econômico e civil. Outras explicações são de ordem sócio política, como por exemplo o fim dos “grandes relatos” sobre a sociedade, com a queda do muro de Berlim, que exige hoje de todos uma acurada responsabilidade individual.


Seria o poder novo dos juízes a prova de um declínio da democracia? Não necessariamente. A filosofia política moderna foi edificada, argumenta o professor, sobre um buraco negro relativo ao terceiro poder. O próprio Montesquieu, que teoriza a separação dos poderes, escreve a propósito do judiciário que ‘a potência do juiz é nula’, pois o direito é a boca da lei. O aumento do poder dos juízes no mundo mostra que tal idéia é falsa. De fato, a lei é ao mesmo tempo barulhenta e silente, no sentido de que ela é apenas constituída por palavras, mas é o juiz que dá um sentido preciso, um conteúdo concreto a tais palavras. Assim, quando a lei diz que todos os indivíduos que constituem uma ameaça para a ordem pública deve ser processado, ela não diz o que concretamente é uma ‘ameaça para a ordem pública’, é o juiz que, confrontado por tal ou tal situação, dá um sentido, um conteúdo, uma concretude às referidas palavras. É o juiz que finaliza a lei, que dela faz uma norma.


O aumento do poder dos juízes coloca interrogações sobre o paradigma democrático, cujo fundamento é o voto, finaliza o professor Rousseau. Pelo voto os eleitores exercem sua vontade que coincide com a dos eleitos. A legitimidade democrática exige o circulo entre as duas vontades, a do eleitor e a do eleito. Já o poder dos juízes é de inspeção, controle, mais do que os poderes cujo fundamento é o voto. A fusão suposta entre representados e representantes é negada, ou tida como insuficiente. Para que exista democracia é preciso, doravante, que ocorra um direito de controle e o exercício desse direito, entregue ao juiz. ([1]).


O que Dominique Rousseau descreve em poucas palavras pode ser uma saudável interferência na ordem pública, pelos magistrados. Mas quando ele relativiza como o faz a democracia eletiva em favor do controle judicial da coisa pública, sem que exista passagem pelo voto, é possível temer pelo futuro. Uma tirania, apenas porque é sapiente e togada, não é menos letífera do que as demais. É importante que os juízes deixem uma posição distante face aos problemas da república. Eles integram a essência mesma do Estado e não lhes cabe o alheamento. Mas disto não se pode inferir, sem muitas controvérsias e análises, que eles tem legitimidade para se imiscuir, sem votos e sem prestar contas ao povo, do que é entregue ao múnus dos demais poderes. Tal situação seria típica das ilegitimidades ex defectu tituli. E tal status se agravaria, ademais, com o exercício ilegítimo.


Com os exemplos do passado e do que assistimos no Brasil –basta recordar a notícia com que iniciei estas considerações– temos muitas e ponderáveis razões para exigir que o poder dos juízes receba fortes contrapesos dos demais poderes e, sobretudo, que eles sejam obrigados a prestar contas ao povo soberano. Aquele mesmo que nos textos jurídicos e nos discursos judiciários é dito “leigo” Ainda vivemos, infelizmente, no mundo hierarquizado de Dionisio Areopagita. Nele, o cosmos natural e político vai dos seres mais próximos do divino, anjos e arcanjos e deles aos sacerdotes. Abaixo dos quais vive o laós, composto pelos mortais comuns que só merecem receber lições e governo. Esta escala sagrada foi destruída por Lutero e pelas Revoluções inglêsa (século 17), norte-americana e francesa. Parece que em muitos setores do Estado, em especial no Judiciário, ainda estamos muito longe da Reforma e da moderna democracia.



[1] Dominique Rousseau : “Le rôle du juge dans les sociétés modernes” ( 25/08/ 2001) no sitio Histoire, Géographie, Éducation Civique in http://pedagogie.ac-amiens.fr/histoire_geo_ic/ spip.php?article250