quinta-feira, 30 de junho de 2011
Roberto Guedes
Escritor paulista recebe diploma de membro correspondente da AIL
24/06/2011 21:52h
Domingos Cezar
O escritor paulista J.R. Guedes de Oliveira recebeu na tarde do último dia 22, no estande da Academia Imperatrizense de Letras (AIL), antes de embarcar para São Paulo, o diploma de Membro Correspondente da AIL. Ele foi eleito por unanimidade no início deste ano pelos membros da Academia, que o acolhem por reconhecer seu trabalho literário e seu esforço, no que diz respeito a trabalho prestado a esta entidade.
J.R. Guedes de Oliveira, a partir de então, se junta a outros escritores de várias unidades da federação que já se tornaram anteriormente membros correspondentes da Academia. Ele esteve a convite da coordenação do 8º Salimp, e este ano, retornou para participar ativamente do 9º Salimp. “Eu gostei da Academia e dos membros que tive a oportunidade de conhecer e também adorei o povo imperatrizense”, afirma o escritor.
Ele esteve durante quatro dias na cidade e garante que só retornou em face a seus compromissos na cidade de Indaiatuba, no interior do estado de São Paulo, onde reside há muitos anos e onde também é membro fundador da Academia Indaiatubana de Letras. J.R, que na verdade chama-se José Roberto Guedes de Oliveira é Bacharel em Ciências e Sociais, Pós-Graduado em Direito Ambiental e especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo.
Em entrevista concedida à reportagem, J.R. Guedes afirmou que o 9º Salimp está mais concorrido em termos de público e elogiou também sua organização. Para ele, o Salimp, que faz parte do circuito nacional nada deixa a desejar aos Salões de livros que acontecem nas grandes capitais do país. “É verdade que existem algumas falhas, mas elas podem ser corrigidas com o decorrer do tempo”, sugeriu o escritor.
Ao receber o Diploma de Membro Correspondente das mãos dos acadêmicos Edna Ventura, Agostinho Noleto e Domingos Cezar, o escritor afirmou que esse reconhecimento faz com que ele aumente mais seu compromisso com a AIL e com Imperatriz, “cidade que levo comigo as melhores impressões”, disse J.R. Guedes de Oliveira, antes de embarcar de volta para Campinas (SP), de onde seguiria via terrestre para Indaiatuba.
O escritor paulista J.R. Guedes de Oliveira recebeu na tarde do último dia 22, no estande da Academia Imperatrizense de Letras (AIL), antes de embarcar para São Paulo, o diploma de Membro Correspondente da AIL. Ele foi eleito por unanimidade no início deste ano pelos membros da Academia, que o acolhem por reconhecer seu trabalho literário e seu esforço, no que diz respeito a trabalho prestado a esta entidade.
J.R. Guedes de Oliveira, a partir de então, se junta a outros escritores de várias unidades da federação que já se tornaram anteriormente membros correspondentes da Academia. Ele esteve a convite da coordenação do 8º Salimp, e este ano, retornou para participar ativamente do 9º Salimp. “Eu gostei da Academia e dos membros que tive a oportunidade de conhecer e também adorei o povo imperatrizense”, afirma o escritor.
Ele esteve durante quatro dias na cidade e garante que só retornou em face a seus compromissos na cidade de Indaiatuba, no interior do estado de São Paulo, onde reside há muitos anos e onde também é membro fundador da Academia Indaiatubana de Letras. J.R, que na verdade chama-se José Roberto Guedes de Oliveira é Bacharel em Ciências e Sociais, Pós-Graduado em Direito Ambiental e especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo.
Em entrevista concedida à reportagem, J.R. Guedes afirmou que o 9º Salimp está mais concorrido em termos de público e elogiou também sua organização. Para ele, o Salimp, que faz parte do circuito nacional nada deixa a desejar aos Salões de livros que acontecem nas grandes capitais do país. “É verdade que existem algumas falhas, mas elas podem ser corrigidas com o decorrer do tempo”, sugeriu o escritor.
Ao receber o Diploma de Membro Correspondente das mãos dos acadêmicos Edna Ventura, Agostinho Noleto e Domingos Cezar, o escritor afirmou que esse reconhecimento faz com que ele aumente mais seu compromisso com a AIL e com Imperatriz, “cidade que levo comigo as melhores impressões”, disse J.R. Guedes de Oliveira, antes de embarcar de volta para Campinas (SP), de onde seguiria via terrestre para Indaiatuba.
Palestra de Roberto Romano para a Escola da Magistratura, em São Paulo, em priscas eras.
Notas sobre o princípio da responsabilidade no Estado.
A reflexão que proponho aos senhores liga-se aos primeiros elementos filosóficos da responsabilidade atribuída aos que dirigem o Estado. Com evidência solar, a tarefa é ampla em demasia. Opto por apresentá-la somente em alguns traços menos salientes em nossos dias. A exposição será dividida em duas partes. Na primeira, apresentarei alguns elementos da filosofia platônica, relevantes para o estudo dos fundamentos lógicos de doutrinas que, ainda em nossos dias, dominam a cena política. Na segunda, evocarei a luta moderna pela responsabilização dos governantes até o Termidor, quando se inicia a era dos ditadores modernos, os que erguem seu mando sobre o enfraquecimento da soberania popular e dos parlamentos.
***
É habitual a idéia de que Platão aconselha um governo de especialistas, os quais devem controlar o Estado contra as fileiras dos cidadãos comuns. Esta exegese surge de uma leitura demasiado seletiva da República e brota do silêncio posto sobre livros posteriores do filósofo, como é o caso das Leis. Em tal escolha arbitrária são afastados inclusive textos autobiográficos estratégicos, como é o caso da Carta Sétima. Nela, Platão afirma que seu alvo em Siracusa, terra dominada por Dionísio, era substituir o absolutismo do tirano pelo governo das leis. ([1]) Um estudioso do pensamento platônico, Glenn R. Morrow ([2]) analisa as Leis, diálogo onde Platão afirma que nenhum mortal pode almejar para si um mando supremo e irresponsável, sem perder conhecimento e integridade. ([3]) Se às leis falta soberania, o Estado segue para a ruína. A mais elevada qualidade governamental e civica é a plena obediência às leis. Todos os juizes e funcionários devem ser responsáveis pela obediência aos preceitos legais. Os dirigentes são chamados por Platão de Nomophylakes, ou seja, guardiões da lei, ministros de uma soberania que não lhes pertence. O título, não inventado pelo filósofo, era conhecido na prática governamental de cidades gregas em seu tempo.
A soberania da lei define um traço relevante do pensamento platônico. Vejamos, no entanto, as mudanças que ele propõe em relação às formas existentes na vida jurídica ateniense. O principal problema reside na ausência de paradigmas conceituais da lei, defeito notório e desastroso, no entendimento de Platão, das cortes populares, os dicastérios, palavra que no entanto encontra sua origem em Diké, a lei ([4]). Segundo Henri Martin, a presença constante do termo “paradigma” nos escritos platônicos reforça a interpretação de seu pensamento segundo a qual, para ele, salvo uma só essência, a indivisível e imutável, todas as demais essências das coisas nada oferecem de estável, sendo estranhas ao domínio científico. ([5]) O filósofo considera que nas assembléias do povo as opiniões eram partilhadas sem critérios técnicos e, mesmo assim, determinavam os passos da polis e produziam instabilidade, o contrário do que se espera de um Estado.
As cortes populares reuniam grande número de pessoas (de 500 a 2.500) escolhidas por sorteio, antes dos julgamentos. Elas foram geradas pela democracia e substituiam os tribunais aristocráticos ou oligárquicos, compostos apenas de magistrados e dirigentes. Alguns destes últimos tribunais continuaram a existir ao lado dos populares, como o Areópago, único a permanecer imune diante das cortes comuns, pois nele eram julgados os crimes graves de homicídio e os que exigiam pena capital. Esta corte usufruia de respeito amplo. Já as populares eram criticadas por gente como Aristófanes, Tucídides, e oradores notáveis que dirigiram invectivas contra elas. Os democratas, no entanto, as defendiam fortemente. A Eclesia, assembleia do povo, remete os acusados à corte popular, a Helié.
Na Apologia de Sócrates Platão endereça uma crítica velada contra os tribunais populares. No célebre julgamento do pensador, os que decidiriam a sua sorte mostraram-se sedentos de condenação, a baderna foi tamanha que só com muita dificuldade o acusado conseguiu se fazer ouvir. A Helié, o tribunal onde Sócrates foi condenado, dispunha de aproximadamente 6 000 jurados, todos saídos da Ecclesia. Eles eram sorteados segundo a gravidade maior ou menor da acusação. Como ponto final, os jurados depositavam uma ficha em urnas, vazias em caso de condenação, cheias quando ocorre o contrário. No diálogo Górgias, Platão ironiza a justiça onde impera a persuasão retórica, “nos dicastérios e demais multidões”. O termo grego, usado por Platão para designar as multidões de juizes é ochlos, massa instável e irriquieta ([6]). Já na República existe um retrato irônico do juiz que ronca durante os trabalhos (405 c). Outra critica direta encontra-se na imagem do povo, “Grande Criatura” que mostra seu lado mais bruto e estúpido quando julga quem a desagrada.
Platão nota a suscetibilidade dos tribunais populares à lisonja e aos apelos emotivos dos retores e o quanto eles são movidos pelos motivos politicos. O mais grave, segundo o filósofo, é o segredo do voto que torna o julgador individual imune às críticas e ataques (Leis, 876 b). ([7]) Nas cortes populares falta o princípio da competência profissional.“Em nosso Estado”, diz Sócrates, “um piloto será um piloto e não ao mesmo tempo um sapateiro; e um agricultor será agricultor e não também um juiz” (República, 397 e).
É mais do que batida a idéia de que Platão, por ser crítico da ordem democrática, rejeita as instituições de seu tempo. É fato que ele suspeita de cortes numerosas, pois “a multidão não pode julgar com facilidade e nem também poucos juízes, caso sejam incompetentes” (Leis, 766 d- e). ([8]) Ele considera que é mais fácil para um tribunal pequeno, com juízes treinados, ir até o núcleo das questões ao interrogar os litigantes com tempo suficiente disponível. Os juízes, quando em grande número, serão no máximo bons ouvintes dos discursos contraditórios. Mas o filósofo pensa que o povo deve ter parte na administração da justiça. Ele não muda sua opinião sobre cortes amplas e barulhentas, nas quais aplausos e vaias são ouvidos, mas defende as cortes populares, as quais devem julgar em sua própria instância. As causas desta defesa são claras: é mais difícil corromper 500 juízes, em especial se eles são desconhecidos antes do julgamento, ou intimidar um juri numeroso. O historiador George Grote ([9]) observa que os tribunais populares de Atenas fizeram o que é difícil para qualquer sistema de justiça: “they were able to bring wealthy and powerful offenders to account”. [10]
Platão almeja ao mesmo tempo as vantagens dos tribunais populares, com seu princípio de ativa cidadania, e as trazidas pela competência dos juízes. Esta síntese ocorre quando examina o problema do apelo. Ele divide a administração da justiça em três cortes graduadas, a de primeira instância e duas de apelo. A primeira é chamada a dos visinhos ou árbitros. Acima, vêm as populares e a superior, a dos Juízes Selecionados, cuja decisão é final em todas as matérias nela discutidas. As formas propostas por Platão existiam, de certo modo, em Atenas. A dos árbitros era escolhida por sorteio entre cidadãos, para ver se conseguiam algum acordo entre as partes. Trata-se de um sistema barato e ágil de se conseguir justiça. A diferença entre o proposto pelo filósofo e as formas existentes reside no seguinte ponto: os árbitros seriam escolhidos pelas partes e não mais por sorteio.
Se um litigante não estivesse satisfeito com a decisão arbitral, ele poderia apelar para a corte superior, correndo o risco de multa se o veredito anterior fosse mantido. Os membros das cortes populares seriam escolhidos entre as tribos. A sua competência, segundo a proposta de Platão, no entanto, excluia os crimes que incorressem em pena capital, o que não era o caso das cortes populares atenienses. O filósofo proíbe o juramento : “é uma coisa terrível” diz ele, “em tantos processos conduzidos num Estado, a metade das pessoas que encontramos pode ser constituida por quem comete perjúrio”.
A mudança mais original dentre as propostas nas Leis é a negação da autoridade última aos tribunais populares, em proveito dos Juízes Selecionados. Esta Corte, eleita anualmente por todos os dirigentes do Estado, segue um sistema de refinamento de escolhas, até chegar aos melhores juízes. O Areópago era composto de modo próximo, pois nele ex-governantes tinham mandato vitalício. Mas a proposta platônica difere do Areópago porque não apenas os mais elevados dirigentes são escolhidos, mas também os que ocupariam cargos mais baixos. A seleção dos juízes seria materia de mérito, não de privilégio devido ao cargo anterior. E o cargo não seria vitalício. As mudanças no quadro efetivo seriam permanentes, o que impediria o uso do poder jurisdicional em proveito de indivíduos ou de grupos.
Platão muda radicalmente o sentido dos apelos. Estes eram feitos pelos árbitros ou magistrados à corte popular, última instância em Atenas. Mas ele, de outro lado, não assume as posições oligárquicas, que desejavam anular o peso dos juízes populares, pois se deles retira o poder supremo, lhes atribui papel relevante. Em todos os casos, a sua preocupação é com o excesso de poder concedido às cortes, populares ou não. Os abusos dos juízes e demais integrantes do mundo estatal deveriam ser previstos e evitados. Os perigos do abuso eram conhecidos em Atenas e existiam técnicas contra eles. Todos os que exerciam cargos, antes da posse, passavam por um exame acurado (a dokimasía) diante do Conselho e das cortes populares. Após deixar o cargo, todos eram submetidos a outro exame oficial (eitinai) dos seus atos, sendo sujeitos a multas e outras penalidades se fossem culpados de agir contra as leis. Em cada encontro da Assembléia soberana dos cidadãos, os dirigentes podiam ser suspensos, desde que não conseguissem votos para se manter no cargo.
Dessas instituições atenienses, Platão mantem duas: o escrutínio e a revisão do mandato, mas não as deixando ao arbítrio da corte popular. Ele propõe um conselho de Examinadores (eutinoi) que deveria avaliar os atos de todos os governantes durante e após o mandato, em intervalos nos quais relatariam o que descobriram. Em caso de uso errado do cargo, eles tinham poderes para impôr penalidades ou multas. Mas o poder destes examinadores, por sua vez, era responsável, porque um dirigente indigitado por eles poderia apelar para a corte dos Juízes Selecionados. Se perdesse, seria obrigado a cumprir as penalidades. Caso contrario, poderia acionar os examinadores, exigindo a sua remoção ou punição.
O princípio das propostas platônicas é exposto nas seguintes frases das Leis: “No caso em que um magistrado tenha ajuizado algo de modo injusto (adikos, de errado, não reto, injusto) tratando-se dos danos de um litigante, sua penalidade diante da vítima do referido prejuizo deverá ser o dobro do valor reclamado. E todo aquele que desejar, poderá ir às cortes comuns contra os magistrados por causa de decisões injustas, nos casos trazidos diante deles”. (846 b). A lingua usada por Platão nas sentenças citadas (ho boulómenos, “Todo aquele que desejar”) é a mesma usada nos termos legais áticos, quando se descreve uma graphé (ação) que podia ser assumida por pessoas outras, além da que era diretamente afetada.
Mas Platão é mais duro ainda. Ele prevê ações contra dirigentes por abuso judicial e administrativo. No Estado platônico os dirigentes têm ao mesmo tempo funções judiciárias e administrativas. Eles dirigem e impõem penalidades em caso de rompimento das leis. Mas todos os juízes, além dos dirigentes menores do Estado, são sujeitos a processos por violação da lei. “Nenhum juiz ou dirigente deve ser isento de responsabilidade (anipeutinos) pelo que faz como juiz ou dirigente, exceto aqueles cujo juízo é final, como é o caso dos reis”. No entanto, até mesmo no caso de Siracusa Platão propõe um arkhé hipeutinos basiliké, um poder real responsável (Carta Oitava, 355 e). ([11]) Se um integrante dos Juizes Selecionados é suspeito de injustiça, apela-se para os Guardiões das Leis, que então assumem o caráter de uma corte. Platão formaliza um sistema preciso de distribuição do poder judiciário sem paralelo em seu tempo. Ele difere da ordem democrática, pois não entende as cortes populares como supremas. E também diverge da oligarquia e da aristocracia, pois nele os dirigentes superiores do Estado são responsáveis e não possuem privilégios como os usufruídos pela Gerusia de Esparta, ou mesmo pelo Areópago ateniense antes de Solon. Ele planeja, portanto, algo que teve relevância estratégica no mundo moderno, e que determinou a estabilidade política com a balança entre as forças opostas, algo fundamental em Locke e Montesquieu. É platônica a noção de uma prática de checks and balances essenciais no Estado posterior ao absolutismo.
A última e importante medida a ser notada, nas propostas de Platão, é a publicidade dos atos : “A votação deve ser pública. Durante o julgamento os juízes devem sentar-se uns perto dos outros em ordem de idade e diretamente diante do acusado e do acusador; e todos os cidadãos que possuam tempo, devem seguir os trabalhos” (Leis, 855 d). O filósofo, diz Morrow, procura evitar algo como o sistema secreto da Star Chamber, algo usado pelos soberanos inglêses para impôr despoticamente o seu poder contra as leis estabelecidas e as práticas judiciarias comuns.
Quanto ao papel das leis na ordem política, Platão pensa de modo diretamente inverso ao democrático, antigo e moderno. Para nós, a legislação deve se adaptar às modificações sociais ou econômicas, sobretudo no campo da opinião pública. O meio para tais mudanças é o processo legislativo, com representantes eleitos. Em sentido oposto, Platão acredita que a opinião pública deve se adaptar às leis e todas as forças artísticas, religiosas, educacionais precisam ser dirigidas por semelhante paradigma. Importa muito que o filósofo tenha estabelecido o princípio da responsabilidade dos governantes e juízes, o que na revolução inglêsa do século 17 foi chamado de accountability. Diz ele nas Leis: “não devemos tornar nossos dirigentes grandes e selvagens, porque desejamos que nossa cidade seja livre e sábia, plena de sentimentos amigáveis”. (693 b). A base do Estado justo, no seu entender, é a ética que une sabedoria e integridade como base do imperium legibus solutum. A lei é definida por ele como o eixo que sustenta a ordem política correta. “Um Estado no qual a lei é sujeita e sem autoridade está condenado à destruição; mas quando a lei é soberana sobre os dirigentes e estes são os servos da lei, então vejo o surgimento de todos os bens que os deuses presenteiam ao Estado” (715 d). ([12])
Platão requer competência dos juízes, um princípio fundamental da justiça. Tal competência, na República e obras anteriores às Leis, como é o caso do Político, é determinada pelo saber técnico. As Leis atenuam o rigor da exigência técnica. Na República o processo legislativo era considerado pouco relevante no paradigma da cidade ideal. No Político, a técnica do governante tinha mais importância do que o fabrico de leis. A causa deste juízo é a noção de que as leis não podem definir com exatidão o justo e melhor para todos. As leis são imóveis e não respondem a ninguém, nem podem corrigir a si mesmas. Assim, apenas o dirigente dialético, o que sabe os caminhos da ciência segura, chega às situações determinadas no organismo politico. Uma legislação salutar deve conter meios corretivos, como é o caso do médico que observa o doente em suas mudanças corporais e anímicas, e não se prende a esta ou aquela receita. Ele as usa com base no seu conhecimento e na perícia do diagnóstico. Também o politico, um técnico de gerir a polis, tem preeminência em relação à lei. ([13]) Nas Leis se inverte a ordem definida na República. Se neste diálogo os governantes estavam acima da legalidade, nas Leis, eles recebem o título de servos da lei. Donde fica mais firme o princípio da responsabilização dos dirigentes politicos e magistrados. A base da accountability é mais antiga, portanto, do que as doutrinas puritanas que deram nascimento na Inglaterra ao moderno Estado de direito.
Dou um salto mortal no fio da História e passo, agora, aos princípios modernos da responsabilização dos governantes. Antes, analiso os pressupostos do Estado absolutista e da razão de Estado, alvos de todas as críticas dos pensadores democráticos dos séculos 18 e 19. Em Platão ocorre a desconfiança diante da massa popular, o que afasta, em sua doutrina, toda soberania popular. Os dirigentes são accountables, mas uns diante de outros, na maquinaria imaginada de pesos e contra pesos institucionais. As cortes populares são diminuidas em seu poder supremo e irresponsável. Nos tempos da raison d´État a desconfiança platônica diante dos homens reunidos em multidão aumenta desmesuradamente, em proveito da soberania do rei irresponsável e que só devia prestar contas às entidades celestiais.
No início do Estado moderno a legitimidade do governante ainda reside no ser divino. ([14]) Mas a razão de Estado afasta os conceitos teológico-politicos e assume a linguagem do interesse estatal. Neste processo, juristas e teólogos como Botero, em resposta ao desafios de Maquiavel, definem o uso legítimo dos poderes tendo como alvo manter e expandir os bens públicos. ([15]) A nova razão política incorpora o segredo para garantir o gabinete real, lugar onde não são admitidos os homens comuns. Aceito com reservas pela Igreja, o segredo é a marca dominante do Estado laico. Se o secretário (a origem do termo é marcada pela própria palavra do segredo) e o governante devem ocultar tudo o que for possível aos que não têm acesso aos gabinetes eles, no entanto, devem descobrir tudo o que estiver para além das fronteiras de seu Estado e na mente e no coração dos dirigidos.
Do gabinete onde se oculta, o governante acumula segredos e deseja os súditos expostos sob luz perene. Desse modo se estabelece a heterogeneidade entre governados e dirigentes. Na aurora dos tempos modernos “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa separar, apartar”. ([16])
No período surgem as guerras de religião ocasionadas pela Reforma. As revoltas alemãs e francêsas atingem a Inglaterra. Para espanto do clero e da aristocracia, as massas populares aprendem a desobedecer as ordens dos príncipes. A antiga imagem do povo, negativa desde a Grécia e Roma, se exaspera. É conhecido o texto de Etienne de La Boétie, O Discurso da Servidão Voluntária. ([17]) Pouco se analisou o escrito do mesmo autor intitulado Mémoires de nos troubles sur l´Édit de janvier 1562. ([18]) Devido às lutas religiosas na Guiana, a corte envia o magistrado aos locais para analisar e depois escrever um texto com sugestões jurídicas. Torna-se bem clara a cautela de La Boétie frente ao povo. Seria preciso impedir que o populacho tivesse ilusões de poder. Nas guerras religiosas que espalham “um ódio e maldade quase universais entre os súditos do rei” o pior é que “o povo se acostuma a uma irreverência para com o magistrado e com o tempo aprende a desobedecer voluntáriamente deixando-se conduzir pelas iscas da liberdade, ou melhor, licença, que é o mais doce e agradável veneno do mundo. Isto ocorre porque o elemento popular, tendo sabido que não é obrigado a obedecer ao príncipe natural no relativo à religião, faz péssimo uso dessa regra, a qual, por si mesma, não é má, e dela tira uma falsa consequência, a de que só é preciso obedecer os superiores nas coisas boas por si mesmas, e se atribue o juízo sobre o que é bom ou ruim. Ele chega afinal à idéia de que não existe outra lei senão a sua consciência, ou seja, na maior parte, a persuasão de seu espirito e suas fantasias (…) nada é mais justo nem mais conforme às leis do que a consciência de um homem religioso temente a Deus, probo e prudente, nada é mais louco, mais tolo e mais monstruoso do que a consciência e a superstição da massa indiscreta”. ([19]) E arremata: “O povo não tem meios de julgar, porque é desprovido do que fornece ou confirma um bom julgamento, as letras, os discursos e a experiência. Como não pode julgar, ele acredita em outrem. Ora, é comum que a multidão creia mais nas pessoas do que nas coisas, e que ela seja mais persuadida pela autoridade de quem fala do que pelas razões que se enuncia”.
Gabriel Naudé fala do segredo e da desconfiança universal que obrigam o governante a se preservar “dos engodos, ruindades, surprêsas desagradáveis” quando a massa está inquieta. Na crise de legitimidade é preciso cautela contra o animal de muitas cabeças, “vagabundo, errante, louco, embriagado, sem conduta, sem espírito nem julgamento….a turba e laia popular joguete dos agitadores: oradores, pregadores, falsos profetas, impostores, políticos astutos, sediciosos, rebeldes, despeitados, supersticiosos”. ([20])
Os teóricos da soberania popular não encontram audiência nas cortes e parlamentos aristocráticos. As noções de universitas, communitas ou corpus, o povo reunido em majestade, toda essa constelação conceitual sofre críticas desde os seus momentos iniciais. E os que defendem uma personalidade jurídica para o povo tomam cuidado para que a soberania popular não seja absorvida pelos representantes. ([21]) “Já no final do século 13 a doutrina filosófica do Estado definiu o axioma de que o fundamento jurídico de todo governo reside na submissão voluntária e contratual das comunidades governadas. E foi declarado que por um principio de direito natural ao povo e apenas a ele, cabia colocar-se como chefe (…) do poder estatal. Althusius afirma ser impossivel diminuir a soberania popular com base no contrato”. ([22]). O povo seria o summus magistratus.
Contra a massa popular os autores favoráveis à monarquia de direito divino protestam na Inglaterra do século 17. As convulsões sociais e políticas mostram a força popular, traduzida em facções, dos Levellers aos Diggers, com a mescla explosiva de religião e imperativos democráticos. Quando a cabeça de Carlos I é cortada, rompe-se o laço entre o corpo do Rei e a divindade, toma sentido o princípio da accountability que segue a fé pública. John Milton expressa a tese: “Se o rei ou magistrado provam ser infiéis aos seus compromissos, o povo é liberto de sua palavra”. Estas frases postas em The Tenure of Kings and Magistrates ([23]) definem as novas formas de poder legítimo. O soberano povo exige responsabilidade dos que agem em seu nome.
Milton retoma os democratas inglêses. Não por acaso tais enunciados são recolhidos pelo inimigo da democracia no período, Thomas Edwards, num catálogo de “heresias” políticas que têm a pena de morte como castigo. O erro dos democratas, diz Edward, reside em afirmar que “ o poder supremo só pertence à Casa dos Comuns, porque só ela é escolhida pelo povo. O estado universal, o corpo do povo comum é o soberano terrestre, o senhor, rei e criador do rei, dos parlamentos, e todos os ministros da justiça. Majestade indeclinável e realidade residem de modo inerente no estado universal; e o rei, parlamentos, etc., são as suas meras criaturas que devem prestar contas a eles, os quais deles dispõem a seu arbitrio; o povo pode pedir de volta e reassumir seu poder, questioná-los, e colocar outros em seu lugar” (eu sublinho, RR) ([24]) Thomas Edwards é um acadêmico de primeira plana e seus enunciados baseiam-se em fontes (sobretudo delações) e documentos. Se consultarmos historiadores da política inglêsa no período, confirma-se a veracidade dos enunciados atribuidos por Edwards aos democratas. ([25])
As teses democráticas inglêsas repercutem na Europa inteira a partir do período. As Luzes francêsas traduzem para o continente o pensamento produzido na Inglaterra desde o século 16 ([26]). “Não existe verdadeiro soberano a não ser a nação; não pode existir verdadeiro legislador, a não ser o povo; é raro que o povo se submeta sinceramente a leis impostas; ele as amará, as respeitará, obedecerá, as defenderá como sua obra própria se é delas o autor (…). Desgraça ao soberano que despreza a lei, desgraça ao povo que suporta o desprezo em relação à lei”. ([27])
Robert Derathé registra que essa tese, com fortes conseqüências na feitura das leis, não existe mais plenamente nos países que hoje se julgam democráticos. Neles, "é raro que uma lei possa ser votada sem o assentimento do governo". Como educar a cidadania para que ela exerça o poder soberano, sem cair nas mãos dos demagogos? Apenas depois de 1791, por exemplo, Robespierre assumiu a soberania popular. No discurso Sobre a Constituição (10/05/1793) ele toca a aporia ainda hoje irresolvida: "Dar ao governo a força necessária para que os cidadãos respeitem sempre os direitos dos cidadãos; e fazer isto de tal modo que o governo nunca possa violar os mesmos direitos". O governo, continua, "é instituído para fazer a vontade geral respeitada. Mas os governantes possuem uma vontade particular: e toda vontade particular tenta dominar a outra". Qualquer constituição deve "defender a liberdade pública e individual contra o próprio governo". A solidez da Constituição se baseia "na bondade dos costumes, no conhecimento e no sentido profundo dos sagrados direitos do homem". Tangidos pelas massas, os jacobinos comparam o governo comum ao revolucionário. O segundo extrai legitimidade da "mais santa dentre as leis, a salvação do povo". Governo revolucionário não significa "anarquia nem desordem. O seu fim é, pelo contrário, reprimir as duas coisas, para conduzir ao domínio das leis (...) quanto maior o seu poder, quanto mais sua ação é livre e rápida, tanto mais é necessária a boa fé para dirigí-lo". A mudança de "soberania popular" para "ditadura" é clara. A última salva o povo. ([28])
E se os ditadores usufruírem o poder apenas para si? Resposta de Robespierre : o ditador deve ser virtuoso. Na Convenção jacobina o governo, para "instituir" a República torna-se "superior" à população. Mas os sans culotte, nas Assembléias Populares, insistem na soberania do povo, o que resulta na demissão sumária dos deputados ("mandatários"), juízes e demais servidores públicos. Em 1º de setembro de 1792, a seção "Poissonière" declara: "considerando que o povo soberano tem o direito de prescrever aos seus mandatários a via a ser seguida para agir conforme a sua vontade", os nomes dos deputados deveriam ser discutidos, aprovados ou reprovados pelas Assembléias primárias. A Assembléia Geral do "Marché-des-Innocents" decide em 25 de agosto de 1792" que os deputados serão demissíveis por vontade de seu Departamento, bem como "todos os funcionários públicos".
Os enciclopedistas e seus discípulos, como Condorcet, se preocupam com a formação intelectual das massas populares, conditio sine qua non da ordem democrática moderna. Democracia exige eleições. Mas estas podem deseducar o povo. Escrutínios trazem respostas incertas ou enganosas, perigo pressentido por Condorcet. Mesmo no Estado democrático “o poder se imiscui na operação eleitoral e a influencia: ele deseja demais uma ´representação´ favorável. E três “imagens” são misturadas nas eleições : a real, se a palavra tem sentido, a normativa ou potencial, porque se trata se conseguir uma direção no futuro, e a desejada e querida, porque os manipuladores tendem a se perenisar nos cargos e tentam desregulamentar os indicadores(…) os modos de escrutínio contam mais do que o resultado final, pois ele depende deles”. ([29])
O rei, na instauração do Estado, foi conduzido ao segredo. O soberano popular segue o mesmo rumo quando sua prerrogativa se manifesta na hora do voto. Alí, supostamente, reina o segredo. Todos conhecem a passagem de Montesquieu no Espírito das Leis, mas a cito: “A lei que fixa a maneira de conceder os bilhetes dos sufrágios é ainda uma lei fundamental na democracia. É uma grande questão se os votos devem ser públicos ou secretos. Cicero escreve que as leis que os tornaram secretos nos últimos tempos da república foram uma das grandes causas de sua queda (…) Sem dúvida, quando o povo vota, o voto deve ser público e deve ser visto como lei fundamental da democracia. É preciso que o povinho (´petit peuple´) seja esclarecido pelos principais e contido pela gravidade de certos personagens”. ([30])
Rousseau comenta o segredo deseducador do voto. Nas antigas repúblicas virtuosas “cada um tinha vergonha de dar publicamente seu sufrágio a uma opinião injusta ou assunto indigno, mas quando o povo se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o segredo fosse instituido para conter os compradores pela desconfiança e fornecer aos salafrários (´fripons´) o meio de não serem traidores”. ([31]) Condorcet foi contrário ao voto secreto. Mas seus motivos diferem dos enunciados por Montesquieu e Rousseau. Ele é o autor de projetos de educação popular e conhece os problemas matemáticos suscitados nas eleições. Dos votos tudo pode sair, inclusive servidão. Ele mostra como o voto simples (sim e não) traz o arbitrário quando se trata de decidir entre diferentes programas ou pelo menos três candidatos. Este é o sentido do “paradoxo de Condorcet”, atualização do “paradoxo de Bordas”. Com este escrutinio tem-se a maior probabilidade de transformar a maioria em minoria, e vice versa. “É possível, se houver apenas três candidatos, que um entre eles tenha mais votos do que os dois outros e que, entretanto, um desses últimos, o que teve menor número de votos, seja olhado pela pluralidade como superior a cada um dos seus concorrentes”. Após demorada análise matemática, ele enuncia que numa eleição assim, o mais contestado pode ser eleito, enquanto o melhor, na hipótese de um escrutínio plunominal, eliminado. ([32]) O paradoxo de Condorcet é estudado ainda em nossos dias. ([33])
As multidões não são ensinadas ao voto segundo o cálculo das probabilidades. No Termidor, a massa popular perde a soberania, é substituida pelos proprietários, o que obedece a receita de Boissy d´Anglas em discurso de 5 Messidor, ano 3: "Devemos ser governados pelos melhores (...) ora, com poucas exceções, só podemos encontrar semelhantes homens entre os que, possuindo uma propriedade, são apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à tranqüilidade que a conserva". Para o termidoriano, a lei não é máxima derivada do nexo entre princípios e situação. Somem as exigências do povo, a accountability e a destituição do governante. Com Napoleão e sua ditadura, imenso maquinismo operado pelo segredo, foram dadas as condições para o fim da doutrina sobre a soberania popular direta.
O séculos 19 e 20 conheceram as piores tiranias, a começar com o império napoleônico que espalhou o terror na sociedade francêsa e européia, sem responsabilização dos seus agentes maiores. O fascismo, o nazismo e o estalinismo exibiram o exato contrário da transparência e do respeito à cidadania. Com a Segunda Guerra, a Guerra Fria, o Macarthismo, o segredo aumentou sua abrangência. Os países socialistas quebraram a base da accountability e da fé pública em proveito dos governos e partidos. Hannah Arendt afirma que a vida totalitária significa a reunião de “sociedades secretas estabelecidas públicamente”. ([34]) O paradoxo é só aparente. Hitler examinou os principios das sociedades secretas como corretos modelos para a sua própria. Ele promulgou em 1939 algumas regras do seu partido: a primeira ordena que ninguém, sem necessidade de ser informado, deve receber informação. Enuncia a segunda : ninguém deve saber mais do que o necessário. E a terceira: ninguém deve saber algo antes do necessário. ([35])
Na lição de N. Bobbio: “O governo democrático desenvolve sua atividade em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos porque todos os cidadãos devem formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria periodicamente à urnas e em quais bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou recusa? (…) o poder oculto não transforma a democracia, a perverte. Não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus orgãos essenciais, mas a assassina”. ([36])
A democracia surge com a exigência de accountability a ser cobrada dos governos. A radicalidade dos democratas inglêses rendeu frutos na Europa e na América do Norte. Os seus postulados suportam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Woodrow Wilson, insiste sobre o elo entre fé pública e responsabilidade, o que deve atenuar o segredo de Estado. ([37]) A recusa, durante a Guerra Fria, dos elementos jurídicos e políticos sobre a accountability levaram os governos norte-americanos à quebra de padrões democráticos. Isto redundou em prejuízo dos povos em terras hegemônicas e calamidades para os dominados, do Vietnã ao Chile e deste ao Irã e Iraque. O segredo permitiu casos como o Irã-contras, a ajuda aos Talibãs, cuja ascensão ao poder foi entendida como vitória sobre a defunta URSS. A administração G. W. Bush conduz o segredo ao máximo ([38]) possível, incluindo-se o engano usado deliberadamente. O segredo embaralha interesses de grupos privados e assuntos de governo, como nas licitações para a reconstrução do Iraque ao redor do petróleo.
A administração Bush emprega meios secretos para atingir alvos internos e internacionais, não raro retrocedendo na política doméstica, quando se trata do mesmo segredo. Em abril de 1994, foi editada uma Public Law (número 103-236) do governo estadunidense criando a Comissão para reduzir o segredo governamental, tendo a frente Daniel Patrick Moyniham, do Partido Democratico, antigo membro de gabinete dos presidentes Kennedy, Johnson, Nixon and Ford. A comissão publicou um relatório (3/05/1997) cujas palavras iniciais eram as seguintes: "It is time for a new way of thinking about secrecy." Após essa tentativa o secredo retomou a iniciativa. O problema parece mais saliente nos EUA, porque se trata de uma democracia vital para a vida do planeta. Mas ele se manifesta em todos os Estados, incluindo-se o Brasil, onde um maquiavelismo tosco em demasia impera no Executivo, com as bençãos do Congresso e a impotência do Judiciário.
A passagem do secreto ao público define o destino da democracia. Assistimos, nos últimos tempos, a derrocada quase absoluta de governos democráticos diante de forças antigas da vida social, religiões que exigem o retrocesso à legitimidade com base no divino e novas forças, como o “mercado”. Em nome da “confiança” deste último, programas expostos em longos anos aos cidadãos seguem para o vazio absoluto. Com uso do segredo “planos” econômicos são impostos, lesam os contribuintes em nome de interesses alheios aos seus países. Por outro lado, grupos terroristas atacam os três antigos monopólios estatais, a começar com o da força física, ameaçam a norma juridica. Ao mesmo tempo, os sistemas de narco-tráfico (não raro, como no Afeganistão, unidos ao terror) desafiam tribunais e governos, amealham cúmplices nos três poderes do Estado.
O segredo é essencial para se refletir sobre a forma democrática. Governos exasperam a prática de esconder os pontos maiores das políticas no setor público. Entramos no paradoxo: o público é definido fora do público. A opacidade estatal atinge níveis inéditos.O que tudo isso tem a ver com a soberania e a segurança nacionais? Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que o aumento do segredo em Estados hegemônicos diminui, ipso facto, a possível força dos dependentes ou não hegemônicos. Após a implosão da URSS, surgem no horizonte mundial três cenários nos quais se revelam as potências da Federação norte-americana, da insipiente União Européia, de uma possível união asiática, onde se disputam a hegemonia a China, o Japão, a India e os pequenos “tigres”.
Sendo fato social, o segredo se manifesta em todos os coletivos humanos, das igrejas às seitas, dos Estados aos partidos, dos advogados aos juízes, dos quartéis às guerrilhas, das corporações aos pequenos vendedores de rua, da imprensa à formas de censura, dos laboratórios e bibliotecas universitários à fábricas, dos bancos às obras de caridade. Se descermos mais fundo, da sociologia à ordem antropológica, podemos dizer que o segredo é o lado oposto e necessário da linguagem comunicacional. Adam Smith perguntou um dia : “Como é possível determinar segundo regras o ponto exato no qual, em todo caso, um delicado sentido de justiça segue para o escrupulo fraco e frivolo da consciência? Quando o segredo e a reserva começam a caminhar rumo à dissimulação ?” ([39]) A prudência define a passagem de uma prática ou experiência do segredo antropológica e éticamente correta, para uma outra, em que o poder abusivo se manifesta. A balança entre abertura e segredo foi indicada por Simmel : “a intenção de esconder assume intensidade tanto maior quanto se choca com a intenção de revelar”. ([40]) O segredo integra a vida, como uma realidade não visivel. Neste sentido, e ampliando a sugestão de Smith, o segredo vive na consciência dos homens que, ao se reunirem para qualquer fim, agem tendo em vista alvos não imediatamente perceptíveis pelos demais e, sobretudo, pelos alheios ao grupo. Ainda segundo Simmel, “o segredo oferece, por assim dizer, a possibidade de um segundo planeta ao lado do planeta manifesto; e o último é influenciado decisivamente pelo primeiro”.
O pensamento revolucionário inglês, norte-americano e francês, sucedido pelos vários liberalismos se opuseram ao segredo, salvo em situações de guerra. O ensaio de Bentham Of Publicity é o mais saliente nesse aspecto. A publicidade é “a lei mais apropriada para garantir a confiança pública, sendo a causa de seu avanço constante rumo ao fim de sua instituição”. O segredo, pensa Bentham, “é instrumento de conspiração; ele não deve, portanto, ser o sistema de um governo normal”. ([41]) Para finalizar, cito ainda Simmel : “Toda democracia considera a publicidade como uma situação intrinsicamente desejável, seguindo a premissa fundamental de que todas as pessoas deveriam conhecer os eventos e circunstâncias que lhes interessam, visto que esta é a condição sem a qual elas não podem contribuir nas decisões sobre elas mesmas”. ([42])
Roberto Romano
Titular de Ética, Unicamp.
[1] “A Sicilia não deve ser escrava de senhores ou déspotas (…) mas ser escrava de leis”. Carta Sétima, 334 c-d. Cf. Plato, ed. Loeb (Cambridge, Harvard University Press, 1975), volume IX, pp. 508-509.
[2] “Plato and the Rule of Law” in Gregory Vlastos (ed.) : Plato, a collection of critical essays, ethics, politics, and philosophy of art and religion, T. II (Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1978), pp. 144 e ss. O ensaio de Morrow é de 1946. Ele será assumido como fonte analítica nas páginas seguintes, sempre que o pensamento jurídico de Platão for examinado por mim.
[3] Leis, 691 c. O trecho examina a desmesura no exercício do poder e o papel dos legisladores, requerido para impôr limites aos que exercem o governo. Uso a tradução de Leon Robin : Les Lois, in Oeuvres complètes de Platon, Bibliothèque de la Pléiade (Paris, Gallimard, 1953), p. 728.
[4] Paradigma” surge no campo da lingua grega unido a deiknumi, cujo sentido é “mostrar”, “indicar”. Quando acrescido da partícula “para”, significa “mostrar, fornecer um modelo”. A raíz deik, refere-se ao ato de mostrar mediante a palavra, mostrar o que deve ser seguido. Daí na noção de paradigma ser estratégica a união com a dike, a lei, a regra. Cf. Chantraine, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque (Paris, Klincksieck, 1983), p. 257.
[5] Cf. Martin, H. Le Timée de Platon (Paris, Vrin, 1981), pp. 82-83.
[6] Ou mob na tradução inglêsa, gentalha indisciplinada.
[7] Sigo literalmente, em todas as páginas anteriores e seguintes, as analises de Glen R. Morrow, sem modificações notáveis. O estudo daquele autor foi publicado em 1946 .
[8] “Um Estado não seria sem dúvida um Estado, se a constituição dos tribunais não existisse nele em boa e devida forma. De um lado, nada podemos fazer com um juiz mudo, o qual, como numa arbitragem, nada acrescenta em palavras, durante a instrução inicial do assunto, ao que dizem as parte litigantes: ele não seria nunca um juiz apto a decidir o que é direito. Eis porque é difícil esperar bons julgamentos de um tribunal numeroso ou composto de um pequeno número de péssimos juízes”. Trad. Robin citada, p. 833,
[9] A History of Greece, from the time of Solon to 403 BC (Elibron Classics, Adamant Media Corporation, 2001), citado por Morrow, p. 149.
[10] Um bom retrato da corte popular, a Helié, é fornecido quando se afirma o seguinte: trata-se de um tribunal que também é politico. Os jurados são todos cidadãos. Todo ano eram sorteados 6000 heliastas, 600 para cada tribo. Eles eram repartidos em 10 seções de 600 membros e deviam se apresentar todos os dias, salvo quando era marcada uma reunião da Ecclesia, para que não fossem lesados no exercicio do poder politico. As acusações contra a Helié vinham especialmente de sua composição social. Aristóteles afirma que a sua maioria era composta de pobres, algo que não é tão certo. Certamente o ofício era atrativo para os pobres, pois era pago pelo Estado. A imparcialidade da Helíe, por este motivo, foi posta em dúvida. Ao contrário da Ecclesia,
Tout était fait, au contraire, pour que les héliastes votent sereinement - nous dirions aujourd'hui "en leur âme et conscience"-. Contrairement aux décisions de l'Ecclesia, celles des tribunaux étaient toujours prises à bulletins secrets et la confidentialité de la procédure se renforça même au quatrième siècle, pour mettre chaque individu à l'abri de toute pression collective.
[11] O comentário de Morrow é eloqüente, e o transmito na lingua inglêsa para guardar a sua dramaticidade: “I confess to a secret fondness for Plato ´s proposal, because it strikes at a defect in the administration of justice to which our Anglo-Saxon lawyers seem to be congenitaly blind, viz. the abuse of judicial power. For the rule of law, as it worked out in our legal institutions, means the rule of judges, and this kind of rule, like any other, can become tyranny unless properly safeguarded.” Op. cit. p. 157.
[12] “… en hêi de an despotês tôn archontôn, hoi de archontes douloi tou nomou, sôtêrian kai panta hosa theoi polesin edosan agatha gignomena kathorô”.
[13] Para toda esta passagem, ver Giuseppe Cambiano : Platone e le tecniche (Torino, Einaudi, 1971), p. 247 e ss.
[14] Ainda em 1604, nos Discours Chrestiens de la Divinité, Creation, Redemption et Octaves du Sainct Sacrement, Charron afirma que o título de honra proximo à Divindade é o de rei. Ele distingue entre a “adoração” alta, a que se volta em direção ao divino, e a baixa, deirigida ao rei. Cf. Borreli, G. Ragion di Stato e Leviatano. Bologna, Il Mulino Ed., 1993, p. 62, nota 74.
[15] Giovanni Botero, La ragion di Stato. Roma, Donzelli Ed., 1997, pp. 22 e ss.
[16] Cf. Jean-Pierre Chrétien-Goni: “Institutio Arcanae”, in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état (Paris, PUF, 1992), p. 137.
[17] Cf. La Boétie, E. : Le discours de la sevitude volontaire. (Paris, Payot, 1976). Há uma edição em português, publicada pela Ed. Brasiliense.
[18] Cf. “Une oeuvre inconnue de la Boétie. Les mémoires sur l ´Édit de janvier 1562” . Editado por Paul Bonnefon. In Revue d´Histoire littéraire de la France. 24e année. 1917. (Paris. Librairie Armand Colin, 1917).
[19] La Boétie, Etienne : Mémoires….ed. cit. p. 12.
[20] Considerações Políticas sobre os golpes de Estado (1639) Citado por Jean-Pierre Chrétien Goni, op. cit. p. 141.
[21] Cf. Otto Gierke: Natural Law and the theory of society. 1500 to 1800. Boston, Beacon Press, 1960, p. 48. Para este passo importa consultar o livro de Gierke sobre Althusius : Johannes Althusius und die Entwicklung der naturrechtlichen Staatstheorien. Versão italiana : Giovanni Althusius e lo sviluppo storico delle teorie politiche giusnaturalistiche. Contributo alla storia della sistematica del diritto. Torino, Einaudi, 1974, a cura de A. Giolitti.
[22] Gierke, Althusius….ed. cit. pp. 81-83.
[23] “… if the King or Magistrate prov´d unfaithfull to his trust, the people would be disingag´d”.Um governo (Milton cita Aristóteles) “unnaccountable is the worst sort of Tyranny; and least of all to be endur´d by free born men” Cf. John Milton Selected Prose edited by C.A. Patrides. Harmondsworth, Penguin, 1974, pp. 249ss.
[24] Thomas Edwards : Grangraena, Terceira Parte (1646). Edição fotostática editada pela The Rota Ed. e Universidade de Exeter. 1977, p. 16.
[25] Cf. sobretudo Christopher Hill: Intellectual Origins of the English Revolution.London, Granada Publishing Ltd. 1965. Também Christopher Hill (Ed.) The Levellers and the English Revolution. Manchester, C, Nichollls & Company, 1961.
[26] Cf. Olivier Lutaud: Des Révolutions d´Angleterre à la Révolution Française. Le Tyrannicide & Killing no Murder (Cromwell, Athalie, Bonaparte). La Haye, Martinus Nijhoff, 1973. Do mesmo autor cf. Les Deux Révolutions d´Angleterre. Documents politiques, sociaux, religieux. Paris, Aubier, 1978.
[27] Cf. Diderot, Denis : “Observations sur l ´Instruction de l ´Impératrice de Russie aux Députés pour la Confection des Lois”, in Oeuvres de Diderot, Ed. Versini citada, T. III, p.507.
[28] Robespierre, Relatório de 25/12/1793 à Convenção, em nome do Comitê de Salvação Pública. Esta análise pode ser lida com maiores detalhes no meu livro O Caldeirão de Medéia. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001.
[29] Dagognet, François : Philosophie de l ´image. Paris, Vrin, 1984, pp. 186 e ss.
[30] Cf. Esprit des Lois. Livro II, capitulo II, Paris, Gallimard (Pléiade), 1951, p243.
[31] Contrat social, Livro IV, capítulo IV. In Oeuvres complètes, Paris, L´Intégrale, 1971, T. 2, p.570.
[32] Cf. Dagognet, op. cit. pp. 192 e ss.
[33]O paradoxo, posto no Essai sur l'application de l'analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix reapareceu na Europa após o trauma alemão que permitiu eleger o partido nazista. Nos EUA, ele é discutido depois das últimas eleições presidenciais. B. Nalebuff : “The Last May Be First; In a Three-Way Race, It's Tough to Figure Out the Will of the People” . The Washington Post, 21/06/02, B. Nalebuff ensina na Yale's School of Organization and Management.
[34] Hannah Arendt : Le système totalitaire. Trad. Bourget, Ed. Davreu et Lévy, Paris, p. 103. 1972. Esta passagem é aproximada, por Jean-Pierre Chrétien-Goni, de um artigo publicado por Alexandre Koyré na revista Contemporary Jewish Record, em junho de 1945, com o título de “The Political function of the modern lie”. Cf. Goni, Jean-Pierre Chrétien: “Institutio arcanae” in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 179.
[35] Citado por Arendt, op. cit. p. 268, nota 90. Cf. Chrétien-Goni, op. cit. p. 179. Para uma análise do pensamento de H. Arendt, cf. Celso Lafer Pensamento, persuasão e poder, RJ, Paz e Terra, 1979. tugerid
[36] “Il potere in maschera.” In L´Utopia capovolta. Torino, La Stampa, 1990.p. 62.
[37] Cf. Jos C.N. Raadschelders : “Woodrow Wilson on Public Office as a Public Trust” No endereço eletrônico : bush.tamu.edu/pubman/papers/2002/raadschelder.pdf
[38] Dean, John W.: “Worse than Watergate”, The New York Times, 02/05/04. “…a presidência Bush-Cheney é claramente nixoniana e apenas no que diz respeito ao segredo ela é pior (…). Dick Cheney, que dirige suas próprias operações governamentais secretas declara abertamente pretender que o relógio volte para antes de Watergate, tempo de uma presidência imperial, extra-constitucional e inconfiável (unaccountable). Declarar a sua presidência secreta como anti-democrática é pouco.(…)Woodrow Wilson, com base em seu longo estudo sobre a arte de governar, conclui o que todo mundo sabe, ou seja, que a corrução vigora nos lugares secretos e foge dos públicos. Acreditamos justo o enunciado que afirma o secredo enquanto sinônimo de impropriedade”. O autor indica um ponto que merece atenção.
[39] The Theory Of Moral Sentiments (1759): Parte VII – “Of Systems Of Moral Philosophy”. Raphael and A.L. Macfie (Ed.), vol. I The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith, V.I, (Indianapolis: Liberty Fund,1987)
[40] Simmel, George, "The Secret and the Secret Society," in Kurt Wolff (ED.) The Sociology of Georg Simmel (New York: The Free Press, 1950) página 330. Cf. também Adam Ashforth: “Of Secrecy and the Commonplace: Witchcraft and Power in Soweto” Social Research, Vol. 63, 1996, página 1183 e seguintes.
[41] “Of Publicity”, citado por David Vincent : The Culture of Secrecy. Britain, 1832-1998. página 3.
[42] Simmel, op. cit. página 337.
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