sábado, 25 de junho de 2011

Veja, 25/06/2011.

Dilma Rousseff, Brasília

Dilma abandona uma convicção por mês

No cargo, presidente apresenta opiniões opostas às defendidas por ela no passado. Confira cinco temas relevantes, como aeroportos e meio ambiente


25/06/2011 - 17:07

Governo

Afinal, quem é Dilma Rousseff?

Aos seis meses de governo, presidente muda de opinião em temas que lhe eram caros e aprende na prática a encarar realismo político

Carolina Freitas
Dilma Rousseff: em nome da governabilidade, convicções são deixadas de lado

Dilma Rousseff: em nome da governabilidade, convicções são deixadas de lado (Evaristo Sá/AFP)

Roberto Romano, filósofo: "Para sobreviver com poder, o político faz o que for preciso"

O cabelo continua o mesmo, mas as ideias, quanta diferença. Dilma Rousseff mudou. Aos seis meses de governo, a presidente aprende na prática o significado do realismo político: fazer o que tem de ser feito, mesmo que vá contra seus princípios. E até contra os interesses nacionais. Dilma cedeu em questões que lhe eram caras em nome da governabilidade, mas também em função da pressão de aliados pouco democratas.

Presa durante a ditadura militar e defensora da revisão da Lei da Anistia, Dilma agora descarta alterações na legislação. A lei, aprovada em 1979 para acelerar o processo de redemocratização do Brasil, isenta de punição crimes políticos cometidos durante o regime militar. Antes de engavetar a mudança da lei, Dilma considerava esses crimes "imprescritíveis".

Da mesma forma, ela acaba de anunciar que concederá à iniciativa privada os aeroportos brasileiros. Uma boa decisão, mas nada coerente com a demonização das privatizações feita pelo PT. Nas eleições de 2010, Dilma colou no adversário José Serra, do PSDB, a pecha de privatista. E jurou proteger o patrimônio nacional. À época, ela defendia a abertura de capital da Infraero como solução para as carências de infraestrutura aeroportuária. Notou agora que o poder público não tem recursos nem competência para tanto.

Mas o maior exemplo do comportamento ioiô de Dilma foi a mudança de opinião sobre o sigilo dos documentos de governo considerados ultrassecretos. Em dois meses ela se posicionou contra o sigilo eterno, depois a favor do sigilo eterno e, finalmente, contra o sigilo eterno de novo. A conferir até quando mantém a opinião. Pesou para a hesitação da presidente a pressão dos senadores José Sarney (PMDB) e Fernando Collor (PTB) – ex-presidentes de passado pouco abonador.

Falta de prática - As incertezas de Dilma nesse primeiro semestre de governo são explicadas em detalhes no quadro abaixo. A presidente começa a entrar no jogo da sobrevivência política. É, no entanto, inábil e inexperiente nesta seara e terá de aprender a duras penas, pois tanta mudança de opinião sem explicações passa por falta de opinião. "Para sobreviver com poder, o político faz o que for preciso", diz o filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Se amigos, aliados ou mesmo ideias atrapalharem os planos do político, ele simplesmente afasta-se delas."

E Dilma sofre para se adaptar a essa realidade. "Ela está aprendendo da forma mais lamentável possível. É triste ver uma pessoa, por necessidade política, abrir mão dos princípios que nortearam toda sua vida", diz Romano. No modelo brasileiro, a função de presidente exige alguém que seja, ao mesmo tempo, um chefe de estado e um chefe de governo. "Temos um presidencialismo imperial", diz o professor. Fernando Henrique desempenhou bem as duas tarefas. Luiz Inácio Lula da Silva foi mais chefe de governo do que de estado. E Dilma não consegue extrapolar a função de chefe de estado para ter uma atuação política, como chefe de governo.

A falta de traquejo dificulta a negociação do governo com o Congresso e o encaminhamento das propostas de interesse da nação. Em última instância, prejudica a execução dos programas de governo e, assim, prejudica o Brasil. Sem o articulador Antonio Palocci na Casa Civil, a tarefa fica ainda mais difícil. Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti trazem consigo a fama de intransigentes – a característica menos desejável em um negociador.

Questão de perfil – Formada em Economia e ex-militante do movimento estudantil, Dilma difere em gênero e grau do antecessor, Lula – caso clássico do desapego ideológico. "Lula não tem nenhum compromisso com doutrina ou ideologia", afirma Romano. "Ela tem. Por isso, é muito mais notória nela essa mudança de opinião. É difícil para ela encarar o realismo político."

Enquanto Dilma construiu uma carreira em cargos técnicos e auxiliares do Executivo, Lula passou a vida em barganhas e disputas, desde que começou a militar no movimento sindical, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. E traquejo político se aprende com o tempo. Resta saber quanto tempo Dilma levará para mostrar-se de verdade aos brasileiros.

Veja abaixo o que pensava e o que pensa Dilma Rousseff:

A cabeça da presidente

Ao longo destes primeiros seis meses de governo, Dilma Rousseff mudou de ideia a respeito de temas que lhe eram caros. Confira cinco pontos de honra que foram por água abaixo. Resta uma dúvida: o que virá pela frente nos próximos dois anos e meio de governo?


Sigilo de documentos do governo

DILMA ONTEM: Primeiro contra o sigilo eterno, depois a favor
DILMA HOJE: Contra o sigilo eterno

O projeto da Lei de Acesso à Informação determina critérios para tornar públicos documentos do governo. A proposta aprovada na Câmara dos Deputados diz que os papeis considerados ultrassecretos poderão ficar em sigilo por, no máximo, 50 anos – 25 anos prorrogáveis por igual período. A proposta será agora votada no Senado e passará pela sanção da presidente.

Atualmente, os documentos sigilosos recebem um grau de classificação, determinado pelo órgão que o produziu. Os ultrassecretos ficam em sigilo por 30 anos, prazo que pode ser renovado indefinidamente. A lei termina com essa possibilidade de sigilo, na prática, eterno.

Em abril, Dilma determinou o fim desse tipo de sigilo. Orientou a base do governo a acelerar no Senado a aprovação do projeto de lei. Em junho, pressionada pelos senadores aliados José Sarney (PMDB) e Fernando Collor (PTB), recuou. Porta-voz da presidente no Congresso, a ministra Ideli Salvatti, deixou claro: o Planalto exigia manter o sigilo eterno dos documentos ultrassecretos.

Nessa semana, no entanto, mudou, mais uma vez, de ideia. Ministros e assessores especiais da Presidência a convenceram de que eventuais mudanças no projeto feitas pelo Senado não vingariam, pois a proposta voltaria para a Câmara e seriam derrubadas. Seria, pois, um desgaste infrutífero. Os ministros da Defesa e das Relações Exteriores disseram à presidente que não havia risco diplomático em divulgar os arquivos do governo. E Dilma mandou avisar, por Ideli, que aceitará a decisão do Senado, seja ela qual for.