domingo, 26 de junho de 2011

Marta Bellini...

domingo, 26 de junho de 2011

Uma doença incurável chamada consciência....



Dostoievski nas nuvens por RUI BEBIANO, Portugal, Blog A terceira noite aqui
Publicado em Livros & Leituras, Olhares, Pensamento a 25 de Junho de 2011


Dostoievski pintado por Ernesto Sábato
Uma das avaliações póstumas de Dostoievski condenou-o a um novo exílio siberiano. Até 1953, os manuais universitários em vigor no seu país ajuizavam-lhe a obra como «expressão da ideologia reaccionária burguesa individualista». O fundamento da acusação e da condenação liminar não se encontrava tanto nos enredos dos seus romances ou na evocação neles contida de valores caducos próprios de um tempo que a revolução bolchevique pretendera superar, mas sim na tipologia dos seus heróis, preocupados com a fidelidade aos princípios e aos objectivos mesmo quando as circunstâncias os faziam vacilar. O próprio autor comentou um dia que o seu mal, o seu tormento, provinha de «uma doença incurável chamada consciência», enfermidade própria de quem tinha pouco sentido prático e preferia viver nas nuvens, como um sonhador. «E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros?», deixou-nos nos Escritos Ocasionais, «é um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes». Depois continua: «Um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, outras vezes muito triste, às vezes rude, noutras ainda terno e compreensivo, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honrados sentimentos (…). Não é uma vida assim uma tragédia? Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura?». A noção da tensão entre aquilo que se é e o que profundamente se deseja ser faz parte da matriz dos heróis dostoievskianos, e é ela que os torna inextinguíveis. No Mito de Sísifo, Camus comentou que todos eles se interrogam sobre o sentido da vida, sem excessivo pragmatismo, vincando que «é nisso que são modernos: não temem o ridículo». Não pode existir melhor elogio à grandeza de viver de absolutos, combatendo sempre por ser-se melhor do que aquilo que se é.