O artigo é ratificação da tese, exposta por Erich Auerbach, sobre o efeito holofote. Aquele autor, que deve ser conhecido pelo que escreve o texto abaixo, em livro intitulado Mimesis mostra que a escrita das Luzes e as demais do mesmo gênero, ou seja, de propaganda, usam o holofote para acentuar os defeitos alheios (que desejam atacar) e escondem os próprios, dirigindo o foco de modo a que os observadores sejam iludidos. O mundo se compõe de infinitas cenas, diz Auerbach. Escolher algumas delas, deixando na sombra as demais, tarefa de propagandista, é truque. E Auerbach alerta para a situação espiritual na IIa Guerra, acrescida da propaganda na Guerra Fria: é preciso tempo para deslindar os meneios dos retores, ocultos sob os holofotes.
No caso do artigo em pauta, o holofote é posto sobre a Andes, entidade que defende os direitos dos professores, inclusive de modo legal. Os erros daquele setor são claros, e o autor bate em pontos sensíveis que devem ser modificados.
No caso do artigo em pauta, o holofote é posto sobre a Andes, entidade que defende os direitos dos professores, inclusive de modo legal. Os erros daquele setor são claros, e o autor bate em pontos sensíveis que devem ser modificados.
Mas o panegírico aos procedimentos da Capes, do CNPq, os ditirambos sobre o Lattes e quejandos, não ilumina o fato de que eles não são transparentes (a avaliação SECRETA pelos "pares"é prova), e beneficiam os integrantes das seitas (ou outro nome mais exato) que estão perto dos que decidem, em anonimato, o destino dos projetos. O atrelamento dos salários à "produtividade"beira o fordismo. E o autor finge ignorar que as revistas "especializadas", em seus comitês e consultorias, são dirigidas também por seitas, as quais determinam o que é científico, ou não. Existem trabalhos, na ordem internacional sobretudo, mostrando à saciedade o tipo de controle dos periódicos pelos grupos de pressão. Desconhecer tal literatura, fingindo sua inexistência, é pouco ortodoxo em termos de ética científica. Cito, entre muitos, o livro de Gordon Morgan : Silencing scientists and scholars in other fields: power, paradigm controls, peer review, and scholarly communication (London, Ablex, 1998).
Seria pouco dizer que o artigo é ingênuo. Ele ajuda a construir o mito da avaliação imparcial, quando a realidade mostra o contrário, o escandaloso contrário.
RR
São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 2011
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros TENDÊNCIAS/DEBATES Contra o mérito! FLÁVIO SACCO DOS ANJOS
Especialistas em cienciometria indicam que a produção científica brasileira aumentou 56% entre 2007 e 2008, situando-a na 13ª posição no ranking mundial de artigos publicados em revistas especializadas. É no bojo desse processo que se constata o avanço substancial do sistema brasileiro de pós-graduação, com um incremento notável no número de programas destinados a formar recursos humanos em todos os campos do conhecimento. Há, entretanto, um aspecto que é crucial para entender a mecânica dessa transformação de nosso país na última década. Refiro-me, sobretudo, ao fortalecimento de sistemas de avaliação centrados na perspectiva do mérito científico e acadêmico, traduzido no neologismo, já consagrado nas hostes universitárias, como o regime da meritocracia. Sob sua égide, a missão de aprovar um projeto e de conseguir recursos para financiar suas pesquisas tornou-se o centro de uma acirrada disputa que se instala entre os membros de uma comunidade científica, sagrando-se vencedor aquele que mais publica em revistas qualificadas. Essa dinâmica alimenta complexo sistema, em que a transparência e a veracidade das informações são asseguradas por instrumentos como a plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico). Qualquer pessoa acessa a base de dados de currículos e conhece a trajetória de todo e qualquer pesquisador, do ponto de vista de sua produção intelectual. Não é à toa que os salários dos docentes de nível superior das instituições federais de ensino incluem gratificações cujo pagamento está atrelado ao cumprimento de índices de desempenho. Lamentavelmente, tal imperativo vem sendo reiteradamente rechaçado pela Associação Nacional de Docentes de Nível Superior (Andes). Fugindo de seus propósitos, essa instituição se converteu numa trincheira de partidos políticos minoritários ou em local para abrigar verdadeiras nulidades, que, por sua total incompetência e despreparo, não encontrariam espaço para trabalhar em qualquer instituição respeitável de ensino deste e de qualquer outro país do planeta. O ocaso da Andes é visível e patético. Assembleias de docentes são recorrentemente minúsculas, em que um número reduzido de professores decide pelos demais, propondo a deflagração de greves que só contam com o apoio da militância de plantão, que se locupleta de vantagens para financiar suas viagens ao planalto central e a outros locais do país, onde realizam congressos cujas teses são cada vez mais absurdas e distantes do cotidiano das universidades. Não me parece um exagero afirmar que a Andes se converteu numa sinecura mantida com os salários dos demais e ao arrepio de qualquer princípio de legitimidade. Basta olhar o currículo dos membros que compõem a diretoria da Andes para entender essa espúria realidade. Há docentes que jamais orientaram um só aluno de pós-graduação ou publicaram um único artigo científico em toda a sua vida. Evidentemente, esse tipo de excrescência não representa a regra, mas, sim, a exceção. A maior parte dos professores tem seu dia a dia marcado por jornadas intermináveis de aulas, orientações de alunos ou elaboração de novos projetos. Mas o aspecto paradoxal é que são essas as pessoas que se consideram aptas para falar em nome dos demais, sendo a expressão última de flagrante crise de representatividade que se negam a enfrentar, porque, tomando as rédeas do debate, cairiam no ridículo, expondo as vísceras desse ingente paradoxo. FLÁVIO SACCO DOS ANJOS, 49, é sociólogo, professor da Universidade Federal de Pelotas e pesquisador do CNPq. |