Desarrumação lógica
Alon Feuerwerker
Arrisco dizer que seremos uma sociedade mais coerente quando a vida humana merecer a mesma defesa radical que merecem hoje as plantas e animais
Há algo desarrumado numa sociedade que exige criminalizar todo desmatamento enquanto, com o mesmo ímpeto, exige também o amplo direito ao aborto, a ser catalogado entre as prerrogativas inalienáveis da mulher.
Num caso, prevalece a responsabilidade social. No outro, a liberdade individual. Por quê? Ninguém explica.
Arrancar uma planta é em princípio criminoso, mas arrancar um embrião ou feto do útero materno deveria ser livre, em nome do direito de a mulher decidir sobre o próprio corpo.
Ainda que no rigor lógico-científico o embrião, ou feto, não faça parte do corpo da mãe. Ela apenas o abriga. São duas vidas, e não uma só.
Não estou, e penso que o leitor ou leitora já notou, fazendo juízo de valor sobre os temas, apenas enfatizando o desarranjo, uma assimetria sistemática.
Que fica também evidente no contraste entre a proteção militante à vida animal e a condescendência com as ameaças à vida humana.
Desde há muito as pessoas mobilizam-se em defesa de outras espécies. Já há nessa agenda uma ética consolidada. Matar um bicho ou fazê-lo sofrer lança o sujeito no rol da execração. Usar peles de bichos, por exemplo, é encrenca na certa.
Num episódio célebre após o falhado levante comunista de 1935, o advogado católico Sobral Pinto defendia presos ligados ao movimento derrotado e pediu que eles tivessem respeitados pelo menos os direitos previstos pela lei de proteção aos animais.
Arrisco dizer que seremos uma sociedade mais coerente quando a vida humana merecer a mesma defesa radical que merecem hoje as plantas e animais.
No debate do Código Florestal exige-se a perseguição e a punição implacáveis a todos que um dia decidiram ocupar beiras de rio para dali tirar o sustento, seu e de suas famílias.
Aqui as circunstâncias não servem de atenuante.
Já quando alguém menor de 18 anos comete um crime hediondo o vento sopra no sentido contrário: aqui é imperioso olhar atentamente para as circunstâncias. Imperioso reabilitar, dialogar, integrar.
E não simplesmente condenar. Ou punir.
Se o leitor pedir a explicação do desarranjo, dos dois pesos e duas medidas, admitirei que não tenho uma pronta e acabada. Esta coluna é só divagação. Mas desconfio que a raiz esteja mesmo é na desumanização. Ou humanofobia.
O homem visto como estorvo, como vetor daninho, a ser contido e evetualmente removido.
A não ser que persista em “estado natural”, signifique isso o que significar. Então o problema não está no homem, mas na civilização, talvez olhada apenas como ampliação das consequências do pecado original.
Há algo desarrumado numa sociedade que exige criminalizar todo desmatamento enquanto, com o mesmo ímpeto, exige também o amplo direito ao aborto, a ser catalogado entre as prerrogativas inalienáveis da mulher.
Num caso, prevalece a responsabilidade social. No outro, a liberdade individual. Por quê? Ninguém explica.
Arrancar uma planta é em princípio criminoso, mas arrancar um embrião ou feto do útero materno deveria ser livre, em nome do direito de a mulher decidir sobre o próprio corpo.
Ainda que no rigor lógico-científico o embrião, ou feto, não faça parte do corpo da mãe. Ela apenas o abriga. São duas vidas, e não uma só.
Não estou, e penso que o leitor ou leitora já notou, fazendo juízo de valor sobre os temas, apenas enfatizando o desarranjo, uma assimetria sistemática.
Que fica também evidente no contraste entre a proteção militante à vida animal e a condescendência com as ameaças à vida humana.
Desde há muito as pessoas mobilizam-se em defesa de outras espécies. Já há nessa agenda uma ética consolidada. Matar um bicho ou fazê-lo sofrer lança o sujeito no rol da execração. Usar peles de bichos, por exemplo, é encrenca na certa.
Num episódio célebre após o falhado levante comunista de 1935, o advogado católico Sobral Pinto defendia presos ligados ao movimento derrotado e pediu que eles tivessem respeitados pelo menos os direitos previstos pela lei de proteção aos animais.
Arrisco dizer que seremos uma sociedade mais coerente quando a vida humana merecer a mesma defesa radical que merecem hoje as plantas e animais.
No debate do Código Florestal exige-se a perseguição e a punição implacáveis a todos que um dia decidiram ocupar beiras de rio para dali tirar o sustento, seu e de suas famílias.
Aqui as circunstâncias não servem de atenuante.
Já quando alguém menor de 18 anos comete um crime hediondo o vento sopra no sentido contrário: aqui é imperioso olhar atentamente para as circunstâncias. Imperioso reabilitar, dialogar, integrar.
E não simplesmente condenar. Ou punir.
Se o leitor pedir a explicação do desarranjo, dos dois pesos e duas medidas, admitirei que não tenho uma pronta e acabada. Esta coluna é só divagação. Mas desconfio que a raiz esteja mesmo é na desumanização. Ou humanofobia.
O homem visto como estorvo, como vetor daninho, a ser contido e evetualmente removido.
A não ser que persista em “estado natural”, signifique isso o que significar. Então o problema não está no homem, mas na civilização, talvez olhada apenas como ampliação das consequências do pecado original.