segunda-feira, 5 de março de 2012

Insistindo em um livro muito esclarecedor do modus operandi reitoral....




Crítica à Razão Acadêmica

30/01/2012 | 17:26

Crítica à Razão Acadêmica, organizado por Waldir Rampinelli e Nildo Ouriques, um volume essencial para as mentes acadêmicas honestas.

Para todos os inconformados diante do poder corrupto e burocrático que ronda as nossas universidades, um aviso: saiu um livro excelente, com análises duras e verdadeiras sobre os campi. Faço referência à coletânea editada por Waldir José Rampinelli e Nildo Ouriques : CRÍTICA À RAZÃO ACADÊMICA, reflexões sobre a universidade contemporânea(Florianópolis, Editora Insular, 2011). Artigos incluidos:

1) A liberdade sacrificada – Fábio Lopes da Silva

2) O Estado atual da educação supeior nos Estados Unidos – Frank Donoghue (com agudíssima análise da situação norte-americana, com as universidades que visam o lucro, paradigmas das nossas “universidades privadas”, onde “privada”tem a polissemia imaginável, que fazem fusões, ganham milhões, com dinheiro dos pobres e da classe média, e mais um bom dinheiro dos governos “progressistas”).

3) A democracia na universidade brasileira: simulacro ou arremedo ? – Waldir Rampinelli (um diagnóstico dos processos e métodos de imposição autoritária nos campi, retroagindo aos tempos da ditadura, nos quais Conselhos Universitários entoavam, em suas Atas e Ofícios, canções aos tiranos de plantão, até os nossos dias, quando as espinhas acadêmicas ainda, e como !, se curvam diante do poder, do dinheiro, das oligarquias).

4) Ciência e Pós-graduação na universidade brasileira – Nildo Ouriques (um dos mais lúcidos exames do processo de imposição mercadológica e ideológica sobre os docentes e pesquisadores brasileiros).

5) A apropriação privada da universidade pública- as fundações privadas ditas de apoio – Ciro Teixeira Correia (libelo perfeito da delinquência travestida de “apoio à pesquisa e à comunidade”).

6) A universidade e os técnicos-administrativos, uma tensão permanente – Elaine Tavares (eu o li antes dos demais, porque saímos, na Unicamp, de uma longa greve de funcionários, na qual os nossos técnicos não tiveram suas reivindicações atendidas, como fui um dos que apoiaram publicamente a greve, fiquei interessado no texto, muito bem urdido e apresentado).

7) Movimento docente na UFSC – os longos anos oitenta – Célio Espíndola e Marli Auras

8) E uma importante republicação do mais do que lúcido, profético, texto com entrevista de Maurício Tragtemberg, A delinquência Acadêmica. Da entrevista, dada ao Folhetim da Folha de São Paulo em 3/12/1978, retiro dois trechos eloqüentes :

“A maioria dos congressos acadêmicos universitários serve de ‘mercado humano’ no qual entram em contato pessoas e cargos acadêmicos a serem preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel onde se trocam informações sobre inovações técnicas. Revê-se velhos amigos e se estabelecem contatos comerciais”.

“Não é tendo o poder na universidade que se tem o poder na sociedade global (…) O messianismo acadêmico é uma desgraça. Agora, na medida em que a universidade reflete contradições, existem intelectuais críticos e intelectuais fascistas na universidade em si, a questão do pensamento crítico na universidade não se resolve internamente e sim no plano político maior, no plano das relações de poder (…) Só que as associações que se criaram nesse país, os partidos políticos, como dizia o velho Oliveira Vianna, são associações públicas de direito privado (…) São meros clãs parentais, meros clãs feudais, meros grupos de pressão dos interesses econômicos. (…) Agora, apressar pode ser negativo, estar atrás também é negativo, mas estar muito à frente é mau porque fica na vanguarda sem retaguarda. Nós vimos o que foi 64: excesso de vanguarda sem retaguarda, quer dizer, muito chefe e pouco indio”.

Vocês já viram descrição mais lúcida dos partidos políticos brasileiros, de esquerda ou direita? Desde longa data defendo que na universidade não poderia haver poder, mas autoridade ética e científica. Quando, nela, existe poder, trata-se de uma sujeição aos esquemas de mando estatal ou econômico (na verdade, subserviência diante daqueles mandos, incluindo mesmo o religioso). Um reitor não tem nas mãos os monopólios da força, da norma jurídica, dos impostos. Ele administra o campus com base no exercício, pelos donos do poder, daqueles monopólios. Se imagina seu cargo como poder, é porque serve de correia de transmissão, abandonando totalmente a autonomia universitária. Outro ponto: o poder é soberano, mas a autoridade acadêmica é autônoma. São dois conceitos e realidades distintas. Numa sociedade e num Estado democrático, a luta maior é para que os referidos monopólios sejam exercidos sob controle cada vez maior do povo soberano, o que implica diminuir ao máximo a força dos operadores do Estado, se possível chegando à sua destituição liminar, pela cidadania, como mostram os exemplos históricos do século 17 na Inglaterra e do século 19 na França. Mas enquanto existir Estado (lutemos para que tal período não seja demasiado longo) existirá soberania, mesmo sob controle cidadão. E a soberania não pesquisa, não ensina (lembro sempre o dito de Marx, na Crítica do Programa de Gotha, segundo o qual o povo não deve ser ensinado pelo Estado, mas sim o Estado pelo povo), não debate. Ela se impõe e só conhece um direito se este vier trazido no bojo da força cidadã (também recordo o dito de Spinoza : “o direito natural é o direito do peixe grande comer o peixe pequeno”, daí a sua tese democrática : os peixes pequenos devem se unir para formar uma força maior do que a do peixe grande…).

Acontece, na fome de poder dos reitores e seus áulicos e aliados nos organismos estatais, que impõem programas de “produtividade” acadêmica, a mesma lógica denunciada por Marx, na Ideologia Alemã, para os jovens hegelianos: os textos que resultam do produtivismo, são apenas mercadorias baratas, “produtos de pacotilha”. Em tempo de mercado total, com a dominação dos produtos chineses, baratinhos e ordinários, a metáfora marxista é mais do que válida. Basta ver os “mestres de pensamento” que se sucedem com rapidez fabulosa na lista dos mais vendidos. Sistemas sólidos como as teias de aranha (ah, velho Francis Bacon, quanta visão!) se sucedem nas paradas bibliográficas, nas teses de mestrado e doutoramento, formando quistos de pequenas ortodoxias. E pobre estudante ou professor que desafie o poder das seitas! Voltemos aos “congressos”descritos por Tragtemberg. A única critica que eu faria à sua fenomenologia da miserável consciência acadêmica, é que nossos intelectuais. depois de 1978, não mais se parecem a gerentes de firmas, mas a camareiras que vasculham alcovas para destruir os “inimigos” e conquistar seus “postos de poder”. Simples assim.

Resumo: o livro vale a pena. Pessoalmente, irei divulgá-lo onde puder, para que as jovens gerações saibam em qual terreno (minado pela ganância, pela arrogância, pela sede de poder de acadêmicos) eles pisam.


Autor: Roberto Romano