Sexta, 02 de agosto de 2013
Citrosuco: mais um caso de trabalho escravo no Brasil. Entrevista especial com Renan Barbosa Amorim
Ter o registro do ICMS cassado “é a consequência mais
grave para quem utiliza mão de obra análoga ao trabalho escravo”, diz o
auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego – MET.
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Confira a entrevista.
“Tínhamos uma boa noção do que encontraríamos, porém não tínhamos
dimensão da realidade, tanto que fomos surpreendidos pela situação que
encontramos no local”, disse Renan Barbosa Amorim, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, responsável pela fiscalização nos dois laranjais da Citrosuco.
Uma das maiores indústrias de suco de laranja do país, a Citrosuco foi
multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego na última semana, por
manter trabalhadores em condições de trabalho escravo nas Fazenda Água
Sumida, em Botucatu, e Fazenda Graminha, em São Manoel, cidades na
região centro-sul paulista. De acordo com Amorim, trabalhadores tiveram
seus documentos retidos pela empresa e foram coagidos moralmente por
causa de dívidas obtidas para poderem se manter no emprego.
A denúncia ao Ministério Público foi feita pelos próprios trabalhadores que, conforme explica o auditor fiscal na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line
por telefone, “vieram com promessas de salário e de transporte, que
seria bancado pela empresa, e quando chegaram ao local de trabalho
encontraram uma casa pequena, que serviu de alojamento para 26 pessoas.
(...) A casa, para se ter uma noção, não tinha nem banheiros e eles
tinham de procurar – conforme relatos –, lugar no mato para fazer as
necessidades, ou seja, era um local extremamente precário”.
Segundo Amorim, “as empresas ainda são muito reticentes, e assumem a questão trabalhista como um custo a ser reduzido e isso toma uma proporção grande”. De acordo com ele, no caso da Citrosuco,
“os encarregados de turma recebem por produção, então querem
simplesmente que os funcionários deem o máximo de rendimento com o
mínimo de custos. Ou seja, há um descaso com o trabalhador”. Para ele,
os casos recorrentes de trabalho escravo em fazendas brasileiras estão
diretamente ligados à falta de responsabilização penal. “Ainda não
tivemos caso de alguém ser preso por trabalho escravo; conseguimos uma
condenação por danos morais na esfera do Trabalho, algumas vezes a
inclusão na lista suja das empresas”.
Renan Barbosa Amorim é auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Como os órgãos públicos chegaram aos
trabalhadores em situação de escravidão na Citrosuco? Foi uma
fiscalização de rotina ou por meio de denúncia?
Renan Barbosa Amorim - Neste caso os próprios
trabalhadores denunciaram a gravidade da situação, mas não com todos os
detalhes. Tínhamos uma boa noção do que encontraríamos, porém não
tínhamos dimensão da realidade, tanto que fomos surpreendidos pela
situação que encontramos no local. Essas denúncias ocorrem normalmente
quando alguém procura os órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE ou o Ministério Público – MP,
mas no caso da Citrosuco, como a situação estava realmente complicada,
os funcionários se dirigiram ao MP, que depois se dirigiu ao MTE para
pedir apoio. Entre a denúncia e a fiscalização
houve um espaço de apenas dois dias, sendo que a denúncia foi feita no
dia 30 de junho e a fiscalização no dia 2 de julho de 2013.
IHU On-Line – O que caracteriza o trabalho escravo? A que violações dos direitos civis tal prática está vinculada?
Renan Barbosa Amorim - Existem duas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT,
que dispõem sobre o trabalho, e também existe o Código Penal
Brasileiro. O artigo 149 define a condição análoga a trabalho escravo, o
qual foi utilizado como referência na nossa fiscalização. O trabalho escravo
é caracterizado pelo cerceamento da liberdade, que funciona de várias
formas. A dívida é um exemplo: quando o empregador cria um fornecimento
de bens e obriga os empregados a adquiri-los de forma que gera uma
dívida impagável, trata-se de uma restrição indireta. Outra forma é a
restrição da liberdade pela retenção de documentos, por exemplo, retém a
Carteira de Trabalho ou de identidade impedindo que o trabalhador se
locomova porque não tem documentos. Existe a restrição de liberdade mais
direta, feita, por exemplo, por armamento ostensivo. Tem ainda as
condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva, quando o
excesso de atividades toma uma proporção tão grande que afronta a
dignidade do trabalhador, acaba com as forças físicas e impede a
reposição de energias.
IHU On-Line – Os trabalhadores desse caso estavam sendo submetidos a que tipo de constrangimentos?
Renan Barbosa Amorim - Primeiramente a retenção de
documentos, pois a empresa desde a chegada deles reteve as carteiras de
trabalhos. Em segundo, a questão da dívida, mas de uma forma indireta,
pois o estabelecimento não era da Citrosuco. Porém, por meio da
encarregada de turma desses trabalhadores que vieram colher laranjas,
eles fizeram dívidas em um supermercado com o aval dessa pessoa, e
chegou a um ponto em que não conseguiram pagar o que deviam. Isso é que
se chama de coação moral,
pois eles tinham uma dívida, sentem-se presos a ela e não podem sair.
Por fim, trata-se de uma condição degradante, tendo em vista a condição
degradante por conta do alojamento em péssimas condições – inabitável e
sem a menor condição de permanência. A própria encarregada de turma que
encontrou o local atestou em seu depoimento que não havia as mínimas
condições.
Moradia
Um dos requisitos que caracteriza o trabalho escravo é o aliciamento.
Os trabalhadores vieram com promessas de salário e de transporte que
seria bancado pela empresa e quando chegaram ao local de trabalho
encontraram uma casa pequena, que serviu de alojamento para 26 pessoas,
que ficaram quase amontoados. A casa, para se ter uma noção, não tinha
nem banheiros e eles tinham de procurar – conforme relatos –, lugar no
mato para fazer as necessidades, ou seja, era um local extremamente
precário. Depois de três meses, como eles viram que não havia a menor
condição de ficar, procuraram outro local para morar, e adquiriram
dívidas. Ocorre que quando chegamos, não conseguimos fiscalizar a
primeira casa, mas os depoimentos, tanto da encarregada de turma quanto
dos trabalhadores, comentaram a situação da casa onde estavam.
IHU On-Line – A empresa em questão é umas das gigantes do
setor. Nesse sentido, as sanções impostas, multas e as possíveis
condenações podem gerar algum impacto significativo nas atividades da
empresa?
Renan Barbosa Amorim - Os autos de infrações do Ministério do Trabalho
não têm impactos financeiros muito grandes. Só que por conta do
trabalho escravo, as restrições são bem mais sérias, primeiro por conta
da lista suja do MTE, que ao final do devido processo legal e do processo administrativo interno do MTE
devem ter o nome inserido. Depois é que vão aparecer impactos mais
fortes, como restrição a crédito. Especificamente em são Paulo existe
uma lei estadual que proíbe as empresas condenadas por trabalho escravo
a operarem por dez anos. Essa sim é a consequência mais grave, pois
tem-se o registro do ICMS cassado e não podem operar. Esta é a
consequência mais grave para quem utiliza mão de obra análoga ao
trabalho escravo. Neste caso terminamos o relatório e encaminhamos às
demais autoridades. Agora o MP deve entrar com uma ação neste sentido,
para tentar a cassação do registro da Citrosuco.
IHU On-Line – A tática jurídica de utilizar um preposto como
intermediador da contratação dos trabalhadores reduz a responsabilidade
da empresa? Por quê?
Renan Barbosa Amorim - Normalmente não acontece isso
porque ocorre a subordinação estrutural. Neste caso, porém, trata-se de
flagrante, pois havia uma funcionária da Citrosuco, com registro CLT.
Além disso, os empregados também foram registrados pela Citrosuco e
trabalharam em fazendas da empresa. A ligação com a empresa é muito
forte, não tem como alegar que era responsabilidade de terceiros.
Considerando outros casos, como postura da fiscalização, o que se busca é tentar identificar quem é o real beneficiário do trabalho escravo.
A relação de emprego é um contrato que chamamos de objetivo, não
depende da formalização. Nesse caso o responsável pelo trabalho é aquele
que se beneficia do trabalho, seja ele empregador ou não.
IHU On-Line – Este ano o grupo gestor da companhia foi
condenado a pagar R$ 400 milhões por condenações na Justiça Trabalhista
devido a problemas de contratações terceirizadas. Como uma empresa com
tal histórico pode estar em funcionamento?
Renan Barbosa Amorim - A questão é que no Brasil não
atingimos a responsabilização no ponto mais forte destas empresas, que é
o econômico. Estamos começando a fazer o trabalho que está engatinhando
e começa ter bons resultados. Vemos outros problemas, por exemplo, o
que antigamente era uma das principais complicações da extração da
cana-de-açúcar, migrou para a questão da laranja. Há um problema muito
sério de gestão e as empresas parecem não estar preocupadas com a gestão
de seus trabalhadores.
IHU On-Line – Qual o maior desafio do trabalho do Ministério
do Trabalho e Emprego – MTE, e Ministério Público do Trabalho – MPT, no
sentido de fiscalizar e inibir a realização de trabalho escravo?
Renan Barbosa Amorim - Primeiro temos uma grande
dificuldade que é a falta de estrutura. Precisamos brigar com o próprio
ministério para poder trabalhar. Para ter uma ideia da situação, quando
estávamos voltando de uma das fazendas em que estávamos fiscalizando,
por volta das 22h30, fomos parados pela polícia porque o documento da
viatura estava vencido. Se acontecer algum problema semelhante em Bauru
não temos viatura e ficamos presos sem ter como trabalhar.
Postura das empresas
Além disso, vemos que as empresas ainda são muito reticentes, assumem
a questão trabalhista como um custo a ser reduzido e isso toma uma
proporção grande. Nesse caso da Citrosuco, os encarregados de turma
recebem por produção, então querem simplesmente que os funcionários deem
o máximo de rendimento com o mínimo de custos. Ou seja, há um descaso
com o trabalhador. Outro problema é a responsabilização penal. Ainda não
tivemos caso de alguém ser preso por trabalho escravo; conseguimos uma
condenação por danos morais na esfera do Trabalho, algumas vezes a inclusão na lista suja das empresas. Fazemos esse trabalho na ponta, apesar de todas as dificuldades.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Renan Barbosa Amorim - O que mais preocupa é a
estrutura do combate, porque a falta do mínimo de condições emperra
muito nosso trabalho. Gostaríamos de aprofundar mais e fazer mais
fiscalizações, mas o descaso do governo com a nossa atuação atrapalha
demais o andamento das nossas tarefas. Sobra, no final das contas, para o
trabalhador que busca as autoridades, e o que é difícil fica ainda pior
nessa situação. Imagina pessoas totalmente abandonadas que tiveram de
buscar o Ministério do Trabalho para buscarem seus direitos? A nossa
maior dificuldade é conseguir trabalhar.
Citrosuco: mais um caso de trabalho escravo no Brasil. Entrevista especial com Renan Barbosa Amorim