sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Globo, 30/08/2013

Ex-presidente do STF defende fim do voto secreto no Congresso

  • “O representado tem direito de saber como vota o seu representante”, afirma Ayres Britto
Chico Otavio, Juliana Castro e Raphael Oliveira 
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Donadon (no canto, à esquerda) observa o resultado da votação que garantiu a manutenção do seu mandato -
Foto: Ailton de Freitas/28-08-2013
Donadon (no canto, à esquerda) observa o resultado da votação que garantiu a manutenção do seu mandato - Ailton de Freitas/28-08-2013
BRASÍLIA - O perdão a Natan Donadon deu à frente parlamentar em defesa do voto aberto o argumento que faltava para fazer da sessão que absolveu o deputado de Rondônia (sem partido), acusado de roubo, a última da história do Parlamento decidida em votação secreta. Indignados com o resultado, representantes da sociedade civil e especialistas se juntaram aos membros da frente para pedir a aprovação da Proposta de Emenda (PEC) 196 de 2012, que propõe voto aberto na cassação de parlamentares por condenação criminal ou falta de decoro.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto afirmou que o voto aberto é primordial para a uma representatividade transparente:

— Sou totalmente contra o voto secreto. Numa democracia representativa, o representante tem obrigação de revelar aos representados suas posições, votos. A transparência é essencial para dar autenticidade ao regime representativo. O representado tem direito de saber como vota o seu representante. Como vai se falar em nome de alguém sem que esse alguém saiba do que foi falado? Informar é um dever primário

O deputado federal Sérgio Zveiter (PSD-RJ), relator da cassação de Donadon e membro da comissão especial que analisa a PEC do Voto Aberto, adianta o que pensa sobre o assunto:

— Sou totalmente a favor da aprovação da PEC do Voto Aberto o mais rápido possível para evitar que, no futuro, um deputado condenado por roubo ou qualquer outro crime incompatível como o exercício do mandato seja salvo, como aconteceu com ele.

Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a PEC 196 já recebeu um parecer favorável do relator da matérias, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), também integrante da Frente Parlamentar pelo Voto Aberto:

— Apoio a iniciativa porque o meu voto não é meu. Não pertence a mim. É do meu eleitor. É direito dele saber como voto.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coelho acredita que a primeira mensagem após a absolvição de Donadon é a da necessidade de mudanças no sistema de votação para esse tipo de matéria:

— O voto aberto tem a missão de trazer clareza aos eleitores. É um instrumento de controle da sociedade brasileira para analisar a conduta dos parlamentares — afirma o presidente, que vê no episódio uma forma de fortalecer os protestos — Essa decisão com votos secretos pode significar um estímulo às manifestações.

O professor de ética da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, acredita que o distanciamento entre o Legislativo e a sociedade acarretou em uma lógica autoritária na Casa.

— A Câmara sentia-se totalmente independente. Quanto mais eles fazem esses atos autárquicos delirantes, menor credibilidade eles têm — analisa Romano que argumenta que a desvalorização da Câmara acontece pela interpretação que a sociedade acaba tendo após episódios como o de Donadon — O cidadão sente-se um palhaço, sem valor nenhum. Um pagador de imposto e nada mais.

Para Cristine Maza, representante do grupo “Todos Juntos Contra a Corrupção”, a Câmara dos Deputados não escutou a população que foi às ruas em junho.

— O voto secreto tem que acabar. Esta não foi uma das propostas pelo qual fomos às ruas? Não nos escutaram. Vamos gritar mais alto, não dá para ficar calado. Estamos com um corrupto nos representando.

De acordo com o juiz Márlon Reis, um dos redatores da Lei do Ficha Limpa, o fim do voto secreto e a reforma política tornaram-se obrigações após a decisão de absolvição de Donadon.

— Tem que canalizar para a reforma política e o voto aberto porque o outro caminho, com a desvalorização do Legislativo, é o totalitarismo — afirma Reis que crê que foi a própria Casa que iniciou este descrédito — São decisões que mostram uma carência de sintonia entre a sociedade e a Câmara. O resultado é uma democracia comprometida.

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