Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 12 de agosto de 2013 a 18 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 570
Pesquisa mapeia violência sexual
contra mulheres jovens e adultas
Foram avaliados o perfil, os sintomas psíquicos, o tratamento ambulatorial e as características da agressão de 687 vítimas
Pesquisa
realizada no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti
(Caism) da Unicamp avaliou o perfil, os sintomas psíquicos, o tratamento
ambulatorial e as características da agressão de 687 mulheres adultas e
adolescentes vítimas de violência sexual atendidas entre os anos de
2006 e 2010.
O trabalho resultou em
três artigos científicos – um publicado em maio deste ano e dois
recém-encaminhados para publicação internacional – e na dissertação de
mestrado “Características sociodemográficas e sintomas psíquicos de
mulheres vítimas de violência sexual”, defendida na Faculdade de
Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
A
pesquisa foi conduzida pela médica psiquiatra Cláudia de Oliveira
Facuri. A orientação foi da professora Renata Cruz Soares de Azevedo, do
Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM Unicamp.
Violência
sexual é, segundo a Organização Mundial da Saúde, “qualquer ato sexual
ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais
indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade
de uma pessoa usando coerção, por qualquer pessoa, independente de sua
relação com a vítima, em qualquer cenário, incluindo, mas não limitado, à
casa e ao trabalho”. Dados brasileiros indicam que a mulher é a
principal vítima de violência sexual ou estupro. A pena para o agressor é
de 6 a 30 anos de reclusão, dependendo da gravidade, idade da vítima e
se houver gravidez ou doença sexualmente transmissível decorrente da
violência sexual.
De acordo com a
literatura médica nacional e internacional, as mulheres vítimas de
violência sexual apresentam risco aumentado de hipertensão, dor pélvica
crônica, síndrome do intestino irritável, asma, problemas ginecológicos,
doenças sexualmente transmissíveis, suicídio, abuso de álcool e outras
drogas e vários outros transtornos mentais.
Já
a experiência de violência sexual na adolescência pode se apresentar
por sinais e sintomas indiretos, tais como: mudanças de comportamento;
atitudes sexuais impróprias para a idade; demonstração de conhecimento
sobre atividades sexuais superiores à de sua fase de desenvolvimento
através de falas, gestos ou atitudes; masturbação frequente e
compulsiva; tentativas de desvio para brincadeiras que possibilitem
intimidades ou a manipulação genital que reproduz as atitudes do
agressor.
PESQUISA
O
Caism é um hospital universitário que integra a rede de instituições
parceiras do projeto Iluminar Campinas. É referência local e regional
para atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual e
assistência à gestação decorrente dessa agressão. O atendimento é
gratuito e funciona 24 horas, todos os dias do ano.
As
informações para a pesquisa foram obtidas das fichas clínicas que
compõem o prontuário das pacientes. Os dados obedecem a uma sequência de
avaliações feitas por uma equipe multidisciplinar composta por
enfermeiros, ginecologistas, assistentes sociais, psicólogos e
psiquiatras que atenderam as vítimas de violência sexual.
De
acordo com os dados da pesquisa da Unicamp, a idade média das mulheres
avaliadas foi de 23,7 anos, sendo 47,4% adolescentes. A maioria era da
cor branca, solteira, sem filhos, sadia, com escolaridade maior que oito
anos e profissionalmente ativa: 41,6% estavam empregadas e 39,4% eram
estudantes. Quanto à religião, 84,9% tinham religião e 74,7%, prática
religiosa, sendo que 52,6% delas eram católicas e 40,7%, evangélicas.
Segundo
depoimento das vítimas, a agressão ocorreu principalmente no período
noturno, entre 18 horas e 7 horas da manhã, na rua, no percurso do
trabalho ou escola, em vias sem ou com pouca iluminação, por um único
agressor desconhecido e com intimidação por força física ou porte velado
de faca ou arma de fogo.
“As pessoas
têm a fantasia de que as mulheres são abordadas na madrugada, na
balada, porque estavam se oferecendo. Isso não é verdade. Elas são
abordadas no período em que escurece ou logo no começo da manhã, no
ponto de ônibus, indo ou voltando do trabalho ou da escola”, disse a
psiquiatra Cláudia de Oliveira Facuri, que é formada pela Unicamp.
Conforme
dados da pesquisa, a violência sexual deu-se por meio de coito vaginal.
Um quarto das mulheres era virgem até a ocorrência da violência sexual,
16,2% apresentavam antecedente pessoal e 9,6%, antecedente familiar de
violência sexual.
Após a violência
sexual, mais da metade das mulheres apresentou alterações de sono; 51,8%
apresentaram sintomas depressivos e 48,5% apresentaram ansiedade. Ainda
de acordo com os dados da pesquisa, 46,5% das mulheres sentiram
vergonha após o trauma e 20,8% se sentiram culpadas. Cerca de 1/3 delas
se isolou, 32,9% evitaram contatos sociais e 28,8% alteraram suas
rotinas diárias. Outro dado apontado pela pesquisa foi com relação ao
comportamento suicida. Após serem violentadas, 18,8% das mulheres
relataram que pensaram em cometer suicídio, 6,5% afirmaram que
planejaram e 1,7% tentou se matar.
Os
principais temores relativos ao trauma apontados pela pesquisa foram:
repetição da violência sexual para 25,8% das mulheres, medo de contrair
doenças sexualmente transmissíveis para 24,3% e medo de gestação para
10,8% delas.
“Elas vivem com temor da
repetição da violência sexual. Muitas das agressões acontecem durante
assalto e eles ameaçam voltar. A fala dos agressores é muito parecida.
Embora raramente isso aconteça, ela acredita estar refém dessa pessoa
para sempre. Quando sabem que o agressor está preso, a sensação de
segurança aumenta muito”, disse a professora e psiquiatra Renata Cruz
Soares de Azevedo.
Ainda segunda a
pesquisa, mais da metade das mulheres realizou Boletim de Ocorrência
(BO) e contou a alguém sobre a violência, geralmente pais, marido ou
familiar. Ao longo do período estudado, houve redução na realização de
BO pelas vítimas e aumento na procura precoce de atendimento: 65,3%
delas procuraram o atendimento de emergência do Caism em até 24 horas e
87,6% procuraram o mesmo serviço até 72 horas.
“O
primeiro atendimento é crucial do ponto de vista médico. Se não
iniciarmos o coquetel antirretroviral do HIV, antibióticos, vacina para
hepatite B e anticoncepcional de emergência nos primeiros dias,
preferencialmente nas primeiras 24 a 48 horas, as chances de prevenção
se reduzem drasticamente”, disse Renata.
Segundo
as psiquiatras da Unicamp, após o atendimento de emergência, o
tratamento ambulatorial por seis meses é essencial para seguimento
sorológico e psicológico destas vítimas e possibilita a identificação e
intervenção precoce no que for necessário.
Cerca
de um terço da amostra, particularmente as adolescentes, não
desenvolveu sintomas psíquicos relacionados com o trauma. As
adolescentes, quando comparadas com as mulheres adultas, foram mais
agredidas por pessoas conhecidas e com uso de ameaça verbal.
Mulheres
que aderiram ao tratamento ambulatorial dividiram com mais frequência
sobre a agressão, principalmente com a família, em especial os pais,
marido ou amigos e se sentiram apoiadas, além de terem acesso ao
acompanhamento multiprofissional oferecido ambulatorialmente.
“Em
famílias cuja mãe ou irmãs também foram vítimas de violência sexual, os
sintomas pioram. Ocorre uma segunda vitimização dentro do ambiente
familiar. Já tivemos que tratar de famílias inteiras, inclusive maridos
ou parceiros que se angustiam e não sabem como lidar com a situação.
Entretanto, quanto maior o apoio do grupo social, melhor a evolução”,
revelou Cláudia.
Segundo as
psiquiatras da Unicamp, os serviços públicos de saúde devem estar
preparados para atender as mulheres vítimas de violência sexual. Cerca
de 74% das mulheres entrevistadas relataram que nunca foram perguntadas
se sofreram violência na vida. Mesmo o Caism sendo um serviço de
referência na região, um terço das mulheres não volta após o primeiro
atendimento, de acordo com os dados da pesquisa.
“As
mulheres vítimas de violência sexual estão envergonhadas e
fragilizadas. Perder o tabu de perguntar e ouvir com respeito, sem
julgamento moral, o que essas mulheres querem contar pode fazer toda a
diferença no tratamento. Os dados da pesquisa são a ponta do iceberg de
um problema de saúde pública”, disse Cláudia.
Publicações
Artigos
Cláudia
de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Karina Diniz
Oliveira, Tiago dos Santos Andrade, Renata Cruz Soares de Azevedo.
Violência Sexual: Estudo Descritivo sobre as Vítimas e o Atendimento em
Serviço Universitário de Referência no Estado de São Paulo, Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, maio, 2013. Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Psychiatric evaluation of women victims of sexual violence assisted at a referral university centre in São Paulo, Brazil. Submeted to International Jornal of Gynecology and Obstetrics.
Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Sexual violence: a comparison between adolescents and adults assisted at a Brazilian university center. Submited to Journal of Interpersonal Violence.
Dissertação: Características sociodemográficas e sintomas psíquicos de mulheres vítimas de violência sexual
Autora: Cláudia de Oliveira Facuri
Orientadora: Renata Cruz Soares de Azevedo
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)