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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 04 de agosto de 2013 a 10 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 569
Estudo coloca em xeque tese da ‘qualificação’
como garantia de emprego
Pesquisador acompanhou a trajetória de grupo de jovensatendidos em programa público
Nos
anos 90, com a explosão da violência no país, sobretudo envolvendo
segmentos mais jovens e pobres, nasceu a ideia de que a qualificação
profissional levaria essa população ao emprego e, consequentemente, para
longe das estatísticas policiais. Desde então, diversos programas
governamentais foram desenvolvidos nessa área em todo Brasil, para
qualificar a juventude a enfrentar os desafios do primeiro emprego e da
inserção no mercado. Para entender a realidade desses brasileiros, uma
pesquisa acompanhou percursos de formação e de trabalho, durante oito
anos, e constatou que a questão é muito mais complexa do que imaginavam
os formuladores de políticas públicas há duas décadas.
“O
problema do desemprego, principalmente do jovem, não se explica por si
só como um problema de escolaridade”, afirma o pesquisador José Humberto
da Silva, autor da tese de doutorado “Juventude Trabalhadora
Brasileira: percursos laborais, trabalhos precários e futuros
(in)certos”, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, sob a
orientação da professora Liliana Rolfsen Petrilli Segnini. O objetivo
da pesquisa era analisar as trajetórias de formação e de trabalho dos
jovens egressos de programas sociais, destacadamente de um projeto de
qualificação profissional mantido pelo governo federal, dentro de uma
política para a juventude.
“No mundo,
o segmento jovem é o mais escolarizado e desempregado”, diz o autor,
professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Para se ter uma
ideia do problema, do total de 7,8 milhões de trabalhadores desocupados
no final da década de 90, no Brasil, 4,7 milhões eram jovens, o
equivalente a 60%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(PNAD).
Silva começou a acompanhar um
grupo de nove jovens com mais de 17 anos, todos da periferia de
Salvador e atendidos por um programa federal de qualificação
profissional (Consórcio Social da Juventude), mantido em parceria com
uma entidade não-governamental. Esse programa, desenvolvido a partir de
2004 em quase todas as capitais brasileiras, qualificou aproximadamente
70 mil jovens no Brasil e inseriu, de acordo com o autor da tese, 22 mil
brasileiros no mercado de trabalho. O consórcio foi realizado com foco
nos seguintes eixos: fomento à geração de postos de trabalho formais e
formas alternativas geradoras de renda; preparação para o primeiro
emprego; articulação com a sociedade civil.
Os
jovens foram entrevistados, num primeiro momento (2005 a 2006), para o
mestrado que Silva realizou também na Uneb, com o objetivo de analisar
em que medida os cursos de qualificação contribuíram para a inserção dos
jovens no mercado de trabalho. Depois, a partir de 2008, já no
doutorado realizado na Unicamp, o mesmo grupo de jovens possibilitou ao
pesquisador reconstruir seus percursos de trabalhos, suas novas
estratégias de acesso e permanência em empregos, sobretudo no campo da
formação.
Por meio da história desses
jovens, os “caminhos” percorridos foram estudados em um contexto de
indicadores sociais e econômicos. Conforme o autor, a opção metodológica
da pesquisa, baseada em estudo microssociológico, foi realizada por
entender que essa ferramenta pode revelar aspectos encontrados em escala
maior na sociedade. Dessa forma, foram reunidos métodos, técnicas e
instrumentos de pesquisa quantitativa e qualitativa.
CONSTATAÇÃO
O
país cresceu, a economia melhorou, empregos foram gerados, mas isso não
foi suficiente para resolver o problema do desemprego para a juventude
trabalhadora brasileira, na faixa etária de 15 a 29 anos. “Embora tenha
ocorrido uma significativa elevação do ritmo de crescimento do país e
uma geração de novos empregos para toda a população economicamente
ativa, especialmente nos anos de 2004 a 2008, os jovens continuam sendo,
no Brasil, o grupo mais escolarizado e mais desempregado entre os
demais grupos etários”, escreveu o autor da tese.
De
fato, as narrativas coletadas humanizam os números citados. Em comum,
as famílias desses jovens pobres realizaram fortes investimentos na
preparação dos filhos, acreditando que o estudo garantiria a eles uma
vida melhor, com mais oportunidades, em uma tentativa de “dar aos filhos
o que não tiveram”. “Desde muito cedo, por meio dos discursos
capturados, a educação [dos filhos] foi o principal investimento da
família”, afirma o pesquisador. Três dos nove jovens, por exemplo,
estudaram em escolas particulares.
Mas
por que é importante conhecer o percurso de trabalho da juventude?
“Sobretudo para pensar as políticas de emprego e de formação”, explica
Silva. “Existe ainda uma tendência nas políticas atuais de pensar a
juventude e o processo de inserção deles no mercado de trabalho por via
apenas de um processo de construção de políticas de qualificação, ou
seja, vamos qualificar o jovem para inseri-lo.”
Segundo
o pesquisador, o problema do desemprego no Brasil, principalmente em
relação à juventude, ganhou atenção na década de 80, como um problema
social grave, visto que estava associado à questão da violência juvenil.
“Nos anos 90, ocorreram fortes investimentos para essa juventude, com
programas voltados para a qualificação, na intenção de que isso pudesse
inserir esses jovens e livrar a sociedade dos males que esse segmento
poderia provocar. No final dos anos 90, porém, os dados indicavam que a
causa do desemprego não encontrava na insuficiência de escolaridade a
sua única explicação.”
Conforme as
entrevistas, ao terminarem a educação básica, os jovens percebem que a
qualificação obtida na escola ainda não é suficiente para o “emprego
digno ou bom emprego” e seguem para os cursos de qualificação, de olho
no “emprego estável e protegido”. A formação, de acordo com o estudo, é
vista como um “passaporte” para o mundo dos empregos. Tanto, que um dos
jovens passou por mais de dez diferentes cursos de qualificação em sua
trajetória, alguns realizados ao mesmo tempo, como reflexo do discurso
dominante de que a qualificação, por si, garante emprego. A intenção é
ser superselecionável.
“Eu ainda não
tenho dinheiro pra pagar uma faculdade, por enquanto vou fazer um curso
de inglês, é o que posso. Mas eu vou trabalhar muito, muito mesmo, e vou
conseguir realizar o meu sonho – que é fazer Ciências Sociais – e no
futuro vou ter um bom emprego”, disse uma das jovens entrevistadas na
pesquisa, em 2010.
“O emprego digno
ou protegido, o emprego decente, não se constituiu”, explica o
professor, apesar dos investimentos realizados pelos jovens e por suas
famílias. Os nove entrevistados, acompanhados por anos, não permaneceram
nos empregos que encontraram, mas continuaram a busca acreditando que
unicamente a qualificação faria a diferença. No momento em que o estudo
de doutorado foi encerrado, o grupo repetia o comportamento no ensino
superior, ao dar prosseguimento ao estudo com a esperança de mudar de
vida.
“Na Europa, o processo de
passagem do sistema de qualificação para a inserção é complexo, temos
jovens superpreparados e sem emprego. No Brasil, é um grande avanço a
existência de programas articulados, entretanto os avanços ainda são
pífios e não estão dando conta das reais causas do desemprego juvenil”,
avalia Silva, ao comentar sobre a eficácia da atual política dos
programas de qualificação profissional no país.
O
estudo conclui que fica explícito, nesse processo de formação de jovens
para o mercado de trabalho, que não há uma “relação direta, única, de
causa e efeito, na relação falta de qualificação e desemprego”. Quem
determina a tão disseminada empregabilidade, termo que o autor
problematiza no seu estudo, é o desempenho da economia, escreveu o autor
da pesquisa, citando o economista Marcio Pochmann. O autor também
esclarece que não pretende negar a importância da qualificação, mas
refletir sobre a complexidade da questão e os efeitos limitados das
políticas públicas atuais. No caso dos jovens entrevistados, o que era
para ser “passageira”, uma solução transitória, acabou virando um
trabalho “interino-permanente”. “A grande transformação que se verifica
nos últimos anos reside no fato de que tanto os empregos precários como,
as novas formas de subemprego, assumem, cada vez menos, uma ponte que
conduz à estabilidade do emprego. Para muitos jovens, eles deixaram de
ser um acontecimento biográfico pontual para se caracterizar num modo de
vida”, escreveu o autor do estudo.
Publicação
Tese: “Juventude trabalhadora: percursos laborais, trabalhos precários e futuros (in) certos”
Autor: José Humberto da Silva
Orientadora: Liliana Rolfsen Petrilli Segnini
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: CNPq
Tese: “Juventude trabalhadora: percursos laborais, trabalhos precários e futuros (in) certos”
Autor: José Humberto da Silva
Orientadora: Liliana Rolfsen Petrilli Segnini
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: CNPq